domingo, 31 de março de 2013

Paixão e pipoca no Cine Esmeralda (1954-1973)

As paredes do velho cinema seguem de pé há 60 anos, e seu salão ainda recebe variado público.

Minha paixão pelo cinema vem de longe, do tempo em que eu era ambulante. Sim, ambulante. Eu vendia pipoca e amendoim torrado na entrada do Cine Esmeralda, no bairro Areal. O prédio foi transformado, para variar, em supermercado e, depois, em igreja evangélica.

Apesar do nome, o cinema não brilhava como brilham as esmeraldas. A cintilação era reservada às histórias que se passavam na tela, às quais não tinha como resistir.
O cheiro de pipoca era parte do clima.
Cerca de uma hora antes da matiné eu já estava à entrada do cinema, com meu tabuleiro carregado de saquinhos de pipoca e amendoim, cheirosos ainda, pois recém haviam sido feitos. A gurizada aos poucos ia chegando para a tradicional troca de gibis, e, claro, para ficarem minutos intermináveis à frente dos cartazes, onde os astros se mostravam exageradamente.

Olha o amendoim, olha a pipoca!, eu cantava, atraindo a gurizada, que caçava níqueis nos fundos dos bolsos para comprar uma coisa ou outra. De quando em quando eu pegava um amendoim, pescava uma ou outra pipoca, certificando-me da qualidade do meu produto.

A gurizada ia chegando, uns a sós, outros acercados de suas namoradinhas, ou candidatas, peitos inflados, achando-se os próprios heróis que apareceriam na telona logo, logo. Achavam-se Gordon Scott na pele de Maciste, ou Steve Reeves no papel de Hércules. Tal desejo singrava o universo dos olhos, cujo brilho tinha o propósito de cegar as garotas. Não sabíamos se tal sortilégio ocorria, mas tentávamos.

O fisicoculturista virou herói da época.
Olha o amendoim, olha a pipoca! 

A cantilena ganhava o ar na tentativa de seduzir a molecada, voando como moscas tontas na frente do cinema, seduzidos pela magia que emanava do velho Esmeralda, frequentado também por legiões de pulgas. Não sabíamos se eram os romanos, os sanguinários mexicanos ou as temíveis Siphonaptera que faziam o maior estrago.
Meu desejo era de que o tabuleiro estivesse vazio quando a sessão começasse. Queria negociar, sim, mas minha intenção – tão grande quanto a de ganhar dinheiro – era poder sentar-me nas cadeiras duras do Esmeralda e abrir o mais que pudesse os olhos, deixando-me invadir pela magia do cinema.

A plateia, minutos antes de o espetáculo começar, era ruidosa. Do lado de fora eu a ouvia explodir, sobretudo o atrito dos pés da garotada no assoalho do cinema. Meu coração àquela hora explodia de angústia, pois sabia que estava prestes a fazer algo que jurara não fazer: abandonar o tabuleiro e correr em direção à plateia, unindo-me à horda de barulhentos moleques.

Não tinha jeito. Nem bem o filme começara eu disparava em direção à gerência do cinema e, cheio de afobação, entrava na pequena salinha e dizia ao gerente:

– Vou deixar meu tabuleiro aqui, seu Ernesto. O filme vai começar!

E corria para a sala escura, onde a gurizada, eletrificada, deixava vazar o mel do contentamento através dos olhos. O espetáculo havia começado. E seria muito bom se jamais terminasse.

Manoel Soares Magalhães

O Cine Esmeralda tinha 600 lugares, e tomou seu nome da Rua Esmeralda, hoje Conselheiro Silveira Martins. Ficava na Avenida Domingos de Almeida 880 (hoje, nº 2114), a meio caminho entre o Parque da Baronesa e o Instituto de Menores. Abriu em 1954 e fechou na década de 1970.
Acompanhe abaixo o filme completo "Os últimos dias de Pompeia" (1959), com Steve Reeves, legendado (1h37min), ou clique no título para ver Sua arma era o Colt (exibido no Brasil em 1968 como "Reze a Deus e cave sua sepultura"), com Robert Woods, dublado (1h20min). Ambas produções italianas em cores, provavelmente exibidas no Esmeralda.


Fotos da web (2, 3) e F. A. Vidal (1)
Texto: Cultive Ler

sexta-feira, 29 de março de 2013

Dia do Romualdo, 99 anos dos causos


Nesta segunda (1), o Instituto João Simões Lopes Neto promove a 4ª edição do Dia do Romualdo. A celebração do livro "Casos do Romualdo" se inspirou no popular Dia da Mentira, o 1º de abril, pois as histórias relatadas têm muito de fantástico. Em 2012, a festa foi no Parque da Baronesa, com mateada e leitura dos contos. Este ano as lorotas terão uma apresentação teatral no centro da cidade e divulgação radial.
Para ouvir um pouco das histórias do Romualdo, basta sintonizar as rádios Federal FM 107,9 e RádioCom 104,9. Trechos do conto "Três Cobras" serão inseridos na programação ao longo do dia. A partir das 16h, a Cia. Cem Caras de Teatro (do IF-Sul) interpretará o conto “A Figueira” em frente ao Café Aquários.
Mário Mattos leu as histórias na 3ª edição, na Baronesa
Os Casos do Romualdo foram por primeira vez publicados em 1914, em forma de folhetim (por capítulos), no jornal pelotense Correio Mercantil (1875-1915). Somente em 1952 vieram a ser reunidos num livro.

Portanto, o 5º Dia da Mentira, em 2014, celebrará o centenário da estreia dos contos.

Nos causos, o personagem Romualdo relata detalhadas histórias que causam risos e incredulidade no leitor: papagaio rezando missa, figueira que dá laranjas e figos...

