quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Debate de filme na Sigmund Freud

Alunos do curso T.T.P.A.P. da Sociedade Sigmund Freud organizaram hoje um debate psicológico em torno ao filme italiano "O quarto do filho" (La stanza del figlio, de Nanni Moretti, 2001). A atividade foi facilitada pelo psicanalista Jorge Velasco (esq.) e ocupou a reunião científica desta quarta-feira, integrando arte e psicologia, ensino e aprendizagem, ciência e vida.

A turma de primeiro ano do curso de especialização Teoria e Técnica Psicanalítica Aplicadas à Psicoterapia é a mais numerosa em muitos anos e tem-se mostrado bastante ativa, como se viu na discussão desta noite, conduzida por Velasco. O professor convidado, estudioso da teoria freudiana e winnicottiana, aproveitou de relembrar conceitos como ideal do ego, compulsão à repetição e depressão narcísica, todos bem apreciáveis no conteúdo da história.

O filme, de 90 min de duração, foi visto por uma dezena de pessoas e debatido logo após, por mais uma hora e 20 min. O relato está centrado no personagem do psicanalista, cujo filho morre por acidente, justo no dia em que ele foi atender um paciente fora da cidade. O episódio mostra a pobre comunicação entre pai e filho, chegando a despertar no protagonista um forte sentimento de culpa.

Na discussão, falou-se de um suicídio por ato falho, relacionado com o forte superego e narcisismo paterno, que poderia ter estimulado uma autopunição no filho. Este havia feito um pequeno furto na escola, o que podia interpretar-se como uma expressão da distância com o pai, segundo Winnicott analisa os delitos de crianças e adolescentes.

O filme comentado também serve para observar procedimentos técnicos da terapia, como os tipos de psicopatologia, aspectos da aliança, da transferência e contratransferência, escolha e rejeição de um paciente ou modos de interrupção do tratamento.

A intenção dos organizadores é fazer este tipo de atividade de modo mensal, pois já na primeira vez se observou um bom efeito, tanto na aprendizagem como no agrado do encontro.
Fotos de F. A. Vidal

Símbolos e signos ensacolados

Nesta segunda quinzena de setembro, Laura Bender Silvestri trouxe à Galeria de Arte da UCPel doze sacolas de tecido pintadas em tinta acrílica com 8 identificações zodiacais e 4 de cursos universitários.

A artista denominou sua amostra "Símbolos e signos", investindo não simplesmente no sentido utilitário dos objetos mas também na segmentação emocional de seus clientes. Quem se sente bem com certa profissão ou área de estudo, comprará as bolsas que mostrem o símbolo apreciado. Quem se identifica bem como aquariano ou canceriano quererá mostrar em público esse rótulo.

Laura é estudante universitária, tem 23 anos e já fez cursos de pintura com Carmem Garres, Mara Sicca e Clarisse Magalhães.

Parece ser esta sua primeira exposição individual, feita com traços de suavidade, com formas graciosas e com sentido comercial, mas é escasso em quantidade o trabalho que se vê e ainda pouca a criatividade desenvolvida, tanto no conteúdo temático como no conceito artístico.
Fotos de F. A. Vidal

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Pelotenses visitaram a FLIP

A Escola Mário Quintana é em Pelotas um foco de dinamismo e criatividade. Dentro do trabalho cotidiano, a organização cresce e mantém a qualidade intelectual e afetivo-social do serviço educativo entregue à comunidade.

Uma das exclusividades da Escola é o Projeto de Leitura desenvolvido pelas professoras Alline Bettin, Thaís Rochefort, Deborah Kaé e Aline Neuschrank (da esq. à dir.). Em agosto passado, elas foram à FLIP (Festa Literária Internacional de Parati) e de lá trouxeram contatos com escritores e várias ideias que motivarão a leitura em seus alunos do ensino fundamental.

Na terça 18 de agosto, recém começado o segundo semestre, elas me receberam na sala de professores para falar de sua experiência em Parati e com o Projeto de Leitura, que explicarei melhor em próxima postagem. Desta entrevista também saiu a informação que já publiquei sobre o blogue de Alline (veja o post).

A FLIP é o evento literário mais emblemático e inspirador que conhecemos pela mídia de alcance nacional - mesmo sendo pequeno e de recente criação. Maior e mais antiga é a Jornada Literária de Passo Fundo, valorizada basicamente pela imprensa gaúcha.

A visita à FLIP foi sonhada pelas professoras desde 2008 e teve o comprometido apoio do diretor Carlos Valério. De Parati elas chegaram com entusiasmo dobrado para continuar inovando no ensino da leitura.

Elas já foram convidadas a seguir ampliando seu trabalho de 4ª a 8ª série - por exemplo, numa eventual participação na Feira do Livro de Pelotas - mas sua concentração está totalmente dedicada, pelo momento, a este projeto dentro da Escola.

