segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Os livros como objetos de amor e de arte

A artista plástica Adriane Hernandez, professora de Artes Visuais da UFPel, preparou uma exposição de seus alunos, em parceria com o Instituto João Simões Lopes Neto. Os estudantes deviam elaborar criações não tradicionais em torno ao livro - como conceito e como objeto - e à casa do escritor.

Em visita ao Instituto, as ideias apareceram e foram feitos os projetos de acordo aos lugares da casa. Assim, a exposição "A casa, as estantes e os livros", com pouco mais de uma dúzia de surpreendentes trabalhos, foi aberta na quinta 22 de julho, e se prolongou até 30 de julho. Aqui vou me referir a metade deles.

O "Chocolivro" de Etiene Rosa foi devorado pelos visitantes da inauguração, aos pedacinhos, pois tinha páginas de chocolate. Nos dias restantes, só ficou a capa para contar a sua história.
"Sobre escritores e vinhos" (acima) despertou muitas associações entre os livros e as garrafas. Garrafões e garrafas contendo páginas escritas, colocados em estantes, lembravam uma adega de mensagens conservadas no tempo (quanto mais idade, mais sabor), ou uma biblioteca de náufragos.

Dê Duarte pensou "O livro como um corpo sedutor" (dir.), transpondo o texto a uma forma humanoide. A sedução estaria nas curvas, ou em certas zonas erógenas, ou na sugestão indireta de uma alma feminina. A palavra corpo foi aqui literal demais, pela eliminação de cabeça e membros.

Duas bíblias de bolso, cravadas com pregos de 20 cm, pareciam gritar que a Palavra de Deus fora crucificada ("Rompendo paradigmas", de Douglas Veiga). Os livros ficaram inutilizados, como uma pessoa condenada à morte por imobilidade. Seria possível uma ressuscitação, uma reutilização após a pena ser levantada?

Um livro-espelho, intitulado "Leia Você" (esq.), ficou aberto na altura dos olhos, em posição de refletir mutuamente suas páginas e de enviar reflexos ao espectador de si mesmo. Alessandra BB nos recordava, sem sutilezas, que a leitura tem a função do autoconhecimento.

O nome da obra também jogava - como um espelho - com a regência do verbo (sinônimo de "palavra"). Se lido como intransitivo, "você" seria sujeito. Sendo "ler" transitivo, "você" seria objeto direto. Em ambos casos, fosse sujeito ou objeto, o leitor leria a si mesmo. O livro também poderia chamar-se "Reflita você".

"Luz e sombra" (dir.), o impressionante livro-janela de Karen Campos, foi construído com papel paraná, craft, celofane e lâminas de retroprojetor. O tamanho da obra, adaptado à realidade física da casa, também dizia que ser escritor (ou encadernador) envolve bastante trabalho, na concepção e na confecção. Pequenos nos sentimos ante certos livros.
O livro com forma e funções de janela, além de ser parte da casa de um escritor, permite olhar o mundo lá fora, iluminar o interior, trocar de ar e escrever nos vidros.
As várias folhas podiam ser folheadas e lidas sem dificuldade, e em cada uma havia mensagens epigramáticas como esta (do poeta português Arlindo Mota):
Quem controla o desejo: a emoção ou a ternura?
- A paleta, responde o pintor.
- A palavra, atalha o poeta. Juntos, distribuem a luz que inunda de cor o planeta.
Fotos de F. A. Vidal

Um comentário:

Adriane Hernandez disse...

Vidal
Muito boa essa matéria. Conforme Baudelaire: "Para ser justa, para ter razão de ser, a crítica deve ser parcial, apaixonada, política, isto é, feita de um ponto de vista que abra mais horizontes." Creio que vc teve sensibilidade para isso. Parabéns!
Adriane Hernandez