Nesta criação, Simões se inspirou na pessoa de Romualdo de Abreu e Silva, engenheiro que viveu em Pelotas na época e tinha o costume de contar histórias muito imaginativas. O escritor pelotense costumava dar roupagem ficcional a episódios da história gaúcha, como em "Duelo de Farrapos". O João Cardoso foi também um personagem real que originou outro conto. Romualdo, entretanto, foi tomado como licença à fantasia, ao humor e aos delírios.
Fotos: IJSLN

quinta-feira, 28 de março de 2013

Quadros de Alayde Reck

"Meu mar", de Alayde Reck
O Corredor Arte está expondo 17 quadros em acrílica da pelotense Alayde Rodrigues Reck, a maioria dos quais se encontra à venda. É a segunda vez que a artista de 84 anos apresenta seu trabalho neste espaço, permanentemente aberto aos usuários e funcionários do Hospital Escola e ao público externo. A mostra segue até a segunda-feira 1 de abril, na Rua Professor Araújo 538.
Na década de 1960, após seu casamento, Alayde cursou estudos de pintura em porcelana em Cruz Alta (RS), no Rio de Janeiro, em Curitiba e em Joinville (SC). Ao retornar a Pelotas em 1967, passou a ensinar essa técnica de pintura na Escolinha de Artes da Praça Júlio de Castilhos, hoje Parque D. Antônio Zattera. Estas informações foram divulgadas pela agência organizadora do Corredor Arte.
"Casario", de Alayde Reck
Por três décadas, ela ministrou cursos em Pelotas e em cidades vizinhas, e mostrou seu trabalho também em outras regiões do país. Em 1999, a professora fechou seu ateliê e ingressou como aluna em cursos de pintura em tela. Passou a desenvolver as técnicas de aquarela, pintura a óleo e tinta acrílica.
Numa situação equivalente à de aposentada, ela prosseguiu sua atividade artística com finalidades adicionais à criação estética: a expressiva, para liberar emoções, e a profilática, para melhorar a qualidade de vida. Como a pintura representou para ela um sentido de vida, era inevitável a continuidade criativa para manter e desenvolver a saúde mental.
Em 2004 participou numa coletiva sob a orientação da professora Ana Magda Velloso da Silva (leia nota). Em 2005, expôs individualmente na Galeria Pampah (veja notícia), mostrando a evolução técnica: da porcelana aos quadros.
Hoje com 84 anos e excelente saúde, ela agradece pela recomendação de seu médico, que lhe aconselhou a continuidade na pintura. “Ele falou que eu não deveria parar, pois faz muito bem para mim. A arte é tudo para mim, é o que me dá forças para viver”.
Em cada imagem, Alayde obtém um efeito visual particular, conjugando a sensibilidade, as habilidades aprendidas e o pincel: por exemplo, em "Alameda" é a profundidade de um caminho que avança no meio da floresta (na foto abaixo, atrás da artista). Foi colocado estrategicamente num dos extremos do corredor, o que dá a ilusão de um prolongamento, ao modo de um espelho, como se o espectador pudesse continuar a caminhada.
Alayde Rodrigues Reck
"Meu mar" reconstitui o estrépito avassalador e o movimento meio caótico das ondas. Tons escuros sugerem que a umidade não traz boas lembranças, e a luminosidade se distribui de modo a assumir também um função expressiva. Se o chão não dá segurança alguma, o céu pode trazer relâmpagos e fantasmas.
"Casario" dá uma impressão contraposta a essa insegurança marinha: no silêncio cortado somente por uma suave brisa, a tarde de outono em terra firme mostra que nada de mau pode acontecer. Os caminhos levam para cima e as grandes casas protegem das tempestades e têm uns desvãos cálidos e convidativos.
Fotos: Corredor Arte

segunda-feira, 25 de março de 2013

Museu da Língua alberga vida

alma naquela janela

Museu da Língua é janela de diálogo.
Alma naquela
Almanaque
Alma naquela lá
Vanda ... lá
Lá ... Vanda
Eu disse que leste
No sul norte e oeste
Eu li ... Vanda eu li
Vanda li ismos
Van guarda ... passageiros de estradas
Extraídas ... está lá
Estala os lábios
Lá beijos
Lampejos

Almas naquelas janelas
Já ... nelas todas


tocas


Toque-as
Tocas qual instrumento ???
O corpo toca
A língua
Li ... ínguas na axila

Auxilia
Au au au ... faz o cão que ladra
Mas ela rouba meu coração ... ladra

Cor ... ação


De onde você é?
Sou “di Pelotas”
E tu, és donde?


Estação da Luz recebe trens desde 1867, contém estação do metrô paulistano desde 1975 e um museu desde 2006. 

A fala pontua nossa pátria e nossa localização geográfica. Ser gaúcho carrega um sotaque, uma linguagem, um dizer norteado por “maneirismos linguísticos”. Ser saudoso implica sentir saudade das palavras dos meus amigos e familiares. Quando ligo e ouço aquele “tchê” carregado de regionalismo, de “gauchismo”, me arrisco a dizer, sou transportado imediatamente ao meu berço cultural, ou seja, Pelotas.

Nas minhas andanças e pesquisas culturais acabei me deparando com a língua na Estação da Luz. Explico: estive no aniversário do Museu da Língua Portuguesa, que fez sete anos quarta-feira passada, dia 20 de março.

Bilhetes permitem viagens no tempo e no espaço.
Estou morando em São Paulo, a cidade com maior número de lusófonos do país, e nada mais propício do que compartilhar essa experiência com os leitores do Pelotas, Capital Cultural.

Cultura escrita em português, tal qual uma carta ou bilhete.

Cultura oral é transmitida através do idioma. Seja em blog, revista ou jornal, o idioma é composto, em essência, por palavras, e estas carregam valores e conceitos próprios e propícios.

Experienciar a imersão no nosso idioma foi um exercício fantástico, e sabidamente explorado no Museu da Língua Portuguesa. Ao sair daquele espaço multimidiático e interativo percebe-se a grandeza e a beleza da nossa fala/palavras/costumes, articulados e compostos por tantos pedaços de culturas diferentes agregadas ao longo dos séculos, no nosso IDIOMATERNO PORTUGUÊS.

Parafraseando Tom Jobim e Vinícius de Morais:
Eu sei que eu vou te amar, 
por toda a minha vida eu vou te amar, língua portuguesa ... por toda a minha vida.
Nathanael Anasttacio

domingo, 24 de março de 2013

Um poema visual com duas palavras


Defronte ao trapiche do Valverde, os plátanos orientais são testemunhas de situações românticas e até emprestam suas cascas para documentar compromissos de namorados. Deise e Jonatan deixaram seus nomes anotados para o mundo saber que estavam juntos, provavelmente há uns dois anos. Uma gota de esperança numa sociedade inundada de ódios e amarguras.
Alguns amores crescem como as árvores; outros se desvanecem à medida que os troncos se renovam. Será que esse casal ganhou a solidez da celulose, ou se desconfigurou como a areia lavada pelas ondas?  A imagem tomada hoje no Laranjal sugeria a existência de um desgaste da intimidade. A vida social segue seus caminhos lá fora, enquanto os sentimentos podem parar e ficar sentados, numa espera indefinida de dias melhores. O único que fica de pé, plantado firmemente no tempo, é a certeza daquele início.
Foto: F. A. Vidal

sábado, 23 de março de 2013

Madu Lopes é destaque no Piquenique

Manoel Eduardo Lopes de Oliveira, o artista plástico Madu Lopes
A Praça da Liberdade será uma galeria a céu aberto amanhã (24), quando receberá as obras de Madu Lopes durante o 18º Piquenique Cultural. As obras de Madu são, quase todas, representações femininas em formatos ovais, sendo produzidas em esculturas e pinturas, em diversos suportes e tamanhos (veja as citações a Madu neste blogue).

