segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O Bilhete (VI)

O cronista Rubens Amador escreveu em 1979 um conto longo, que agora este blogue reedita na forma de um folhetim em 12 capítulos. 

A série terminará no próximo domingo 11, e as postagens saem cada dia às 10h da manhã. Acompanhe hoje a sexta parte do conto "O Bilhete". 

Se perdeu o capítulo de ontem, leia aqui.


VI  A carta da esperança

Ele levantou-se e beijou a face enrugada da velha professora. Ela sugeriu:

— Enquanto eu redijo a carta para o Sr. Giuseppe, você vai à Central tentar localizar o bilhete. Que acha?

"L'Arlésienne" (Van Gogh, 1888)
O eufórico homem respondeu, enquanto levantava-se rápido:

— É para já, Madame. Adieu.

Seriam 18 horas e 30 minutos. Fazia exatamente cinco horas que estivera no trem. Apanhou um táxi e ordenou ao chauffeur: “Central do Brasil!”

Cinquenta minutos mais tarde, a carta que Madame Marie escrevera estava até já devidamente assinada. No envelope se lia:

Para Monsieur Giuseppe (?) (nosso herói desconhecia seu sobrenome)
Maitre do Hotel Lafayette
Avenue des Champs-Élysées, 2579.
Paris. France


Seu extenso texto dizia, na íntegra:

Rio de Janeiro, 26 de maio de 1940
Caro Senhor:
Há cerca de trinta dias, esteve hospedado no excelente hotel que o senhor chefia, aí em Paris, um sobrinho meu, brasileiro, o qual viveu uma desagradável experiência ao dar-lhe um bilhete-carta, que recebera de uma bonita jovem, para que o traduzisse para ele.
Como deverá estar lembrado, o senhor prontamente se colocou às ordens de meu sobrinho para efetuar a tradução da referida mensagem. Porém, ao se inteirar de seu texto, o senhor tornou-se inamistoso, por certo motivado pelo conteúdo da mensagem, já que o posso imaginar um homem cordial e educado, qualidades inerentes de um profissional como o senhor; mas sobretudo de um latino, filho da Velha Itália.
Meu sobrinho, traumatizado com tudo que passou por causa dos dizeres daquela carta (quando for a Paris, brevemente, poderei contar-lhe de viva voz), se encontra hoje sob rigoroso tratamento psiquiátrico.
Acontece que ele perdeu a carta referida ao trazê-la para que eu a traduzisse, pois sou francesa de nascimento, de Bretanha, onde nasci há 28 anos.
Seu médico assistente está certo de que se soubermos o que dizia aquela carta talvez possa ele chegar a uma conclusão sobre o quadro neurótico depressivo que domina meu sobrinho e que entristece a toda a família.
Em meu nome pessoal, bem como dos pais de meu parente, rogo-lhe que me escreva dando-me detalhes dos dizeres daquela maldita correspondência.
Esperando encontrá-lo em breve para conhecê-lo e agradecer-lhe pessoalmente por sua gentileza, antecipadamente grata,
Marie-Anne Darrieux.
Continua amanhã (parte VII). 
Imagem: Wikipédia

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