sábado, 25 de agosto de 2012

A Rosa (conto)

Nosso cronista Rubens Amador traz um conto romântico, ambientado na década de 1940. Numa época altamente dramática, as relações virtuais — que hoje imaginamos que não existissem por falta de tecnologia — se revestiam de heroísmo e emoção, mediante cartas em papel, que demoravam mais que os atuais emails. A dificuldade para sair do virtual para o real era basicamente a mesma.

Durante a última Grande Guerra (1939-1945) era muito comum a correspondência epistolar entre moças que ficavam na pátria e soldados que lutavam no front — qualquer coisa como esses clubes de epistolografia de certas revistas.

Os correspondentes não se conheciam. Era uma forma de levar algo ameno, lúdico, e de estabelecer uma ponte entre a dura realidade das frentes de combate e a placidez da vida que o soldado deixara para trás. Dessas correspondências, muitos casos de amor epistolar apenas se esfumaram, enquanto outros se realizaram, depois de meses e até de anos.

Certo experiente e antigo militar, Capitão da Armada Britânica, servindo na Itália, e posteriormente na Alemanha, mantinha um já longo relacionamento epistolar com uma moça inglesa, que ficara na pátria. De início combinaram que jamais trocariam fotos enquanto durasse o conflito. Ambos estavam interessados apenas nos espíritos mútuos. Tudo correria por conta da imaginação deles. E estabeleceram um pacto: se aquela guerra terrível terminasse bem para ambos, então marcariam um encontro para finalmente se conhecerem.

Quatro anos durou aquela correspondência, que se tornara extremamente amorosa. Balsâmica, para o provecto militar que ansiava pela chegada do correio, a cada distribuição de correspondência no front. A moça, de muito preparo intelectual, culta, escrevia alentadoras e encorajadoras missivas, cheias de afeto e carinho, que muito ajudavam ao oficial enfrentar as duras adversidades a que estava submetido.

Deu-se o inevitável: ambos se apaixonaram, um... pelo espírito do outro! “Perdidamente”, diziam na troca de afagos epistolares.

Finalmente chegou aquele dia glorioso para a história da humanidade: foi o 8 de maio de 1945! A guerra terminara.

Ronald, o nosso herói, agora promovido, denotando pronunciadas cãs, recebe, dias depois, ainda a bordo, uma carta de sua correspondente, em quem sempre vivia pensando, principalmente nos últimos dias. Vinha de Tricia — este era seu nome, Patrícia — que lhe recordava aquele encontro marcado antes do fim da guerra.

Ela o estaria esperando em 16 de outubro daquele ano, no aeroporto, quando seguraria na mão direita uma rosa vermelha. Se por ventura ele, do meio da multidão, sentisse que seu tipo físico não correspondia às suas fantasias, que ele seguisse o seu destino e tudo acabaria ali, sem maiores implicações.

Ronald vibrou com a excelente idéia. Algo lhe dizia que ela seria a formosa moça que haveria de corresponder aos seus anseios amorosos, como já acontecia com os seus espíritos.

No dia 16 de outubro de 1945, pela manhã, o aeroporto de Londres fervilhava de gente — que chegava, sobretudo. Eram soldados e oficiais que começavam a ser desmobilizados e a voltar para casa. Dentre eles, descia, cabeça erguida na escada do possante avião militar, o grisalho Ronald, procurando localizar a mulher que ele idealizara durante quatro anos, e cujo espírito ele conhecia tão bem, a ponto de ter aprendido a amá-lo.

Sobre um pórtico, próximo a um restaurante de mesas ao ar livre, lá está uma mulher com uma rosa na mão direita. Ronald não demorou em localizá-la a uns dez metros de distância. Tratava-se de uma mulher comum, simples, sapatos baixos, óculos tartaruga, de quem um casacão modesto escondia um corpo de singelas formas.

O oficial amparou-se na parede, olhando fixamente àquela mulher que ele imaginara bela fisicamente, mas que sabia ter um espírito maravilhoso, generoso e bom. Mal podia esconder a sua frustração. Mesmo assim, resolveu caminhar até ela e falar-lhe. Afinal, aquela afeição não poderia terminar assim tão prosaicamente, num anonimato, depois de tudo que marcara tão fundo sua alma. E foi ao seu encontro.

Frente a frente com aquela mulher por quem ainda, apesar de tudo, sentia muita ternura, disse-lhe, estendendo sua mão direita:

— Tricia, eu sou Ronald!

A mulher, sempre ostentando aquela rosa vermelha e bonita em sua mão junto ao peito, olhar perdido, como se nada entendesse, respondeu-lhe:

— Aquela moça lá — apontando para uma mesa do café, na calçada fronteira — deu-me uma libra, para que eu ficasse segurando esta rosa vermelha aqui. E disse-me que se um homem a mim se apresentasse, eu poderia ir-me. Adeus.

Ronald voltou-se para onde uma linda mulher, elegantemente vestida, sorrindo, vinha ao seu encontro.
James Stewart (Hawkins)
Foto de Mohamad Itani
Desenho de Tony Duce

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