Colagem sobre papel, de Madu Lopes (2009)
Para suas esculturas, ele achou nos porongos o suporte ideal, barato, ovalado e de tamanho manuável. No sítio Viva o Charque, Madu é apresentado como artesão em porongos.
Nas pinturas, além das representações femininas, ele acrescenta formas e símbolos que para ele são significativos de seus gostos e momentos pessoais (v. matéria no blogue do Piquenique).
Em exposição no Corredor Arte em 2009, Madu apresentou uma inovação formal dentro de seu estilo conhecido: desenhos e colagens em papel (dir.). Por encomenda, ele criou em 2011 um mural de 14 metros para a concessionária de veículos UVEL, hoje desfeito por reforma do salão de vendas.
Veja outras imagens no blogue Estrelário de Madu Lopes, a Galeria de Madu no Flickr, mais as notas O estrelário de MaduDe Satolep para a Capital (de Lu Gastal) e Madu Lopes e suas porongas (do Ateliê da Nanda).
O 4B Ações Culturais e Artísticas publicou no mês passado uma reportagem sobre o artista e seu modo de criação (vídeo abaixo).

quinta-feira, 21 de março de 2013

Vá de chapéu e conte as velinhas

Sombreros são para dar sombra às cabeças... ou ao corpo.
Cláudia Braunstein vai celebrar seu aniversário hoje (21), às 21h, juntando as coisas que mais gosta de fazer: tocar piano, cantar e fazer cantar. Será um show temático com jeito de festa, e uma festa com cara de show - uma dupla fórmula pouco usada mas que dá certo.

Desta vez, a novidade será que os convidados virão de chapéu. Ninguém precisará cantar nem dançar, só mostrar sua melhor parte: a cabeça. O que não impede que dance e cante.

A música não ficará por menos e terá os clássicos de todas as épocas na voz de Cláudia, com o violonista Marco Antônio Alves (Pelé) e Beto Alfaiate nos vocais e surdo. Todos bem enchapelados. O trio também terá um momento instrumental com tangos de tirar o chapéu.
Local: Matinho Parrilla, Av. Espírito Santo 2933, Laranjal. Reserve a mesa (3278.1181) e venha de chapéu (mas não só de chapéu). Couvert R$ 5.
A música mais típica para usar chapéu é uma que Cláudia ainda não toca, mas poderia preparar para o próximo aniversário (quando mudará de década): You can leave your hat on, composta e cantada por Randy Newman em 1972 (vídeo abaixo) e que ficou mundialmente famosa em 1986, na voz de Joe Cocker. O título diz tudo: "Pode ficar de chapéu".

quarta-feira, 20 de março de 2013

Lobo da Costa nasceu há 160 anos

Tatiana, Marina, Juliana, Ândrea, Lídia e Helen
"A Vida e a Época de Lobo da Costa" é uma montagem teatral de Daniel Furtado, com atuações de Ândrea Guerreiro, Helen Sierra, Juliana Barbachã, Lídia Rosenhein, Marina Machado, Roberta Rangel e Tatiana Duarte, alunas de Teatro da UFPel (esq.), e participações especiais de Vagner Vargas e Carol Pinto (b. vídeo sobre a montagem).

As últimas apresentações serão sábado (23) e domingo (24) às 20h, no Tablado. Já houve duas no fim de semana passado e o público aprovou.

Artes da representação, musicais, literárias e audiovisuais se encontram nesta homenagem ao escritor pelotense que nasceu em julho de 1853 (v. Wikipédia). Sua peça teatral "O Filho das Ondas" (drama em verso, de 1883) tem um destaque especial nesta criação multiartística.

Numa cidade que enriquecia pelas charqueadas, o jovem Francisco Lobo da Costa viu nosso primeiro telégrafo (onde foi seu primeiro emprego juvenil), o Sete de Abril, o Mercado Central, a Praça da Regeneração, a Santa Casa e o Paço Municipal (que pertencia à Câmara, pois no regime imperial o governo era parlamentarista).

O poeta foi contemporâneo do escritor João Simões Lopes Neto (1865-1916), mas não houve diálogo entre esses dois grandes da literatura nacional. Quando Lobo da Costa morreu, aos 34 anos, Simões ainda tinha 22. No primeiro se lê a tragédia do coração; no outro, a tragédia social. Ambos tiveram vidas breves e intensas.

Lobo da Costa morreu em junho de 1888, um mês depois da abolição da escravatura. Partidário da República, não presenciou a caída do Imperador, em 1889, nem conheceu os bondes e os cinemas, fenômenos do século XX.

Retirar senhas gratuitas no local, a partir das 19h. O Tablado fica na Almirante Tamandaré, 275. Informe-se mais do evento por sua página no Facebook.

"Meu bem-querer", um duo


Laura Galvão Neves interpreta "Meu Bem-Querer", com André Santos, em gravação recente feita no Studio Galvão, de Recife (PE), onde Laura tem parte da família. Ela é daqui e estudou canto em Pelotas com o tenor lírico João Ferreira Filho.

A música de Djavan se encontra no álbum Alumbramento (1980), e foi usada nas telenovelas "Coração Alado" (1980), "A Indomada" (1997) e "Meu Bem-Querer" (1998). O poema sintetiza a profundidade, a ambivalência e o vitalismo do amor, sentimento tão banalizado e tão onipresente, e para interpretá-lo se requer um coração grande.

terça-feira, 19 de março de 2013

"O Culto", rock experimental

Desde 2010, o Piquenique Cultural resgata as praças de Pelotas como espaços de encontro e criatividade ao ar livre, com presença de músicos, pintores, fotógrafos, bailarinos, palhaços, escritores, artesãos.