Um de seus contatos em Parati foi com o escritor carioca membro da Academia Brasileira de Letras Carlos Heitor Cony (esq.). Na sexta 3 de julho, ele foi uma das atrações da Flipinha, o evento literário para crianças que se realiza paralelamente aos debates "adultos" na Tenda dos Autores da FLIP.

Na Flipinha, os encontros com autores de literatura infanto-juvenil se alternam com apresentações musicais e teatrais dos alunos das escolas de Parati.

As professoras contam que é emocionante ver nas ruas escritores famosos e poder falar com eles como vizinhos conversando na calçada.

Outro divertido encontro deste quarteto feminino pelotense foi com o quarteto do quadrinismo no Brasil. Na quinta-feira 2 de julho, um dos debates na FLIP era sobre comics, e os convidados eram os desenhistas Rafael Coutinho, Rafael Grampá e os irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon (leia a notícia).

Na foto aparecem Aline e Deborah e, entre elas, Rafael Grampá, quadrinista pelotense que com elas faz o "P" de Pelotas (dir.).

A arte e a literatura fazem com que se misturem e se confundam o trabalho, a diversão e a amizade. Por isso eu já dizia, no primeiro post da seção Inspirações, que a FLIP era uma referência para este blogue.
Fotos de F. A. Vidal (1) e Deborah Kaé (2-4)

Luzes e sombras no velho Mercado

Esta semana o Mercado iniciou as obras de reforma interna e ficará fechado ao público até novembro ou dezembro de 2010. Em outras épocas, ali compravam-se frutas, hortaliças e carne, mas ultimamente a maioria dos locais eram sapatarias, que espalhavam seus produtos pelo caminho dos passantes.
Antes desse fechamento, fotografei o aspecto sombrio que podia ser visto por quem entrava pela Quinze de Novembro (ou praça Sete de Julho). Todo o comércio já havia saído, menos as lancherias.
Uma das lojas fechadas era a Fauna & Flora (na foto acima, do lado direito, com jeito de ruínas abandonadas).
Mais de perto, podia-se ver que sua vitrine (esq. e dir.) conservava um aquário, único signo de luz, vida e cores naquela imagem apocalíptica.
Fotos de F. A. Vidal

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Concult quer evitar que Secult vire departamento

Pelotas ainda pertence aos 4,2% das cidades brasileiras que têm uma secretaria municipal exclusiva para administrar a política cultural, segundo estatística de 2006 feita pelo IBGE (veja o post).

Não obstante, o prefeito Fetter (esq.) - que, assumindo em janeiro passado, mantém até hoje o Secretário de Cultura do mandato anterior - anunciou há poucos dias uma reforma geral que enxugará o organograma da Prefeitura. Ele pediu um parecer externo e os especialistas sugeriram extinguir umas 9 secretarias, entre elas a de Cultura, a ser aglutinada com Educação.

O blogue Amigos de Pelotas divulgou hoje à tarde esta informação proveniente do Conselho Municipal de Cultura (veja os comentários):

O Conselho Municipal de Cultura de Pelotas (ConCult), em reunião realizada na tarde desta segunda (28), decidiu mobilizar a comunidade pelotense ante a ameaça de extinção da Secretaria de Cultura (Secult), na reforma administrativa que a prefeitura pretende submeter à apreciação da Câmara de Vereadores.

O presidente do Concult, José Henrique Pires (dir.), declarou ontem:
- Os conselheiros decidiram envolver toda a comunidade cultural na mobilização pela garantia da existência da Secult, que não pode ser extinta de maneira alguma. Deve ser reforçada orçamentariamente, com sua atuação corrigida, eventualmente; jamais reduzida à condição de segundo escalão numa cidade como Pelotas.

Os Conselheiros - representantes da UFPel, Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas, Central Única das Favelas, 2ª Região tradicionalista, Academia Sul-Brasileira de Letras e Câmara de Vereadores [sem esquecer o Instituto Simões Lopes Neto, representado por Pires] - também deliberaram pelo encaminhamento da realização da Conferência Municipal de Cultura, em outubro, conforme indicações do Ministério da Cultura.


O Conselho de Cultura é uma entidade participativa, criada pela Constituição de 1988, que ainda não funciona em 90% dos municípios brasileiros. Em Pelotas, o Concult tem reuniões periódicas, mas o Secretário (esq.) não costuma assistir.

Sobre as conferências municipais, o Ministério da Cultura apoia sua realização somente quando o prefeito a convoca. As câmaras de vereadores também podem convocá-las, mas nesses casos o MinC não contribui financeiramente. O prazo para que os prefeitos as convoquem vence esta quarta (30). O que dirá Fetter este ano?

