quarta-feira, 4 de março de 2009

Uma visão nova sobre a Pelotas antiga

Manoel Soares Magalhães (esq.) disponibilizou à venda dois de seus quadros, que proximamente estarão numa exposição formal. Eles se encontram desde segunda-feira passada na vidraçaria Pampah (General Osório 1016, perto da Bento Gonçalves), onde fui fotografá-los para esta nota.

O escritor e jornalista, que já publicou cinco livros e prepara o sexto, está dedicado mais recentemente à pintura, e tem uma boa produção de quadros inspirados na história de Pelotas, focando em temas como as charqueadas e as lendas de Simões Lopes Neto.
Sábado passado, o Amigos de Pelotas dedicou-lhe uma nota, mostrando três de seus quadros (veja o post).
Manoel se autodefine na pintura como naïf, um estilo que não chega a constituir-se em escola ou movimento artístico. Trata-se de uma forma de pintar com traços primitivos, cores intensas, desproporções e ênfase no sensorial, como uma criança ou uma pessoa sem estudos pintaria. Historicamente, vem sendo usada desde o século XVIII por pintores autodidatas ou que querem se contrapor ao academicismo, ou seja, aparece como uma expressão de verdadeira ingenuidade (naïveté) ou como uma forma de renovar mensagens e percepções do mundo.
Considerando a trajetória pessoal e o contexto social de Magalhães, podemos dizer que ele é um atento observador do ser humano - mais apontando a traços universais que locais - que percebe o lado mais doloroso da existência, o mais evidente, mas vislumbra laços de esperança com a possibilidade de uma salvação. Intui que a pessoa não pode redimir-se sozinha, mas também são ineficazes todos os messias e terapeutas se ela mesma não participar de seu processo de destruição e de construção.
Estes conteúdos já estavam ficando fora do alcance das palavras, e o artista agora usa de sua mais madura sensibilidade para traduzir estes descobrimentos pela linguagem visual - ao mesmo tempo mais concreta e mais simbólica, mais visível e mais inacessível.
O próprio naïf lhe serve para evitar as teorias e sofisticações acadêmicas, de longa tradição em nossa cidade. Se seus personagens literários vagavam por Pelotas, hipnotizados ou desorientados, esta percepção mais simples de nossa história foca na realidade e por isso oportuniza um despertar mais provável. É um olhar revelador e terapêutico, pois fala de nós mesmos (não de outros lugares) sem ser direto demais: aludindo a outros pelotenses, gente de outro tempo.
O pintor segue contando histórias, ao colocar numa só tela uma quantidade de subimagens que num livro fariam contraponto, flashbacks ou capítulos. Sempre se separam o mundo da terra e o âmbito celestial ou espiritual, onde também há ocorrências e processos em curso - santidade e maldade. Na terra, convivem em contraposição o mundo branco e o negro - outra metáfora da humanidade dividida.
Mercado Central (acima): não só um símbolo da Pelotas enriquecida pelas charqueadas, mas metáfora permanente do sentido comercial e material dos seres humanos.
Charqueada: outra representação de como a carne humana é maltratada, para gerar riqueza financeira. Esse dinheiro criará posteriormente desenvolvimento cultural, mas demorará muitos anos em retornar benefícios aos descendentes dos escravos.
Manoel há tempos que não é ingênuo, mas sabe recuperar - com a linguagem naïve - verdades profundas que estavam perdidas na memória ou trancadas no intelecto. Ao expressá-las simbolicamente, encontra pistas para o estudo da história pelotense e nos faz reflexionar sobre saídas para o nosso desenvolvimento.

4 comentários:

Orlando Novais disse...

Inacreditável que este seja o mesmo Manoel dos livros que conheço - assumidamente um escritor marginal. Surpreendente! A surpresa do ano. Jamais imaginei que ele pudesse pintar este gênero de pintura escrevendo o que escreve. Telas luminosas, cheias de paz, harmonia buscando, como bem disse o articulista, novas perspectivas para a nossa tão vilipendiada "Princesa". Se antes era fã de seu mundo sombrio (o da literatura) agora sou confesso admirador de seu universo colorido (o da pintura).

Anônimo disse...

Arte naïf em Pelotas? E invadindo um nicho que o academicismo se julga dono? Magalhães realmente é um artista corajoso. Mostrou isso na literatura e, agora, revela na pintura. Realmente tem vocação para incomodar "instituições".
Sandra Herning

Anônimo disse...

Um lindo (e promissor) trabalho. E corajoso também - como dizem acima. Não conheço sua literatura, mas, a julgar pelo que estão escrevendo, até que pode ser interessante.

Francisco Antônio Vidal disse...

Vejam neste blog o post de 26 de maio sobre o novo trabalho integrador de Magalhães.