O 1º encontro de 2013 será este domingo (24) na Praça da Liberdade, que fica na Vila Gastão Duarte, setor do Areal a leste do Parque da Baronesa. A referência é a rótula da Domingos de Almeida, a partir da qual se toma a Avenida da Paz e se chega à Liberdade.

Segundo pesquisado pelos organizadores, os dois logradouros públicos foram batizados em 1951, e a ideia parece ter sido ligar, simbolicamente, a Paz como caminho para a Liberdade.

A partir das 14h e até o anoitecer, o 18º Piquenique de arte e cultura terá como destaques uma exposição de Madu Lopes, show da jovem cantora Julie Schiavon, além de vídeos, mateada, Sarau Sintético, Varal de Poesias e diversos artistas já conhecidos do público adulto e infantil.

Uma das novidades anunciadas, o grupo roqueiro rio-grandino "O Culto", cancelou a apresentação por um problema na agenda deles. Ficará para outra vez, mas enquanto isso vale o destaque, como estímulo para que o reagendamento seja logo. Afinal, "O Culto" não deveria ficar sempre oculto.

Em 2012, a TV FURG gravou meia hora de suas composições experimentais. Os integrantes são autores das letras e da música para seus instrumentos: tecladista Arthur Menestrino (21), guitarrista José Luís Frigerio (20), baixista Lucian Leal (21) e baterista Martino Tagliani (18). Escute abaixo as músicas "Que Seja", "Som do bem" e "Lisergia" (confira o Bloco 1, com as músicas "Prelúdio ao grilo", "O culto" e "Por que pra quê").

segunda-feira, 18 de março de 2013

A voz do corvo: "Nunca mais".

Aves de mau agouro há  em todo o mundo,
e falam em todos os idiomas.
A artista plástica e professora da UFPel Adriane Hernandez participou, em outubro de 2009, da primeira exposição na antiga Cotada, a "Arte no Porto III", organizada por José Luiz de Pellegrin.

Talvez ao observar o prédio num estado de abandono de décadas ocorreu-lhe a expressão "nunca mais", do poema-relato "O Corvo" (The Raven), de Edgar Allan Poe (veja tradução de Fernando Pessoa).

Adriane não podia trazer aves falantes nem longos textos, mas atualizou em nossa realidade a frase agoureira, que em si mesma sintetiza muitos significados, e serve de resposta em espelho a muitas perguntas e desejos humanos.

Junto ao poder de síntese e ao realismo interativo do objeto em exposição, a artista tocou num dos temores de fracasso mais íntimos do ser humano, o da solidão perpétua. No momento e lugar menos pensado, um bolinho da sorte pode dizer-nos que será realizado nosso maior medo.

A temida frase do corvo é vivida cada dia,
 pelas almas depressivas.
Adriane jogou também com o elemento surpresa, essencial na literatura e valorizada pelas artes visuais que incluem a interação com o espectador. Acrescentou a isso a conexão auditiva com a frase do poema, ressignificando um conteúdo trágico como tragicômico.

Uma boa tese literária poderia relacionar a vida e a obra de dois poetas depressivos e mal-sucedidos: o americano Poe (1809-1849) e o nosso Lobo da Costa (1853-1888), falecidos de modo triste e prematuro. O paralelo foi proposto por Mozart Victor Russomano no discurso "O drama de Lobo da Costa", para o centenário do poeta (1953).

O material usado no trabalho de Adriane Hernandez foi um dispensador de senhas com pé de apoio, desses que davam número para espera em filas de bancos e lojas bem organizadas. Em vez de senhas numéricas, que deixavam a esperança de ser atendido em certo tempo, aqui lemos a resposta padrão, fria e definitiva: "Nunca mais".
Fotos: F. A. Vidal

sábado, 16 de março de 2013

UCPel pesquisa sobre qualidade psicológica de vida

Os psicólogos Karen Jansen e Luciano Dias de Mattos Souza apresentaram dados da pesquisa sobre depressão e qualidade de vida de jovens, que eles vêm realizando há anos no Laboratório de Saúde Mental da Universidade Católica de Pelotas. A exposição foi feita na Aula Inaugural do curso de Psicologia, nesta quarta (13), no auditório do Campus I (v. notícia do portal da UCPel).

Hoje doutores em sua área, Karen e Luciano obtiveram licenciatura e mestrado na Católica de Pelotas e atualmente são professores do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento.

Conforme Karen, o objetivo do encontro com os estudantes foi aproximá-los do Programa de Pós-Graduação, que tem os níveis de mestrado e doutorado. Luciano destacou a importância da pesquisa nos projetos de saúde que atendem a população e a contribuição dos alunos na formação do conhecimento.

Dra. Karen Jansen
Estes estudos geram publicações em revistas nacionais e internacionais (leia um dos recentes artigos). Karen ainda explicou à reportagem da UCPel que esta ampla pesquisa suscitou outras demandas e novos projetos vinculados com o Serviço de Psicologia (leia outro artigo dos mesmos autores). Daí a importância de que mais psicólogos participem nesse trabalho de equipe, em benefício da população e do avanço científico.

O mestrado em Saúde Mental foi o primeiro da Universidade Católica, fundado em 1995 por professores do Curso de Psicologia, e dele derivou em 1999 o mestrado em Saúde e Comportamento. Na época, todo o projeto foi reformulado, buscando integrar diversas áreas da saúde, aumentando a procura por parte de médicos, nutricionistas, fonoaudiólogos. No início, psiquiatras e psicólogos eram uns dois terços dos que buscavam o curso; hoje são a outra porção: cerca de um terço.
Fotos: UCPel

sexta-feira, 15 de março de 2013

Ciclo de cinema reinicia com desenho adulto


O "Ponto de Vista – Ciclo de Cinema e Design", projeto de extensão do IFSul, reinicia este sábado (16) às 17h, no auditório principal, com o desenho animado Les Triplettes de Belleville (2003). O projeto busca fazer reflexões sobre cinema e cultura, à base de teorias do design, mediante sessões gratuitas e abertas à comunidade. Em 2013, a proposta é analisar temas relacionados com animações e tecnologias.

Dirigido por Sylvain Chomet, "As bicicletas de Belleville" é um longa (78 min) de aventuras e comédia, dirigido ao público adulto. Foi indicado para maiores de 13, nos Estados Unidos (10, no Brasil). A co-produção uniu França, Canadá, Bélgica, Reino Unido e Letônia, e teve duas nominações ao Oscar de 2004 (melhor animação e melhor música). A estreia havia sido no Festival de Cannes de 2003 (informações tomadas do portal IMDB).

