sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Gambás em campanha (conto)

Nesta campanha eleitoral, o cronista Rubens Amador traz um novo conto alusivo à baixa consciência política do brasileiro. Há dois anos publicou neste blogue a história de outro candidato fictício: Opção pela Vida. O convite implícito é a optar, nas urnas, pelos candidatos mais conscientes de seu papel e mais ciosos do bem comum.

A turma da caipirinha no bar do Evaristo estava em “sessão de trabalho”. É que Dimas Ross, filho de inglês com brasileira, era candidato a vereador.

Havia sido escolhido pelo Partido XPTO, não tanto por suas qualidades cívicas, mas por sua capacidade oratória — quando sóbrio. Dimas Ross era o que se chama de “bom de gogó”, e a cúpula do partido logo imaginou engrossar sua bancada com aquele “potencial de boa conversa”, como dizia o presidente da agremiação partidária.

Lá estava o staff eleitoral de Dimas: o Juca era carteiro e entregaria os santinhos junto com a correspondência; o Celestino, haltero-copista (levantador de copos), meio jornalista, conhecido como “Pulitzer de bares e assemelhados”, ficaria com a divulgação.

Em compensação, tinha o Jeremias, o intelectual do grupo, e ainda o Almeida, que, por desenhar razoavelmente bem, seria o homem das faixas e pichações.

A reunião ia animada e a caipirinha corria solta naquela mesa de políticos improvisados. Nisto entram em pauta o retrato e o slogan do candidato!

— Para mim a foto tem que ser tirada de baixo para cima, a fim de sugerir imponência e autoridade — opinou o carteiro.

— Pois eu penso exatamente o contrário — falou Jeremias, sem a menor cerimônia. — Deve ser de cima para baixo, para enfatizar a pouca altura do Dimas! Isso vai mobilizar o instinto maternal do mulherio. Ele será como que “adotado” pelo eleitorado feminino em geral, e em particular pelas mães solteiras — filosofou.

Dimas apenas balançava a cabeça, como dizendo: “Pode ser”... Etilicamente anulado, ficava caladão quando as octanagens subiam.

— Peço a palavra! — atalhou o Celestino, balançando, pois as inúmeras caipirinhas já haviam produzido efeito. — Su-gi-ro... disse, com certa dificuldade devido àquele “g” no meio da palavra. — Su-gi-ro”... repetiu, lábios em forma de bico — que a foto seja com gravata. Isso dá identidade com a classe média. E melhor ainda se botarmos no candidato um casaco maior, e sem passar a ferro.

— E o que vocês acham de uma foto dele com os braços abertos, sugerindo um grande amplexo? — foi a ideia do Almeida, enquanto Dimas Ross, os olhos apequenados pelos vapores etílicos, balançava a cabeça, ora concordando, ora não.

— Não, vão conotar logo nosso candidato com um dos ladrões do Calvário —fulminou o Celestino. E se traindo no jogo de palavras: — Um deles também era Dimas!

Foi então que surgiu o consenso: a fotografia seria de cima para baixo, “lembrando grandes decisões”, como aventou o Juca, “sério, que a situação nacional não se presta a sorrisos”, como dissera o Almeida, “e casaco surrado e largo, identificando-se com a classe média”, por sugestão do Celestino.

— Agora passemos à divisa, que essa é imprescindível, pois sumariza toda uma existência num raciocínio breve e positivo, onde os defeitos são varridos para baixo do tapete — disse com convicção o Jeremias, mais pra lá do que pra cá. — Que tal esta?: Dimas Ross, o candidato pequeno mas que irá resolver nossos grandes problemas!

A frase era um grosseiro pastiche da publicidade das Pílulas Ross, que ficaram famosas desde os primeiros comerciais do rádio, nos anos 40. Eram pequeninas como um sagu mas resolviam com eficiência meteorismos, dispepsia e prisão de ventre.

A esta altura, o candidato dormia a sono solto. E se o item "fotografia" tinha sido meio controverso, chegara-se logo-logo a uma unanimidade na questão do slogan.

— Aprovado! — balbuciaram todos. Que qualquer conjunto de palavras mais extenso já estava se tornando difícil. Dimas despertara mas seguia longe dali, batia palmas, olhar vazio. Levantaram-se; Vicente amparado pelo Juca e o Almeida.

— Ao fotógrafo! E depois à tipografia!

Dois ou três da turma arriscaram, braços erguidos para o alto:

— Dimas Ross! Dimas Ross! Dimas Ross! — Mas ninguém no bar acompanhou aquele entusiasmo repentino. Gritaram quase em coro para seu Evaristo: — Debita! Depois a gente acerta! — e saíram, nada bem das pernas.

Quando o grupo saiu, seu Evaristo piscou o olho para o freguês da mesa 4, e comentou sobre aquele candidato de terceira categoria, aclamado pelos gambás:

— A divisa apropriada para o baixinho deveria ser: Vote em Dimas Ross e puxe a descarga! — e ainda completou:

Para o bem da cidade e do Brasil! — e ambos caíram na gargalhada.

Dimas perdeu feio a eleição, o que foi mais uma desculpa para nova carraspana no bar do seu Evaristo. Tudo na base do “debita”!
Rubens Amador


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