Se as políticas culturais em Pelotas passassem a ser administradas por uma secretaria mista (como é o caso de 72% das cidades do Brasil), não se notaria muito a diferença, pois o que importa é que as autoridades valorizem a área. De fato, municípios como Jaguarão cuidam bem de sua cultura mediante uma Secretaria de Cultura e Turismo.

Se aqui ressurgisse a pasta de Educação e Cultura, muitos atores culturais o teriam como um retrocesso, mas é preciso ver além das aparências: os objetivos do prefeito eleito não são imediatistas nem populistas; simplesmente apontam ao enxugamento gerencial. Em outras palavras, ele não percebe o fator Cultura tão conectado ao prazer estético ou sentimental (emocionar-se com a beleza da arte), mas bastante mais ao turismo e ao desenvolvimento econômico (conceber projetos autossustentáveis e obter recursos para que a vida cultural gere crescimento).

A comunidade artística parece estar se impacientando com todas essas medidas, e poderá perder de vista que o mais importante não é a cadeira do gerente municipal, mas sua idoneidade e seu entrosamento e entendimento com a comunidade.
Fotos: F.A. Vidal (1-2) e Câmara (3)

domingo, 27 de setembro de 2009

Instituto Leda Bacci nasce à vida social

O Instituto Leda Bacci para o Desenvolvimento (ILBD) foi apresentado solenemente à sociedade pelotense, esta segunda-feira (21), com a presença de cerca de uma centena de convidados. O momento era esperado desde dezembro de 2008, quando esta iniciativa foi lançada pelo advogado pelotense Reginaldo Bacci Acunha (veja a nota).

A cerimônia lotou o 2º andar do antigo Quartel Farroupilha, hoje restaurado, onde agora se situa o salão de eventos Auditorium, com entrada pela Félix da Cunha 603. O trânsito também estava fechado pelo lado da Praça Osório, onde a Banda do Colégio Municipal Pelotense fazia evoluções e animava o encontro (abaixo).

Estavam presentes a maioria dos diretores e conselheiros do ILBD, autoridades municipais de Pelotas e Rio Grande, um representante da UFPel, dirigentes sociais e imprensa. Alguns dos conselheiros são profissionais que moram longe de Pelotas, ou que moraram fora e hoje estão de volta. A ausência de dois deles se devia precisamente a compromissos inadiáveis fora do país.

Após ser cantado o Hino Nacional, o locutor Artur Rocha apresentou o Presidente Reginaldo Bacci, que falou dos objetivos do Instituto e dos primeiros projetos que estão sendo trabalhados: o Curso em Gestão de Projetos, em parceria com a UFPel, e o site que naquele momento foi lançado na internet (abaixo esq.).

Logo após, Reginaldo apresentou 14 membros presentes da Diretoria e dos Conselhos Fiscal e Consultivo (à direita). Também anunciou para outubro o lançamento do Prêmio Drª Leda Bacci para o Desenvolvimento, destinado aos melhores planos de negócios nas áreas de informática, biotecnologia, agronegócios, indústria, educação e cultura.

A diretoria do Colégio Pelotense homenageou de surpresa o ex-aluno Reginaldo com um presente especial.

Abrindo-o na frente de todos, o gato-pelado deparou-se com seu próprio histórico escolar, e logo, tentando controlar a forte emoção, ele recordou como todos seus pensamentos e valores se formaram no educandário.

Se Pelotas não tivesse um colégio público de boa qualidade, ele e muitos outros não teriam podido avançar e crescer na vida, para hoje devolverem a Pelotas parte de seu esforço profissional em prol do desenvolvimento.

A banda do Gato Pelado fechou a parte mais formal da noite, executando o Hino do Rio Grande do Sul.

O ILBD valoriza o chamado Terceiro Setor como um segmento importante da sociedade que requer apoio e capacitação para fomentar o desenvolvimento; para isto serão planejados cursos e fóruns, de modo a movimentar as iniciativas que fazem parte do crescimento econômico e cultural, não só de Pelotas como de toda a zona sudeste do Estado. Quem saiu de Pelotas e recorda suas origens hoje não está mais se lamentando da falta de progresso, mas sim trabalhando com seus conhecimentos e motivações para construir uma nova realidade.

O Primeiro Setor é o governo, que maneja todas as estruturas do Estado; o Segundo Setor é o da iniciativa privada, dentro do mercado capitalista. No contexto moderno, aparece um novo setor jurídico-social, formado por organizações não governamentais nem lucrativas, que geram serviços de caráter público (leia artigo). Dentro do Terceiro Setor, a Wikipédia relaciona: as Organizações Não Governamentais (ONGs), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), as entidades filantrópicas e as organizações sem fins lucrativos.
Fotos de F. A. Vidal

sábado, 26 de setembro de 2009

O Carnaval de 1895 em Pelotas

Éverton Lessa é estudante de História, ator e bailarino. Pesquisa sobre o carnaval pelotense e acaba de criar um blogue, chamado Um Capítulo à Parte.