Jean "Django" Reinhardt (1910-1953), pai do jazz europeu,
em desenho que imita os traços da década de 1930
O filme conta a história de Champion, neto de Madame Souza, e apaixonado por ciclismo. Já adulto, Champion é raptado durante a Tour de France, o que faz sua avó atravessar o oceano a sua procura, com ajuda do gordo cão Bruno.

O relato descreve a cultura ocidental do século XX, com caricaturas da máfia ítalo-americana e de artistas da época, como Josephine Baker e o violonista de jazz Django Reinhardt (dir.). Os próprios traços gráficos da animação mudam quando se representam cenas mais antigas, como o trio de cantoras que se apresentava nos anos 30.

Entre diversos anacronismos, uma aparição do presidente De Gaulle, que governou na França nos anos 40, 50 e 60, e uma interpretação do fado "Uma casa portuguesa", na voz de Amália Rodrigues (ouça aqui).

No vídeo abaixo, a apresentação do quarteto da senhora Souza e as trigêmeas de Belleville no restaurante em que se encontram os mafiosos que sequestraram Champion. O ambiente e os personagens são tipicamente norte-americanos, com homenagem a suas raízes francesas.

O jornalista que competiu sozinho com o Diário Popular

Serginho Ross em 1983
O jornalista Sérgio Ross foi jogador juvenil do Grêmio (1951-53) e, depois, repórter da Última Hora. Veio dar em Pelotas em 1960, com a missão de abrir uma sucursal da U.H. que concorresse com os dois diários já existentes na cidade. O incrível é que ele conseguiu se equilibrar nessa missão impossível.

Serginho ficou em Pelotas até inícios de 1964. Posteriormente, dirigiu sucursais da Manchete em Porto Alegre, Rio e Brasília. Nestes 50 anos, ele já viu coisas tão fantásticas, que parecem irreais, mas, como bom jornalista, ele faz um relato fantástico de fatos reais. Por exemplo, a vez em que ele descartou um novo cronista.
O Justino Martins era tio do Luís Fernando Veríssimo. Ele veio em uma ocasião a Porto Alegre. Conversando comigo, disse que tinha um sobrinho, que estava começando a escrever e que era muito bom. Como achou que eu duvidasse, me disse: “O guri é filho do Érico Veríssimo...”. Continuei com cara de dúvida. Mesmo sendo, como sou até hoje, o maior fã do pai dele, não quis [um estranho] na minha equipe. 
Me arrependo? É claro que me arrependo. Até hoje, nunca cheguei perto dele, com medo de apanhar. Mas no fundo, no fundo mesmo, acho que agora ele vai me agradecer. Se tivesse ficado na Manchete, estaria desempregado como eu. Mesmo assim, vai aqui o meu pedido de perdão ao Luís Fernando e o meu muito obrigado por eu poder lê-lo diariamente. (Pô, este lê-lo aqui ficou bom, néee?)
Ross e Marlene Galeazzi (2011)
No seguinte texto, o hoje veterano Ross conta episódios do tempo em que os jornalistas aprendiam na prática, sem diploma no currículo. Os repórteres escreviam sem revisar, passavam ao copydesk e este reescrevia. 

Esta crônica foi copiada sem correções, para transmitir o sabor daqueles textos, que eram escritos na pressão do horário, sem revisar. Somente foram acrescentados subtítulos. Foi escrita em 2008, desde Brasília, e publicada em 2010 no blogue de Olides Canton

O título foi posto por Sérgio, para chamar a atenção do leitor, mas o texto exalta o Diário Popular, do qual o autor ficou mais fã que da Última Hora. Assim talvez possa pagar parte do mal que causou.


Um jornal que começou num galinheiro

O ano de 1960 estava chegando ao fim. Um cheiro de crise política estava no ar. [...] O jornal Ultima Hora,do Samuel Wainer, era um sucesso no meio jornalístico do país. Estava circulando em Porto Alegre, onde enfrentava a dura concorrência dos jornais da Caldas Junior, o Correio do Povo e a Folha da Tarde. Eu era repórter esportivo.

O Samuel Wainer, nas suas loucuras, estava lançando jornais pelo Brasil inteiro. No sul, pretendia lançar a UH em Caxias do Sul, para concorrer com O Pioneiro e em Pelotas, para concorrer com o Diário Popular e com o seu vespertino, a Opinião.

Aí o Neu Reiner e o Nestor Fedrizzi que comandavam aí em Porto Alegre a Ultima Hora, mais com pena de mim do que preocupados com a minha competência, me chamaram e disseram: tu és o homem para dirigir a Ultima Hora na região sul.

É claro que levei um susto. E eu sabia o que era dirigir um jornal? Eu sabia era conseguir noticias do Grêmio para as páginas de esporte.

O nome do jornal extinto foi pintado por cima, mas, como tem letras em relevo, segue legível há 50 anos.

Como montar um jornal com ajuda do inimigo

Logo que cheguei em Pelotas comecei a montar a minha equipe e inocentemente, a primeira coisa que fiz, foi procurar a redação do jornal o Diário Popular. Lá, conheci uma grande cara  diretor do jornal, que pertencia a família Fetter  era o Clair Rocheffort que me disseram,dias atrás, está com 80 anos, sendo que 60 desses anos, passou dentro do Diário,ali na rua Quinze de Novembro,bem no centro de Pelotas. Fui lá, pedir a ele que me indicassem gente para eu contratar.

Hoje me dou contra da minha ingenuidade.

O Clair, achou meio estranho, mas mesmo assim, colocou a redação do Diário a minha disposição. Imagina, ir na casa do inimigo pedir apoio. Mas ele me deu esse apoio e eu contratei algumas pessoas como o Wilson Lima,um dos melhores fotógrafos que eu já conheci e filho de um outro grande fotógrafo do Diário, o Ramão Barros.

Bavária existe até hoje
Contratei mais um repórter, que estudava direito e fazia um bico como redator, para poder pagar seus estudos. Era o Oscarzinho. O Oscar Valério Borges, um grande cara também. Um texto maravilhoso.

E assim comecei a montar a redação do jornal que começou a circular imediatamente.

Nós mandávamos os texto de ônibus para Porto Alegre por volta das 18 horas e no dia seguinte, às seis da matina, íamos para a rodoviária esperar a edição da UH/ Pelotas. Foi um sucesso. Mas eu, ainda inocentemente,não tinha avaliado o mal que estava fazendo para os companheiros do Diário Popular.

