quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Vi o Dr. Mozart bravo!

O cronista Rubens Amador evoca um conflito que viveu na condição de empregador, no verão de 1958. O caso foi julgado pelo Dr. Mozart Victor Russomano (1922-2010), fundador da Justiça do Trabalho em nossa cidade (leia currículo).

O episódio foi recordado por Amador quando o admirável jurista pelotense recebia o sétimo doutorado Honoris Causa (leia notícia), em 2005.

Na época dos acontecimentos narrados, a Junta de Conciliação e Julgamento (hoje, 1ª Vara do Trabalho de Pelotas) funcionava - recorda o articulista - na Félix da Cunha esquina Sete de Setembro (dir.).

Foi esse o lugar da "brabeza" do juiz.


Em trinta e cinco anos que fui comerciante estabelecido, fui levado à Justiça do Trabalho uma única vez. O motivo da coluna de hoje me veio à memória por ocasião de mais esta justa homenagem que a PUC-RS concedeu ao Ministro Mozart Victor Russomano. Preito mais do que merecido para um homem bom e culto.

Tinha eu um empregado — já havia quase 7 anos — que, pretendendo receber uma indenização, agiu de forma grosseira. Certa manhã, atendia eu a dois clientes. Um deles era João Doumid, excelente criatura, hoje falecida. O outro era um cidadão meio áspero, considerado opiniático, embora bom sujeito. Pois naquele momento o aludido empregado veio pegar o serviço, atrasado uma hora. Passou por nós, que estávamos na recepção, a ninguém cumprimentou, e foi dirigindo-se à oficina. Interpelei-o:

— Sr. Fulano, o fato de não cumprimentar ninguém é caso de educação. Mas o senhor me deve uma explicação por que chega atrasado.

Ele foi curto e grosso na resposta que, entendia, se encaixava nos seus propósitos:

— Se o senhor quer que eu venha na hora, dê as voltas que tenho que dar!

Olhei para os clientes e perguntei-lhes:

— Os senhores ouviram?

Ambos assentiram com a cabeça e, então, voltei-me para o empregado e disse-lhe que juntasse suas coisas, se retirasse, e que estava despedido por sua resposta insólita. Ele o fez. Dias depois, recebi uma intimação da Justiça do Trabalho. Era meu advogado e grande amigo, o Dr. Rubens de Oliveira Martins.

Quando chego ao tribunal, vejo que o Juiz seria o Dr. Mozart Victor Russomano, com quem nunca havia falado, mas que já o admirava. Estava impecavelmente vestido; ele seria o mediador da pendência (o fato já deve ter-se perdido no escaninho de suas lembranças), o que muito me agradou, pois conhecia de sua capacidade. Sua figura me impressionava muito por sua cultura impar, por todos reconhecida. Acompanhavam-me, minhas testemunhas.

Estávamos na frente do Tribunal à espera de sermos chamados, quando o Enedino Tavares (ex-player do Grêmio Esportivo Brasil, nos anos 40), que era, penso, o meirinho da Junta, chega-se até nós e convida aos atestantes a passarem para a “sala das testemunhas”. João Doumid prontamente acatou o convite enquanto o outro, com soberba, respondeu ao oficial que não entraria, e que iria ficar ali na porta. Tavares, que era afável, delicadamente insistiu, dizendo-lhe ser aquilo praxe processual, e que cumpria ordens do Juiz. A testemunha manteve-se rígida:

— Ficarei aqui na porta, não entro!

O oficial então comunicou o fato ao Dr. Mozart. Quando olho, vinha com fisionomia contraída, passo apressado, o Dr. Mozart, então uma figura jovem e elegante como ainda hoje o é, e me assustei; porque a testemunha era minha e a reconhecia em erro.

— O senhor é obrigado a obedecer a ritualística processual. Posso mandar conduzi-lo, sob vara, até a dependência indicada. Mas não vou fazê-lo, bem assim como vou dispensá-lo de testemunhar. Queira retirar-se.

Tudo pronunciado com notória severidade, o que fez com que o homem se encolhesse, creio que envergonhado, ante a reação do Juiz, Dr. Mozart Victor Russomano. Neófito nessas questões trabalhistas, pensei logo: "Estou ferrado, logo com a minha testemunha...” Desenvolveu-se a sessão. Veio a deliberação: tive ganho de causa por três a zero! O que equivalia dizer que além do Meritíssimo, votaram a favor de minhas razões, os dois vogais: o dos empregados e o dos empregadores. Não deixou dúvidas.

Desde aquela distante época, daquele incidente provinciano, sou admirador deste homem de qualidades hoje reconhecidas universalmente. Recondidamente, confesso que o admiro, sobre tudo por me ter feito Justiça um dia.

Rubens Amador

Após a publicação desta crônica (em 3-11-2005), o autor recebeu do Dr. Mozart este bilhete:

12.XI.2005
Prezado amigo,
Muito obrigado pelo seu amável artigo no "Diário". Confesso que o fato estava por mim esquecido, sob os escolhos de meus 38 anos de magistratura! Mas o conto ficou pitoresco e espero que minha "brabeza" para com sua testemunha tenha sido discreta e transitória... Abraço cordial de Mozart Victor Russomano
Fotos: F. A. Vidal (1) e RBS (2)

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