Éverton participa do Projeto Unidos pelo Samba, uma iniciativa para recuperar as tradições carnavalescas em nossa cidade, integrando entidades de Porto Alegre, Pelotas e cidades vizinhas. Ele escreveu o seguinte texto, emitido pela assessoria de imprensa do projeto, o qual já está sendo posto em prática.

Inícios do confete e da serpentina em Pelotas
Saber o que era e o que é o carnaval é fundamental para os futuros passos da comunidade carnavalesca. Associá-lo somente a decadência é uma questão cultural...

Crescemos ouvindo que esta festa não é mais o apogeu de antigamente, mas o carnaval deste século XXI de maneira alguma pode ser comparado a folias passadas, uma vez que a cidade como um todo assumiu novas características. Um dos objetivos da união das escolas de Pelotas é buscar informações de carnavais passados, para, desta forma, ir encontrando os primeiros passos para a consolidação do seu memorial.
Os últimos carnavais que antecederam o ano 1895 enfrentavam uma forte decadência. O principal motivo para esta fase negativa da festa está ligado aos recursos financeiros. A ausência dos carros de ideias, hoje conhecidos como carros alegóricos, comprova esta teoria. Cabe ressaltar, que, nessa época, o carnaval ainda não era festejado como o atual. Apesar das dificuldades serem praticamente as mesmas.

Mas, independente dos altos e baixos da festa do Momo, o espírito carnavalesco sempre esteve presente nas ruas, nos prédios e no âmago dos pelotenses. Aprendemos com o tempo a driblar os empecilhos que vão surgindo no caminho.

A chegada do confete e da serpentina no carnaval de 1895 é um exemplo. Os comerciantes vão ganhar uma participação mais ativa na folia com as vendas desses novos artigos, trarão um novo ânimo para a festa. Esse ano foi uma das primeiras vezes que as ruas e lojas da cidade foram decoradas para receber a festa do Momo. A casa Colombo foi um dos estabelecimentos que apostou na divulgação e na venda de confetes e serpentinas. Mais tarde a venda destes produtos será motivo de disputas entre os comerciantes locais, que utilizarão os meios de comunicação para acirrar e garantir a venda em maior quantidade.

A Praça Regeneração (atual Praça Coronel Pedro Osório), durante a tarde e a noite de 26 de fevereiro de 1895, recebeu várias famílias de alto poder aquisitivo elevado. Algumas se aproximaram a pé e outras de carro, e todas eram saudadas por alegres rapazes com confetes e serpentinas. Os senhores saudavam a passagem das senhoras com esse precioso jogo, que era uma das últimas novidades em Paris [veja as pesquisas do paulista Luis Cézar e a de Laura Macedo sobre os primeiros corsos].

Essa batalha entre cavalheiros e damas – ora de confetes e serpentina, ora de pétalas de flores – ia em alguns momentos além da brincadeira: servia também como forma de cortejar e de conquistar um futuro relacionamento amoroso. Com o tempo, o jogo foi adquirindo características peculiares de conversação, e as cores do confeite ganham poder de comunicação, ou seja, atirar confete em uma pessoa podia significar uma clara mensagem.


Era um novo carnaval, em uma velha Pelotas.
Fotos da web (corsos no início do século XX)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Meu Brasil é Pelotas, um país insular

Aleksander Aguilar (dir.) nasceu em Pelotas, é jornalista, licenciado em Letras e mestre em Estudos Internacionais pela Universidade de Barcelona. Atualmente vive em Londres e de lá escreveu Meu Brasil é Pelotas, artigo que o Diário Popular publicou há 10 dias.

Não é o seu primeiro texto neste jornal (ele começou em setembro de 2008, com O jornalismo e a moral de Ratatouille). Seu estilo é do tipo "crítico francoatirador" e se apresenta agora como uma coluna quinzenal - a próxima seria neste domingo (27).

Neste novo artigo, Aguilar fala da pobre visão de mundo dos pelotenses, mesmo daqueles que se informam todo dia pela internet. Começa citando o clássico estereótipo dos ingleses. São eles tão fleumáticos como se conta? Responde o pelotense:

Nem todos os britânicos são aristocráticos, nem todos os pelotenses são metidos. O que nos falta é perspectiva e ela é imprescindível para que possamos traçar paralelos que na famosa relação com "o outro", definidora da própria identidade, esses olhares que intercambiamos superem o estereótipo, reconheçam limites, valorizem a experiência, apreciem a opinião, catalisem a crítica.