À noite, antes de ir para o Bar Bavária onde eu gostava de beber o melhor chope do Brasil e comer o melhor sanduíche aberto que já comi, passava na redação do jornal para conversar com o Clair. Aí fui conhecendo a história do Diário.

O galinheiro dos inícios

O jornal que agora completa 120 anos de existência, começou por incrível que pareça,dentro de um galinheiro. Claro que vai aqui, um pouco de exagero mas muito carinho. É que apareceu na redação do jornal, que dava os seus primeiros passos,uma pessoa oferecendo a venda de uma impressora que, servia, acreditem, como poleiro de um galinheiro numa fazenda nos arredores da cidade. No fundo,nunca fiquei sabendo como essa impressora foi parar nesse lugar tão feio.

quinta-feira, 14 de março de 2013

O grito e o vácuo, poemas existenciais

Nossas vidas, um grito embalado a vácuo

herói da história

Alguns dias não acabam nunca,
algumas histórias, não acabam bem,
uns ficam quietos
outros bêbados
eu fico entre os loucos
sempre achando ridículo
o desfecho final.

Já estou na rua,
com os pés molhados
e sem guarda chuva,
quando a platéia urra
aplaudindo em desespero,
de pé,
a queda do vilão,
como se eles próprios
fossem os heróis
e não apenas
meros
coadjuvantes.


Temporal

No meu peito existe um buraco,
não, um furo...
talvez seja melhor dizer fenda,
ou fissura...
enfim,
um espaço.
Por onde a dor esvai,
gota a gota
alagando o mundo,
goteira sem balde
das tormentas da alma.


Alexandre Vergara é um poeta pelotense, desconhecido como muitos que guardam seus escritos em gavetas por toda sua vida. Aos 34 anos ele decidiu começar a publicar, mais ou menos um poema por dia, no blogue O grito e o vácuo

Seus versos assimétricos falam da dor de viver nas cidades de hoje, mas, ao contrário dos textos existencialistas, seus sintéticos poemas costumam nos deixar com a ponta de um leve sorriso no pensamento. A vida dói, mas afinal vale a pena poder falar dela.

POST DATA
Março 2014
O escritor Manoel Magalhães, que vem publicando trabalhos de Alexandre no blogue Cultive Ler, definiu assim o estilo do poeta (outubro 2013):
Alexandre Vergara opta por um certo romantismo às vezes amargo, trazendo à tona sensações ambivalentes, assinalando as questões do coração e da razão, regadas a um bom vinho e embaladas pelo som de um jazz bem tocado.

terça-feira, 12 de março de 2013

"Incidente em Antares" teve cenas em Pelotas

DVD somente se encontra em sebos.
A minissérie Incidente em Antares (1994), adaptada do livro de Érico Veríssimo, foi a primeira coprodução feita em comum entre a RBS e a Rede Globo (v. descrição do programa). O programa foi levado ao ar em 12 capítulos, entre novembro e dezembro (v. sinopse do programa). O DVD saiu em 2005, com 3h e meia de duração.

O livro saiu em outubro de 1971 pela Editora Globo de Porto Alegre, e esgotou sucessivas edições (em 1976 já estava na 14ª). Ainda eram os "anos de chumbo" e o escritor lançou críticas à hipocrisia social e aos abusos de poder antidemocráticos, indiretamente ao regime militar da época (Governo Médici).

As gravações foram feitas em 1993: nos estúdios da Cinédia, numa cidade cinematográfica em Jacarepaguá, em locações fluminenses (Petrópolis e Niterói) e em ruas de Pelotas, no bairro do Porto.

Conforme a Globo, 1200 figurantes locais participaram das filmagens, mas foram realmente uns 500. Aceves Moreno e Chico Meireles interpretaram os coveiros em greve e Flávio Dorneles fez um mendigo; um dos extras foi Gê Fonseca (informação dada pelo ator Vagner Vargas).

Os diretores Carlos Manga e Paulo José tiveram carta branca para fazer uma produção de luxo (leia uma crítica). O resultado foi a minissérie mais cara da TV brasileira, custando 1 milhão e 700 mil dólares, ou 140 mil por capítulo (uma série da Globo custa, em média, 30 mil dólares por capítulo).

Conforme comentário da Veja, alguns atores pediam papéis, como Glória Menezes, que chegou a dizer ao diretor: "Paulo, sou gaúcha e ainda por cima de Pelotas, e você não deixou nem um papelzinho para mim?"

Na fictícia localidade gaúcha de Antares, uma greve dos coveiros deixa sete mortos sem enterro. Os defuntos se levantam e protestam pelo abandono, aproveitando de criticar livremente a sociedade dos vivos. O incidente se transforma em convulsão social e é preciso calar os mortos.

Capa da 11ª edição (1974)
As alusões que o escritor fazia à ditadura militar ainda em vigência e ao coronelismo provinciano (veja resumo do livro) foram usadas pela produção e ainda fazem sentido hoje, no Brasil e em outros países. Por exemplo, um dos mortos, chamado João Paz, havia sido torturado. O dia do incidente é 13 de dezembro, em paralelo sutil com o AI-5, que cassava mandatos de políticos (vigente desde 13-12-68).

A história envolve crítica social, especialmente dirigida à cultura política brasileira, com elementos de terror clássico e de realismo fantástico (v. realismo mágico). Esta obra de Érico Veríssimo faz parte dessa corrente literária, que começou entre escritores hispano-americanos, nos anos 40 e é usado ainda hoje (v. Wikipedia).

Os nossos entes queridos mortos são partes de nosso psiquismo, que foram projetadas por nós em pessoas próximas (quando vivas), que constituem vinculações importantes como a figura materna, irmãos mais velhos etc. De repente, essas projeções deixam de funcionar e precisamos desligá-las de nossas vidas. Se negarmos essa perda (o sumiço do vínculo) ou se as pessoas mortas ressuscitassem, elas passariam a ser elementos semivivos de nosso interior psíquico e começariam a falar em voz alta nossos pensamentos ocultos (conteúdos latentes ou inconscientes, de modos inconvenientes ou inesperados para nossa consciência.
Imagens da web

segunda-feira, 11 de março de 2013

Soneto para o Café Aquários


No vítreo habitat legendário
(uma esquina famosa de Pelotas):
Nem peixe, nem crustáceo Relicário
De veras causas e sutis lorotas...

