sábado, 5 de setembro de 2015

Carla e a Rainha brilham em ópera no Chile

Nesta adaptação chilena, a personagem da Rainha da Noite chama-se Astrid Flamante
que é a dona de uma companhia de teatro que busca atores para apresentar a Flauta Mágica.
Em agosto passado, Carla Domingues participou de uma inovadora adaptação d'A Flauta Mágica de Mozart na cidade de Concepción, no sul do Chile. A produção da Universidade de Concepción, que desde 2003 vem organizando óperas completas, teve o desempenho de sua própria orquestra sinfônica e um elenco lírico chileno (neste vídeo de pré-produção, os personagens são descritos pelos solistas). 

Desta vez, a convidada estrangeira foi Carla, que já por segunda vez atua em ópera completa no exterior. A primeira foi no papel de Amore em "Orfeu e Eurídice" (Montevidéu, dezembro de 2011). E esta foi também sua segunda visita ao Chile. Registramos a primeira em janeiro de 2014 (v. postagem), quando Carla participou do concurso Laguna Mágica, com diferentes trechos líricos . Veja também a postagem de 2013 Recital de Carla Domingues em Montevidéu.

O diário El Mercurio publicou crítica de Juan Antonio Muñoz sobre o espetáculo (v. texto original e nota da Radio Bio-Bio). O recorte do jornal (figura abaixo) foi apresentado pela artista em sua página no Facebook, e a tradução abaixo foi feita por este blogue. Confira no final a crítica de cada solista lírico.


Uma viagem por outra Flauta Mágica

A ópera corre grandes riscos, hoje em dia, e isso mantém o gênero vivo. Algumas produções, ainda que controversas, fazem boas contribuições ou destacam elementos que antes passavam despercebidos. Nestas inovações, tudo vale se houver um bom pano de fundo ou uma ideia imaginativa que surpreenda. A "Flauta mágica" trazida pela Corporação Cultural da Universidade de Concepción ficou numa zona estranha, no meio do caminho, como se o propósito ainda não estivesse maduro ou tivesse sido forçado.

Na proposta do diretor de cena, Gonzalo Cuadra, existe uma "Companhia d'A Flauta Mágica", de Astrid Flamante (por Astrafiamante, o nome da Rainha da Noite) e de Sarastro Solleben, cujos integrantes têm traços análogos aos das personagens mozartianas. Conforme o programa, eles ensaiam os números musicais daquela noite, mas ainda lhes falta o personagem principal. Sarastro anuncia que "o Grande Arquiteto" certamente enviará alguém como complemento ideal para sua filha Pamina. Então aparece Tamino Príncipe (nome e sobrenome), que preenche a falta.

Recorte de EL MERCURIO
(Concepción, 29-8-15)
A partir daí, os atores-cantores entram e saem de seus papéis duplos, como membros da companhia e como parte da ópera. Tudo é entremeado por diálogos em espanhol, escritos pelo régisseur chileno, nos quais se narra o que ocorre nos dois níveis da trama. A dupla militância dos personagens fica explícita em seus nomes: Papageno, por exemplo, chama-se Papageno Pérez.

O problema é que nada parece engrenar neste jogo de metateatro, a começar pela contradição de que o casal que dirige a companhia mostra acordo em tudo, enquanto Sarastro e a Rainha da Noite brigam permanentemente (inclusive, ela gostaria de vê-lo morto). Os diálogos novos também não ajudam, pois abusam de expressões populares e pueris, que somente servem para suscitar gargalhadas. O próprio libreto original já tem algo disso (em alemão, claro), em meio a reflexões ontológicas e juízos de valores, mas tudo junto fica um exagero.

Carla Domingues faz Astrid Flamante e a Rainha da Noite.
Por outro lado, as ideias de régie, desligadas de tais inventos, são realmente imaginativas, como de costume nos trabalhos de Gonzalo Cuadra. Especialmente seu tratamento coreográfico para as três damas, o baile que a Rainha da Noite improvisa em sua ária de entrada, o casamento de Papageno e Papagena, até com lançamento do ramo, a festa de magia com a qual se resolve a passagem dos protagonistas pelo fogo e pela água, os aspectos circenses delirantes (converte os homens armados num par de siameses).

Usando poucos elementos, inclusive a parede posterior do teatro, e exibindo a maquinária de roldanas, cordas e luzes, a cenografia de Germán Droghetti funciona perfeitamente, e a iluminação de Álvaro Torres ajuda a criar as atmosferas necessárias. O colorido e miscelâneo vestuário, também de Droghetti, sublinha a dupla natureza dos personagens (os atores e os papéis que interpretam).

A construção musical está notável. Julian Kuerti, ante a impecável Orquestra Sinfônica da Universidade de Concepción, mostra-se sempre consciente das vozes de que dispõe, e sabe viajar pela nobreza melódica desta música, respeitando tanto a solenidade como a leveza. Excelente também a direção coral de Carlos Traverso, certo e preciso, comprometido com o desenvolvimento teatral.

Os solistas
Por voz, convicção e espírito festivo, Ricardo Seguel brilha e conquista como Papageno. Luis Rivas entrega a doçura de seu canto e sua musicalidade como Tamino, mas como ator precisa melhorar. Yaritza Véliz tem a voz e a linha de canto ideais para Pamina. Carla Domingues mostra o temperamento da furiosa Rainha e alcança todas as notas. Por outro lado, Mateo Palma, que está muito bem na autoridade própria de Sarastro, se percebe complicado vocalmente com as descidas abismais que o pentagrama exige e com os textos que deve declamar. Estão muito bem David Gáez como o orador e o sacerdote 1, Roni Ancavil como Monostatos, e as três damas (Andrea Aguilar, Regina Sandoval e Gloria Rojas).
Juan Antonio Muñoz


Imagens de Carla: Facebook
Tradução: F. A. Vidal

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