A miopia
A falta de perspectiva não é simplesmente uma condição optada ou conspirada, mas também uma miopia involuntária, resultado do jogo de possibilidades de acesso. Se Paris [esq.] é para Pelotas [dir.] o centro de um suposto mundo de tradições, é porque esse foi o acesso de um recorte da Cidade Luz permitido a um certo tipo de pelotenses de uma época, reforçando estereótipos.

A imagem que temos da Europa é aquilo que achamos que sabemos da Europa segundo o jogo de importações de estereótipos, segundo nossas leituras mais ou menos críticas, e até conforme - para os mais prósperos - nossas impressões de turistas depois de uma viagem de férias.

E esse jogo de ideias generalistas é de mão dupla, entre os de lá e os de cá. [...]

Como explicar para um pelotense sem perspectiva que ser [Pelotas] uma cidade supostamente tão úmida quanto Londres, mas sem infraestrutura, não significa nada mais que passar muito frio... que morar na Europa não é estar em um hotel com vinhos e lareiras (as lareiras são proibidas em Londres há anos)... que os famosos ônibus vermelhos na hora do rush são mais superlotados que os da antiga empresa que fazia a linha para o Laranjal?

O narcisismo

A própria noção do suposto traço pelotense típico, da vaidade e arrogância - merecidamente criticado na cidade pelas vozes que se levantam em favor da "Pelotas moderna" - está muitas vezes fundamentando a ideia de que o "pelotino" segue aferrado a essas imagens distorcidas e cheias de clichê do mundo ao qual quer comparar-se.

Entretanto, a esse grupo do apelo ao moderno, que acertadamente quer importar clichês, tampouco lhe importa olhar para mais além da Lagoa dos Patos com abertura ao diálogo, pois acha que já conhece suficientemente o mundo através da internet.

Quando porventura alcança esse olhar, tende a reproduzir novos clichês - diferentes dos do passado da Belle Époque, mas ainda assim clichês - defendendo a construção de shopping centers, ignorando expressões culturais das periferias, depreciando demandas de movimentos sociais.

Aguilar define o "pelotino" como o pelotense que nasceu em berço de ouro, pretensioso, conservador, deslumbrado e muitas vezes, sem admitir, economicamente falido. O conceito está no blogue Amigos de Pelotas, que assim batizou um fictício colunista social, aristocrata decadente, com a intenção de satirizar a vaidade de um segmento dos pelotenses.

O articulista termina com uma resposta à pergunta do começo, sobre a fama dos ingleses:
― Sim, há muita gente fleumática na Inglaterra, mas em Pelotas poderia haver tanta quanto lá.
E um bom leitor de sutilezas poderia substituir "fleumática" por "sem perspectiva", e "Inglaterra" por "Pelotas" - e vice-versa. Há egocêntricos aqui, mas lá também.

O leitor Jorge Viana comentou o seguinte no site do Diário:
Parece-me que o que melhor ilustra Pelotas e suas contradições é o Mercado Municipal. Isto, Pelotas é a cara do Mercado Municipal. É uma pretensa obra de arte no seu exterior, como os prédios de Paris (por que não? não temos uma caixa d'água importada da Suíça e chafarizes da França?) e ao mesmo tempo é uma favela no seu interior (como qualquer grande favela de qualquer grande cidade do mundo). Assim é a alma do pelotino/pelotense. No mais, em Pelotas se ficar parado mofa.

Dêiticos é o blogue em que Aguilar veicula seus textos, mas que ainda não reproduziu o artigo acima.
Ele tem o "Pelotas, Capital Cultural" na lista de seus 25 blogues favoritos.
Imagens da web, F.A.Vidal (ônibus na D.Pedro II) e Gustavo Vara (vista aérea)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O dia em que o Sete de Abril virou Estacionamento


No primeiro semestre de 2008, a produtora pelotense Moviola Filmes lançou o curta-metragem "Estacionamento", um documentário poético/reflexivo sobre as salas de cinema de calçada que fecharam suas portas na cidade.

Aqui no blogue falei dessa apresentação (veja o post) e comecei a seguir a trilha, sugerida por esse filme, dos cerca de 30 cinemas que já existiram na cidade, nos últimos cem anos. Até agora já reporteei o antigo Capitólio, o antigo Pelotense e o ainda existente Cine Art.


O filme foi lançado no projeto Sete Imagens, no dia 24 de julho de 2008. Às 18h 30min daquela quinta-feira - o dia em que o Sete de Abril virou estacionamento -, a sala ficou lotada e o público estacionado para assistir a uma triste história, sem ação, sem protagonistas, sem início nem fim, e que parecia anunciar a morte de todos os filmes.