Passaram por aqui leigo, vigário,
O rico, o pronto, o rei dos agiotas,
O doutor, o inculto, o escrivão notário,
O contador de escrita e o de anedotas.

O músico, o poeta, o funcionário
E outras profissões das mais remotas;
Tudo se irmana, em fim, neste cenário

Que não se omite de funéreas notas,
Se orgulha de bradar  Viva o Aquário!
Se ufana de cantar  Salve Pelotas!

Vilmar Gomes
Diário da Manhã, 11-2-2013
Foto: Nauro Jr. (Zero Hora)

domingo, 10 de março de 2013

A cidade das ruas infinitas

O jornalista Emílio Pacheco é de Porto Alegre – cidade cheia de morros – e abriu seus olhos a uma especial característica de nossa cidade, que os pelotenses ou não percebem ou consideram monótona demais: a retidão e longitude de suas ruas. Em fevereiro de 2010 ele publicou a crônica "As ruas de Pelotas".


Em 1972, na 5ª série, tive uma professora de Português – aliás, "Língua Nacional", que era o nome da disciplina no primeiro ano da Reforma do Ensino – que sentia um orgulho imenso de sua cidade natal. Era a Dona Constança. Acho que não havia uma só aula com ela em que não ouvíamos falar de Pelotas. O assunto podia ser pronomes, verbos, objetos diretos e/ou indiretos, que invariavelmente entrava Pelotas no meio.

Certa vez ela pediu que escrevêssemos sobre a localidade onde havíamos nascido, abrangendo vários itens. Um deles era se a cidade em questão era bem traçada. Uma colega que vinha de São Paulo comentou em voz alta que iria responder "sim" a essa pergunta. A professora contestou na hora. São Paulo não é bem traçada, imagina! Nem Porto Alegre é, que dirá a capital paulista. Cidade bem traçada é Pelotas! Aí ela falou uma frase que eu nunca esqueci:

– Em Pelotas a gente olha para uma rua e enxerga o fim!

Eu tinha estado em Pelotas rapidamente no ano anterior, mas não observei essa característica. Voltei lá em 1974 e desta vez resolvi conferir. Espichei o olho em uma das ruas e, dito e feito, enxerguei o final. Não é possível! Dona Constança não exagerou! Guardei mais essa recordação por todos esses anos, mas prometi a mim mesmo que, se voltasse a Pelotas, faria mais uma verificação.

Pois no sábado passado, mais uma vez, pus-me a conferir o prumo das ruas de Pelotas. E constatei que elas não empenaram nem um milímetro. Continuam tão retas quanto em 1974.

Quando estávamos para ir embora, pedimos orientação de como chegar à saída para a estrada. Disseram-nos que deveríamos pegar a mesma rua do nosso hotel e ir em frente "até o fim". Foi o que fizemos. Seguimos por várias quadras em linha reta. Quando terminou a rua, terminou Pelotas. Dona Constança tinha razão. É por isso que a letra de "Pelotas", de Kleiton e Kledir (veja o post, penúltima estrofe), diz:

– O meu amor não tem fim / como uma rua infinita.



Fotos: F. A. Vidal e R. Marin

sábado, 9 de março de 2013

Álvaro Piegas foi repórter policial por 40 anos

Álvaro Piegas foi um dos jornalistas que mais tempo durou no Diário Popular e talvez seja, em toda a história da imprensa brasileira, um dos que trabalhou mais tempo na reportagem policial. Ele entrou em novembro de 1958, como revisor do vespertino "A Opinião Pública", da mesma empresa do Diário, e ficou até em maio de 2001, quando morreu por um ataque cardíaco (leia nota). Na área policial começou em 1960 e não saiu mais. Portanto, foram 42 anos e meio de casa e aproximadamente 41 na cobertura policial.

Prego, maluco perigoso  
O que pode fazer alguém gostar (ou suportar) o trato com crimes e todo tipo de violência, de modo a ficar a vida toda em torno disso, sem ser em si um policial? Será a curiosidade pelo delito, o alto interesse dos leitores, o gosto pela aventura e o risco, a identificação com bandidos ou com a repressão?

O fato é que as informações recolhidas numa única semana já dariam para um livro (veja a notícia sobre abigeatários em Pedro Osório, a reportagem sobre o excesso de trotes, e o caso do assassino que tentou suicídio, estuprador apelidado Prego).

Na internet há citações do nome de Álvaro Piegas como redator mas nenhuma foto. Tradicionalmente, nem redatores nem fotógrafos tinham seu nome identificado com as notícias; hoje, a tendência jornalística é não deixar os repórteres como anônimos, mas antigamente era assim. O único problema é que alguns antissociais esbocem represálias contra o jornalista.

Tânia Cabistany entrevistou Álvaro Piegas para a edição de 110 anos do Diário Popular, em agosto de 2000. A matéria foi reeditada quando da morte dele, 9 meses depois (leia o texto completo). A emoção permanente pode ter sido o motivo para o entrevistado dizer que "não escolheria outra editoria para atuar". Um repórter policial pode passar por sustos e sofrer ameaças, mas também pode contar histórias engraçadas. Veja quatro delas.
Linotipos do Correio do Povo em 1911

  • No tempo dos linotipos, quando faltava luz na Gráfica, parava absolutamente tudo e, mesmo quando a energia elétrica voltava, era preciso esperar um tempo até que as máquinas fossem reaquecidas (com lenha). 
  • Quando ainda as ocorrências eram registradas à mão, certo policial, conhecido como Chico Bóia, era o encarregado de preencher o livro. Piegas ia à Delegacia todos os dias, para buscar as informações. Havia, porém, uma dificuldade com aquele funcionário: era preciso esperar Chico Bóia acordar, pois ele dormia com a cabeça em cima do livro de ocorrências. Quem ousasse acordá-lo, ia para o xadrez.
  • Quando existia apenas uma Delegacia de Polícia em Pelotas e poucos policiais, Piegas diz que assumia o livro de ocorrências, a pedido dos funcionários, que confiavam totalmente nele, para que eles pudessem dar uma saída de noite (fosse por trabalho, fosse por diversão).
  • O repórter policial do DP conta que escapou duas vezes de morrer, pelo simples gesto de levar para os presos, cada dia, leite e pão com mortadela. Em duas diligências em que acompanhava os policiais, foi reconhecido pelos bandidos Zero Um e Chope, que não o mataram porque lembraram que era ele quem levava alimentos para eles na cadeia.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Ao resgate da infância, em Floripa


Não brinca comigo!?

