sábado, 3 de novembro de 2012

O Bilhete (IV)

O cronista Rubens Amador publicou na imprensa pelotense, há exatamente 33 anos, o conto "O Bilhete", que agora este blogue reedita na forma de um folhetim em capítulos diários. 

A série tem 12 capítulos e terminará no domingo 11, com postagens saindo à luz cada dia às 10h. Acompanhe hoje a quarta parte da sequência

Se perdeu o capítulo de ontem, leia aqui.

IV Madame Marie

Procurando encontrar uma maneira de resolver aquele autêntico quebra-cabeça, lembrou-se da sua velha professora de francês dos tempos de Ginásio, que sabia viver em Vassouras, Estado do Rio. Embora tivesse sido um mais do que medíocre estudante de francês – aliás, nunca tivera inclinação para idiomas – guardava uma agradável recordação da velha mestra que era por demais bondosa.

Ela lhe haveria de dizer o que continha aquele frustrante bilhete. Sim, logo que aterrasse no Rio, ele se dirigiria até a casa de Madame Marie, este era seu nome.

E assim foi feito. Tão pronto consumou-se seu regresso ao Brasil, tomou o trem a Vassouras e dirigiu-se à residência da ex-professora.

Cordialmente recebido pela velha senhora, contou-lhe tudo por que passara em Paris em relação àquele bilhete, com riqueza de detalhes.

Apanhando-lhe as mãos, respeitosamente, quase suplicou:

— Madame Marie, agora que sabe de todas as circunstâncias a que estive submetido, ao lhe passar ao bilhete para que o traduza, agora que sabe toda a história, ainda que nele contenha alguma imoralidade, ofensa, maldição – o que for – prometa-me que não fará como os outros! Prometa-me!

Com expressão maternal, sua velha professora tranquilizou-o:

— Seja o que for que contenha o bilhete, meu filho, traduzirei. Prometo pelas cinzas de meu falecido filho que nada deves temer.

Completamente ciente de que finalmente satisfaria sua curiosidade, pela qual pagara tão alto preço, levou a mão direita ao bolso interno de seu casaco. Remexeu-o nervosamente. Procurou-o no outro bolso interno, no colete, nos bolsos da calça, no bolsinho da camisa, até que – desolado – deu-se conta de que no trajeto perdera o bilhete.

A velha mestra de francês apoiou-se nas bengalas canadenses que usava nos últimos anos, devido a uma artrite renitente, e ajudou-o a procurar o bilhete tão anunciado e que sumira, desconcertando seu antigo aluno por completo e exacerbando em sua pessoa a natural curiosidade feminina, depois daquele preâmbulo cheio de suspense.

— Não pode ser, Madame. No trem ainda eu o estive olhando e procurando entender algumas palavras de seu texto. Depois guardei-o aqui — mostrando o bolso interno do casaco — tenho certeza!

Sua decepção era tanta que seus olhos estavam úmidos, diria, pela suprema frustração daquela perda.

— Acalme-se. Sente-se — falou maternalmente Madame Marie, no seu inconfundível sotaque francês.

Ele se deixou cair pesadamente numa cadeira bergère a seu lado, frente à interlocutora, olhar fixo nalgum ponto, como a fazer uma minuciosa retrospectiva de todos os momentos desde que embarcara, na Central do Brasil, com destino a Vassouras.

Devagarinho voltou a falar:

— Um dia desses, temendo perder o maldito bilhete, no verso dele escrevi meu nome e endereço, bem claros, com o seguinte aviso: se alguém o achasse, em caso de perda, que o devolvesse no endereço, por ser de grande valor para seu dono, e que eu gratificaria. Mas não faço fé que me devolvam por este meio.

Estabeleceu-se um profundo silêncio na sala, pesadamente antiga, cujos tapetes desbotados mostravam ainda os formosos desenhos que ostentara outrora. Havia livros por toda parte, descuidadamente empilhados sobre móveis e até mesmo no chão, pelos cantos.

Continua amanhã (parte V). 
Imagens da web

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