É inevitável lembrar The last picture show ("A Última Sessão de Cinema", 1971), filme de Peter Bogdanovich em que "Estacionamento" parece inspirar-se, tanto na forma de filmar como na realidade descrita (veja uma crítica).

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mantenham a esperança, diz o Mercado

Esta tarde às 17h, as lojas internas do Mercado ainda estavam sendo desfeitas, para a mudança provisória de um ano e meio enquanto o prédio passa por uma nova reforma. As lancherias ainda funcionavam, mas as galerias em geral estavam semiabandonadas, dando ao ambiente um aspecto de destruição.
Saindo da penumbra das galerias, situei-me no pátio sudeste, que permite olhar para a torre da Tiradentes com Quinze de Novembro, e tomei estes dois registros (clique para ampliar), cuja luminosidade infunde uma forte esperança de tempos melhores. O próprio Mercado parece dizer-nos que não percamos o otimismo.
Com certeza estas cores e formas devem ter sido vistas pelos pelotenses há um século, nos tempos de riqueza, e possivelmente sejam vistas no futuro, quando novas gerações permitirão reconstruir uma sociedade com valores mais positivos.
Fotos de F. A. Vidal

Corredor Arte, 9 anos unindo arte e saúde

Ângela Vargas, Ana Lúcia Brod, Helena Schwonke e Artur Leão (acima) são a atual equipe da agência Completa Comunicação, que entre outros projetos publicitários administra o Corredor Arte, a galeria de arte do Hospital da UFPel.

Foi em setembro de 2000 que o Departamento de Comunicação do Hospital e o Instituto de Letras e Artes conceberam o Corredor Arte, como parte do projeto Arte e Saúde do ILA. Sua base teórica e prática estava no valor terapêutico da arte, já estudado pela ciência, e que outros hospitais de Pelotas mais tarde também utilizariam.

Nestes anos, todas as pessoas mudaram, o ILA mudou de nome para Instituto de Artes e Design, o Departamento de Comunicação foi redefinido pela Universidade (passando a funcionar como agência de comunicação) e o próprio IAD abandonou o projeto, deixando-o nas mãos do Hospital. Mas o Corredor Arte continua de pé, com agenda lotada todo o ano, alternando trabalhos de artistas plásticos iniciantes ou renomados, de alunos de arte, de oficinas de CAPS e até mesmo das crianças internadas na pediatria do Hospital.

O que há 9 anos foi visto como uma ousadia - integrar a saúde mental e a socialização da arte - já é reconhecido como parte do dia-a-dia do Hospital, por funcionários, pacientes e visitantes. Além do aspecto terapêutico, outros objetivos são alcançados: a arte é popularizada em suas diversas expressões, os nomes dos artistas são conhecidos pelo público e algumas obras são vendidas ao público ou doadas ao Hospital (por ex., o Cristo à direita e a Virgem abaixo).

Uma das vantagens específicas de uma galeria de arte num corredor de hospital é que ela pode ser vista por pessoas que normalmente não iriam a um museu e se veem gratamente surpreendidas pela arte. Outra vantagem é que as obras estão expostas manhã, tarde e noite, sem custos adicionais de manutenção, todos os dias do ano. Os artistas buscam este espaço para expor, sabendo de suas características especiais, e trazem sempre obras inéditas, criadas especialmente para serem expostas aqui.

Bem no dia deste 9º aniversário (18-09-09), numa feliz conjunção de noves, abria coincidentemente a mostra nº 200. Cada uma dessas séries esteve exposta em ciclos quinzenais. Avaliando esse tempo como muito breve para o ritmo do Hospital, a coordenadora, Ana Lúcia, decidiu prolongá-lo para 21 dias. Desde dezembro próximo, o público terá mais uma semana para apreciar as obras, os artistas para divulgá-las ou vendê-las, e a montagem será feita com mais calma.

A mostra nº 100 abriu em 16 de setembro de 2005, com obras do MAPP (Movimento dos Artistas Plásticos de Pelotas), que em junho desse ano também completara 5 anos.

Na ocasião, o professor de arte José Pellegrin fez uma reflexão sobre a essência do Corredor Arte. Situado numa passagem ou "não-lugar", o projeto desfaz o conceito do que seja um "lugar para a arte". Por outro lado, a tensão que o artista sente ao criar reencontra-se com o sofrimento do espectador que passa. Essa conjunção de lugar e passagem, de tensão e resolução, contribuem ao efeito especial deste projeto.

Sobre a terapia pela arte, a psicóloga Nina Rosa Paixão salienta que o Corredor abre um ambiente propício à recuperação da saúde. Significando a internação hospitalar uma crise pessoal para o paciente, às vezes com uma doença grave e afastado de sua vida normal, assim também os acompanhantes e visitantes vivenciam essa situação de angústia, ante do sofrimento de algum ente querido. Segundo a psicóloga, quanto mais humanizado e acolhedor o ambiente, mais facilmente se restabelecerá a saúde da pessoa internada e a tranquilidade de seus familiares.

