quarta-feira, 16 de março de 2011

Um cronista define seu gênero

Há um ano, o cronista pelotense Rubens Amador passou a colaborar neste blogue, escrevendo em diversos formatos literários breves (conto, reportagem, crônica, ensaio curto), como já fazia há quatro décadas na imprensa local. Há dois meses, ele mostrou sua versatilidade escrevendo também no gênero dos epigramas, no cabeçalho deste blogue. Hoje ele mostra seu lado poético ao definir sua própria identificação com o caráter passageiro da crônica literária.

De Heterogeneidade
Um dia destes, prezado amigo me disse, face a face, que o meu trabalho é uma colcha de retalhos, heterogêneo. Ora, nada mais certo poderia dizer! Não sou um romancista, novelista ou historiador. Apenas bolino assuntos, por variados que sejam; desde que tragam em seu bojo algo curioso, escandaloso, por demais belo, ou até mesmo triste. Sou um provinciano cronista, apenas! Nada mais do que isto: meu estro conseguiu transformar em frases perenes o que penso sobre determinados temas.

Um cronista jamais alcançará a culminância de um escritor como Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez ou Jorge Luis Borges. São muito poucos os autores de croniquetas que atingem às culminâncias do Olympo literário, com suas garatujices sem profundidade ou peso. Jamais expendem uma temática, uma história, ou uma novela. Limitam-se às próprias limitações. Ou alcançam breve admiração calcados, em verdade, nos feitos ou escritos de outros, mais bem dotados. Comentam sobre, apenas, mas o mote lhes foi dado, nada criaram.

Contam-se nos dedos os livros de crônicas de sucesso permanente. Elas todas fenecem como as flores. Podem ser exuberantes em determinado momento para logo caírem na vala comum das coisas sem importância.

Assim considero meus trabalhos de quase quarenta anos, escrevendo crônicas, pequenos contos e parlapatices. Sempre aparecem amigos queridos que indagam:

— Por que não escreves um livro com tuas crônicas?

E eu indefectivelmente lhes respondo:

— Minhas crônicas têm a efemeridade de uma edição.

Gosto, assim, que elas morram, que sejam como coriscos que riscam o céu — vez por outra com certa luz — mas que, no seu descenso, se tornam cinzas. Para mim, basta aquele risco vertiginoso, às vezes com alguma luz, riscando a imaginação dos que me lêem, mas com a certeza de que o rápido percurso iluminado logo logo se apagará.

Por vezes parece até que permito que a vaidade me assalte: é quando alguém – e já tem acontecido – me pede, pessoalmente ou por telefone, uma cópia de determinada coisa que escrevi. Este é, confesso, o único momento mágico que me encanta às vezes, dentre as coisas simples e sem nenhuma profundidade que escrevo, e que pessoas amáveis tentam retardar a transformação de meus modestos escritos, naquela cinza de que falei, quando meus minúsculos meteoritos se inflamam por breves momentos.

Sei que, quem não me conhece bem, pensa que estão diante de um vaidoso hipócrita. Mas o que fazer se sobre o pensamento não prevalecem os mais fortes ferrolhos?


Imagens da web (Manacá, de Tarsila do Amaral)

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