Eu brinco
Tu brincas e ele assiste
Dispo a boneca de fantasias

E descubro ... meu brinquedo não existe
Exercendo o direito de sonhar
Os limites da brincadeira ...

Vida adulta e suas mesmices


A infância é o tempo em que se aprende a brincar e a sentir prazer com as coisas simples. Para valorizar esse período da vida, o Beiramar Shopping de Florianópolis apresenta, até este domingo (10), uma mostra inédita no Brasil, somente com brinquedos.

Mais de cem itens – alguns industrializados, dos anos 70, 80 e 90, como Pogobol, Falcon, Genius e boneca Moranguinho, e outros artesanais, como piões de madeira, carrinhos de rolimã e bambolês – podem ser vistos no Museu dos Brinquedos.

O evento também tem uma Brinquedoteca, aberta para o público brincar livremente, e uma Oficina de Brinquedos, onde as crianças aprendem a fazer petecas, pipas, cata-ventos e ioiôs.

A oportunidade serve para agradar pessoas de todas as idades, permitindo que se encontrem diretamente com objetos que marcaram nelas bons momentos da vida.

Esse acontecimento não tem relação direta com Pelotas, mas ele ganha sentido para nós pois foi visitado e relatado por nosso colaborador Nathanael Anasttacio, autor da poesia acima e do relato seguinte.



Saudade de mim, saudade de nós

Ao mudar-me de Pelotas no final de 2012, mergulhei num período de nostalgia. Deixar minha cidade natal, após anos protelando esta mudança, foi uma decisão bem difícil.

Genius, da Estrela
Uma saudade ímpar se abateu no meu eu, lembranças da minha infância, passada nas ruas coloridas e mágicas da cidade – acredito que todas as crianças vejam cores excepcionais em suas infâncias, mas ao crescermos as nuances são um tanto quanto míticas e eufóricas.

Como já havia a intenção de montar um conjunto de postagens/correspondências para o blog Pelotas Capital Cultural, resolvi então unir minha saudade de Pelotas à saudade da minha infância, vivida toda na antiga Pelotas da década de 80.

Pretendo mostrar, por meio destas postagens, a cultura de outros lugares com o olhar de um pelotense nato. Meus devires e subjetividades irão permear meus comentários, tal qual fazemos ao narrar nossas viagens a amigos.

Pogobol
Esta primeira postagem nasceu durante minhas férias em Florianópolis, na qual houve a oportunidade de visitar uma exposição inusitada e muito feliz em sua concepção.

Trata-se do Museu do Brinquedo, idealizado para acontecer no shopping tradicional de “FLORIPA”, o Beiramar Shopping.

Quem estiver na casa dos trinta anos, como eu, relembrará de muitos brinquedos que foram moda e desejo de muitos de nós, crianças da década de 1980 e comecinho dos 90.

Fevereiro de 2013 no Corredor Arte


No mês passado, o Corredor Arte inaugurou duas mostras consecutivas. A primeira foi uma exposição das artistas Nely e Letícia, e pôde ser visitada até 18 de fevereiro de 2013 (comentário abaixo).

Posteriormente, foi aberta uma coletiva do grupo “Arte e Talento”, do SEST-SENAT, a qual ainda pode ser visitada, até segunda que vem (11 de março). Trata-se de 22 óleos que representam paisagens, animais, flores, casarios e figuras humanas.

A pintura da Catedral Metropolitana São Francisco de Paula (acima), de Guiomar Neves, é uma das mais chamativas. O ponto turístico representa o "ponto zero" de Pelotas, onde a urbanização começou, após 1812. A arquitetura da Catedral como a conhecemos hoje é de uma grande reforma, que foi terminada em 1950.

Parte do grupo Arte e Talento
Assinam as obras a instrutora Guiomar Neves e dez alunas: Márcia Dietrich, Ivone Iunes, Vera Sá, Maritza Caravalho, Mariana Pimentel, Iria Knopp, Marly Nascimento, Cláudia Menezes, Cleusa Carvalho e Beatriz Portella.

O SEST-SENAT tem uma direção comum mas são duas entidades: o Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte. Ambas com finalidades parecidas, buscam valorizar os trabalhadores do setor de transporte, seja na área do bem-estar social (saúde, cultura, lazer e segurança no trabalho), seja na formação profissional dentro do setor.

Nely Rodeghiero e Letícia Tessmann já haviam exposto no Corredor Arte mas voltaram em fevereiro passado. As duas contrastam pela personalidade e pelo tipo de trabalhos que apresentam, mas se parecem pela energia pessoal e pela grande produtividade.

Letícia Tessmann de Castro (esq.) conta que sempre se interessou pelo artesanato e em especial pelas mandalas.

Estes símbolos místicos representam a busca do equilíbrio, harmonizam o ambiente e conseguem atrair e alegrar as pessoas. As obras são feitas de materiais diversos, como pedras, papel, semente e texturas.

Diz Letícia que todas as mandalas emitem energias positivas e cada uma tem um significado especial para ela. “A energia é plenamente perceptível pelo nosso inconsciente, o que estimula mudanças e melhorias no local”, explica.

Nely Rodeghiero começou a pintar como meio terapêutico e não parou mais, sempre inovando em técnicas e materiais. Desta vez ela trouxe telhas pintadas com imagens de Pelotas. “Eu pinto para não ter de comprar remédios depois”, ela comenta, com uma felicidade que se dispõe a compartilhar com todos.

Telhas pintadas por Nely Rodeghiero
Nely já expôs sua variada produção em múltiplos locais, de clubes a universidades. O Hospital Escola é uma opção bem particular. “Um hospital é um ambiente que precisa de alegria, de uma perspectiva de dias melhores para os pacientes. Espero ajudar quanto a isso”, deseja a pintora.

Com o Corredor Arte se estabelece uma relação positiva entre todos os envolvidos: os artistas, os visitantes e o Hospital.

Quem está expondo, além de ter o espaço para sua obra, exerce um importante papel social ao contribuir para a melhoria do ambiente de um hospital totalmente destinado ao SUS. O público espectador, que geralmente não tem oportunidade de conhecer manifestações artísticas em museus ou galerias, pode sempre apreciar pinturas, desenhos, fotografias e gravuras. E o Hospital Escola, em sintonia com o que preconiza a Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, há doze anos, transforma, através da arte, um corredor de entrada em um espaço de ideias, percepções e sentimentos.
Imagens: Corredor Arte