Numa enquete de opinião sobre o Corredor Arte, uma paciente de quimioterapia relatou: “Eu paro na frente de um quadro, entro nele e me esqueço de todas as dores, das impossibilidades, é como se eu fosse pra outro mundo. Eu vou pra outro mundo".

Outra paciente da Clínica Médica disse que neste espaço ela sentia uma descontração até para “deixar as limitações de lado por alguns instantes".

Um privilégio do Corredor é ser feito num Hospital que conta com um departamento próprio de comunicação. Isto se constitui num luxo, pois permite consolidar a mística e a sensibilidade que envolvem este espaço. A estagiária de Comunicação, Helena, elabora relatórios periódicos para a imprensa, com dados do artista e imagens das obras, num trabalho que só é comparável, em Pelotas, à Galeria de Arte da UCPel.

O texto abaixo é de Ana Lúcia, a coordenadora há seis anos, e foi publicado dia 19 no Diário Popular (site e jornal).

A arte não para no Hospital Escola
Dia de trocar a exposição: um artista chega para buscar as obras que habitaram por 15 dias este hospital. Outro artista traz o produto de seu trabalho, com grande expectativa. Na portaria, é um entra-e-sai de cores e formas, tão diferentes e únicas quanto são os seres humanos.

Para a montagem da exposição, buscamos equilibrar as obras por temas, por cores, por dimensão, em um espaço que é de passagem para pacientes, acompanhantes, trabalhadores da saúde, estudantes e visitantes.

Mas o que seria somente um corredor de passagem dos sentimentos que mais se fazem presentes neste ambiente - como angústia, tristeza, dor, medo - passa a ser, com a arte, um corredor de alegria, de vibração, de esperança, de vida.

É quase impossível transitar pelo corredor sem deter o olhar, nem que seja, por ínfimos segundos, em um quadro ali exposto. Nesse instante, até mesmo de forma inconsciente, a mente viaja, descansa e muda o foco.

Com o Corredor Arte se estabelece uma relação em que todos ganham:
O artista, além de um espaço para mostrar sua obra, e até mesmo comercializá-la, exerce um papel social, ao contribuir de forma significativa para a melhoria do ambiente de um hospital totalmente destinado ao SUS.
O público - que muitas vezes não tem oportunidade de entrar em contato com manifestações artísticas em outros locais - pode sempre apreciar pinturas, desenhos, fotografias, gravuras, entre outras.
E, finalmente, o Hospital Escola, que em sintonia com o que preconiza a Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde - há nove anos, completados neste 18 de setembro - transforma um corredor de entrada, através da arte, em um espaço de idéias, percepções e emoções.

Ana Lucia Treptow Brod
Coord. de Comunicação do Hospital Escola UFPel/FAU
Imagens: Corredor Arte (1 e 8) e F. A. Vidal (2-7)

Gatunos cuidadores

Muitas casas têm a proteção de alarme contra roubos, mas poucas têm além disso cuidadores animais, que servem de vigias e testemunhas contra gatunos humanos. Neste casarão da Lobo da Costa, os felinos habitantes parecem adornos durante o dia, e à noite sua negritude e leveza é totalmente inofensiva.
Foto de F. A. Vidal

domingo, 20 de setembro de 2009

Pinturas reflexivas perdem para a estridência

De 21 de agosto a 22 de setembro, o restaurante João 100 Gilberto está expondo uma dúzia de quadros do Grupo de Pintura de Olga Reis. Além da professora, as artistas que participam são: Odette Teixeira, Eva Miozzo, Vani Almeida, Lydia da Silva e Clara Macedo.

As telas são pintadas em tinta acrílica, com motivos abstratos e figurativos, e se encontram à venda por preços entre 150 e 350 reais (contato com o Ateliê Zilah Costa).

Odette Teixeira se refere à cidade uruguaia de Colônia do Sacramento (esq.), não muito conhecida pelos pelotenses.

Situada no lado mais ocidental do Uruguai, defronte a Buenos Aires, Colônia é bem mais antiga que Pelotas, tendo sido fundada por portugueses. Seus descendentes, expulsos dali em fins do século XVIII, vieram dar justamente na nossa zona e estão entre os primeiros habitantes da Freguesia de São Francisco de Paula.

A relação histórica entre as duas cidades pode iluminar - como o farol - algo de nossa situação afetiva atual e nossa tendência a olhar o passado, as heranças e as coisas antigas sem alegria nem liberdade. A arte permite sublimar parte dessa angústia, quando ela não é alta demais.

