segunda-feira, 14 de março de 2011

Confusão moral: crimes sem castigo

A página policial geralmente revela o lado oculto dos cidadãos. Nas horas e lugares mais escuros, aparecem as atitudes mais desprezíveis e insociáveis, que se alguém denunciar e registrar aparecerá depois nos noticiários.

Junto aos relatos de crimes, aparecem também as reações da sociedade e, implicitamente, algumas causas ou fatores detonantes da violência humana. Nessas reportagens, desenham-se as personalidades mais perigosas e as das vítimas, sendo que, pelo menos potencialmente, os dois tipos se encaixam na estrutura de cada um de nós, violentos e violentados, dependendo do ponto de vista.

Na edição impressa de hoje (14), o Diário Popular informa, em poucas linhas, tudo o que se precisaria dizer sobre a degradação moral da nossa sociedade: cidadãos pegaram um ladrão em flagrante, que foi levado pela polícia e, após ser ouvido, recebeu o perdão à moda hebraica ortodoxa (mediante pagamento de oferenda).

O perdão é divino e nele não há erro; haverá talvez engano nos passos anteriores? Seria errado andar com celular na rua, ou pensar que os mais pobres devam sobreviver à base de bens alheios?

Tudo indica que em nossa sociedade o roubo não seja um delito, pois o pagamento de fiança libera o infrator de qualquer outra pena. As testemunhas — possivelmente amigas ou parentes da pessoa roubada — é que exageraram na perseguição e quiseram que o "ladrão" (expressão politicamente incorreta, como várias outras usadas pelo repórter) fosse vítima de repressão moralista, em vez de ser compreendido e reabilitado.

Agora sem ironia: As mesmas atitudes incorretas se repetem na educação, na política e até nas relações amorosas, fazendo-nos vilões e vítimas de nós mesmos e das pessoas que amamos e queremos proteger.

Um comentário:

FRANCISCO CARLOS COUTO DE MORAES disse...

No Brasil, há a cultura da "esperteza", significando, na verdade, desonestidade, e, paralelamente, da impunidade. "71" - corruptela do artigo 171 do Código Penal, o do estelionato - é usado, especialmente em alguns lugares, como o Rio de Janeiro, como um adjetivo elogioso, sinônimo, exatamente, de "esperto", no mais alto grau. A liberação de alguém sob fiança, nos casos previstos em lei, não é ilegal (como diria Wittgenstein, todo argumento de boa forma lógica é, em última análise, uma redundância), mas é interessante levantar o assunto, do ponto de vista do que se pode chamar de sociologia da moral (vide MAX WEBER).