Olga Reis reflete sobre a interioridade da mulher com suas Três Marias (detalhe, esq.), da série Rostos e Rastos. Os traços de pureza física e espiritual aludem diretamente à Maria bíblica, enquanto o elemento moderno do batom parece atualizá-la, tanto no aspecto visual como no simbólico.

Por outro lado, a relação implícita com a trindade devolve a reflexão ao terreno religioso, sugerindo que o lado feminino de Deus também se manifesta no ser humano, em seus três aspectos.

Estas reflexões não se fazem durante a refeição ou no meio dos shows, e mesmo às 18h, quando de minha visita para as fotos, se viram interrompidas pelo ensaio do grupo musical daquela noite e pela colocação de duas caixas de som por cima de alguns quadros (dir.).

Só pelo tamanho delas se pode imaginar o volume da música e a violenta incongruência entre esta última e a delicadeza da pintura. Mesmo que as caixas tivessem permitido a visão, a estridência já não deixava pensar direito. No desequilíbrio entre reflexão e percussão, predominou esta última.
Fotos de F. A. Vidal

Barracão que canta

Edu DaMatta é um músico daqui mesmo, mas parece universal, por seu estilo alternativo underground, uma espécie de jazz-fusão atualizado. Ele fez a música "Carnaval na Babilônia", que deu nome a um CD virtual gravado em 2002, em Pelotas (veja a notícia). Uma das outras 10 músicas do disco é "Barracão", dedicada à zona das Doquinhas do São Gonçalo.

O velho samba de seresta "Barracão de zinco", de Luiz Antônio e Oldemar Magalhães, recebeu roupagem nova (veja abaixo a letra na ordem original). "Tu és" foi adaptado ao uso popular nosso: "tu é". Parece agora feita para este lugar e esta gente, igualmente pendurada na vida e pedindo socorro, aos pés da cidade das tradições.

A mensagem que fica nesta versão é a do sorriso, da alegria e do carinho que ainda brotam da alma de quem tem seu barracão. O contraste entre ser pobretão e viver como rico sugere a possibilidade oposta de ter dinheiro no banco e viver infeliz.
Foto de F. A. Vidal
Ai barracão, pendurado no morro
e pedindo socorro,
a cidade a teus pés.


Ai barracão, tua voz eu escuto,
não te esqueço um minuto
porque sei que tu és

Barracão de zinco, tradição do meu país,
Barracão de zinco, pobretão infeliz.



sábado, 19 de setembro de 2009

Telhas servem para a arte e como terapia

Normalmente, as telhas de cerâmica somente têm a função de cobrir casas. Para Nely Affonso Rodeghiero, elas se transformam num suporte para ideias, sentimentos e tudo o que a criatividade permitir. A artista expôs no Corredor Arte do Hospital da UFPel/FAU até 16 de setembro último.
As mesmas telhas que poderiam servir na construção passam a ser meios para a terapia de quem pinta e, posteriormente, de quem observa os novos objetos de arte.
Primeiramente o alaranjado típico das telhas é substituído pelo branco, e este serve de pano de fundo para as pinceladas de tinta acrílica que trarão figuras e formas de ambientes urbanos e rurais - o que em Pelotas não falta.
A forma alongada das telhas facilita a associação com paisagens. Mas também há telhas mais quadradas, que dão mais liberdade à imaginação.
A telha não é o único material atípico usado por Nely. Pedras, vidros, espelhos, caixas, disco de vinil e até caixas de pizza são utilizados pela artista para compor seu trabalho. E ela produz com rapidez, como artesã entusiasta e disciplinada. Para esta exposição, ela trouxe 34 telhas pintadas, que encheram logo as paredes disponíveis.
Como elas estavam à venda por somente 15 reais, muitas pessoas que gostavam das obras do Corredor - mas não podiam adquiri-las, pelos preços em geral altos - começaram a se interessar rapidamente. A artista, desejosa de colaborar e de seguir produzindo, permitiu que as vendas fossem feitas de imediato e trouxe mais e mais telhas pintadas. Após as duas semanas da exposição, ela já havia produzido 64 pinturas com este mesmo conceito.
Nely começou a pintar há dez anos, ao ficar viúva. A dor e a tristeza com a perda do companheiro foram aos poucos sendo contornadas pela arte. Hoje, aos 77 anos, ela conta que o que a motiva a seguir pintando é, simplesmente, estar viva: “Através da arte juntam-se linhas, formas, cores para ocupar espaços, embelezar, embalar e enriquecer nosso espírito”.
Pelotense com orgulho, nesta ocasião a pintora atua como assumida divulgadora dos pontos turísticos da cidade. “Temos que prestigiar e valorizar nossa cultura”, comenta.
Imagens: Corredor Arte