Ontem ele me agradeceu a divulgação e informou que sua "carreira de colunista" acabava de terminar, em seu mesmo início. O Diário recebera seu segundo artigo, alusivo à posse de Dom Jacinto Bergmann, mas o considerara irreverente demais, fora de sua linha editorial, publicando então outro, do mesmo Aguilar (leia). Nos dias seguintes, ele buscou entendimentos com o jornal, mas a decisão final da direção foi cancelar a coluna.
O decano dizia querer um colunista de opinião, mas o que buscava era um editorialista. Com visão de mundo? Sim, mas do mundo de Pelotas, ou com uma linguagem mais oblíqua (indireta), respeitosa de nossas milenares instituições. Os leitores gostariam de uma explicação por esse ato falho. O anterior ocorreu no feriadão de 7 de setembro, quando a primeira página anunciava a Proclamação da República (sic) e na página 2 se ironizava com a facilidade de até os mais distraídos saberem a importância do feriado.
Aguilar enviou-me aquele texto que incomodara o Diário, e dele selecionei as partes alusivas a Pelotas (leia o artigo completo). Enquanto o título sintetiza a ideia de que Dom Jacinto é homem de "pôr a mão na massa", o conteúdo remarca mais a força política de nossos bispos, como traço de nosso provincianismo. O final retoma a metáfora do lamaçal da politicalha. Não o considero merecedor de censura ou reprimenda, mas um sinal que confirma que nosso Diário não deseja aggiornamentos.
O novo bispo mete os pés no barro!
[...] Ao longo dos séculos, seja no império Carolíngio medieval ou na America Central contemporânea, os bispos têm poder e em Pelotas a regra não é exceção.
Alguns setores da cidade, os que pertencem ou se relacionam com o poder, aguardaram e receberam a notícia de um novo bispo para a unidade administrativa católica local com a ansiedade de um adolescente planejando sua primeira vez. Especulações sobre o futuro da diocese, da universidade, entrevistas “em primeira mão” com os atores envolvidos, todo um fuzuê. É um novo bispo e, numa cidade onde em várias circunstâncias o ditado popular “vá se queixar ao bispo” tem valor literal, a mudança desse que, stricto sensu, é apenas o funcionário de uma organização religiosa tem peso de novo governo em processo de instalação
[dir.: JB e Yeda].
A seguir, o autor traz dois exemplos do mundo hispânico de como o provincianismo é universal - e não pelotense. No Paraguai, país emblematicamente paroquiano, o atual presidente, Fernando Lugo, é um bispo que se dedicou à política, o que mostra a vizinhança dos focos de poder. Por outro lado, na Espanha do século XXI, país com imagem de progressista, o Ministério da Fazenda já transferiu 144 milhões de euros para uma conta da Conferência Episcopal
[esq.: JB e Fetter].
Ninguém no mínimo de sua sobriedade se atreveria, então, a questionar o óbvio: a Igreja Católica ainda é uma poderosíssima potência econômica, cultural e educativa e, inclusive, imobiliária.
Esse poder de facto se manifesta, por exemplo, na gestão de obras de caridade, serviços culturais, hospitalares e educativos onde a UCPel, no caso de Pelotas, é o mais destacado caso. A universidade, com importante papel social em toda a região, tem grandes dívidas e sofre críticas por, ao que parece, haver mantido uma administração à base de compadrios. O chanceler da UCPel, que é quem escolhe o reitor da instituição, é o bispo de Pelotas.
Mas um bispo em Pelotas também tem o poder de definir calendários de massa.
A Romaria de Nossa Senhora de Guadalupe, que todos os anos leva milhares de pessoas até o santuário na Cascata, foi instituída pelo bispo demissionário, Dom Jayme Chemello [esq.: JB e JC]. A santa mais importante do México começou a fazer-se popular na região de Pelotas depois que Dom Jayme participou de uma conferência de bispos naquele país e decidiu “importá-la”, em 1979.
Em 2003, na 18ª edição da romaria, o agora novo bispo da cidade, Dom Jacinto Bergmann, participou das seis horas de caminhada sob chuva e muito barro que caracterizou o evento aquele ano. Acompanhei e conversei com ele – que na época atuava como bispo-auxiliar – durante todo o trajeto, numa reportagem para o Diário Popular. Bem-humorado, lembro que diante do enorme lamaçal no caminho, Dom Jacinto afirmou:
– Eu gosto quando os desafios não são assim tão fáceis.
Palavras proféticas.
Aleksander Aguilar vive em Londres e é mestre em Estudos Internacionais pela Universidade de Barcelona.
Fotos da web
POST DATA (10 outubro)
Leia o debate dos leitores sobre esta notícia no Amigos de Pelotas.
Comentários dos leitores do Amigos de Pelotas:
ResponderExcluirAnônimo disse... Normal...
10 outubro, 2009 19:16
Anônimo disse... Se todo mundo que fosse censurado e demitido do DP por falar coisa que não devia resolvesse colocar a boca no trambone como fez o Aleks, mais barbaridades como essa viriam a tona...
10 outubro, 2009 21:16
Anônimo disse... Se o DP considera o texto do Aleks contém 'agressividades e inverdades', então tá mal. O texto é sóbrio. Isso mostra que o jornal toma cuidados em excesso, para não ferir anunciantes (UCPel) e não se 'indispor'. Pela madrugada. Se censura este texto do jornalista, imagina os assuntos mais fortes.
10 outubro, 2009 21:52
Anônimo disse... Acho que é um direito do jornal considerar o que tem ou não identidade com sua linha editorial. O jornalista em questão sempre teve posições muito definidas no espaço jornalístico e político e essas parecem que nunca estiveram em afinidade com a visão do Diário.
Alguma coisa teria de mudar: a linha editorial do jornal ou o jornalista optar por outro espaço de comunicação.
10 outubro, 2009 22:46
Anônimo disse... Ótimo texto, por sinal. Polêmicas à parte (é óbvio que o texto não ia ser publicado, ou vocês achavam o quê?), raras vezes li no diário popular(e olha que já o leio faz 30 anos) um texto com esse nível de qualidade.
11 outubro, 2009 00:28
Anônimo disse... Viagem a terras espanholas com musculosos membros da criadagem? Magnífico!
11 outubro, 2009 00:32
Anônimo disse... A UCPel retomou o bloqueio ao IP do blog, é parceira do atraso da cidade! Esse blog não é imparcial, ninguém deve pretender sê-lo, mas pelo menos procura ser correto e exato.
11 outubro, 2009 00:48
Anônimo disse... Linha editorial de jornal que presta está restrita ao editorial.
Ir além disso e muito mais, imprimir cadernos e mais cadernos com familiares "se fazendo", posando de mantenedores do Guarany, é que não dá.
11 outubro, 2009 00:59
Comentário do autor do texto no Amigos de Pelotas:
ResponderExcluirAleksander Aguilar disse... Obrigado, Rubens, pelo acesso ao debate. Faço um último comentário sobre o episódio. Não, não é normal. Pese o que a opinião critica de Pelotas entenda sobre as posições conservadoras na cidade, não é e nunca deve ser normal a impossibilidade de expressar opinião (veja bem, opinião, não matérias da agenda do veiculo) num meio de comunicação, sobretudo quando essas são feitas com sobriedade, sem panfletarismos e com fundamento.
Afirmar e reafirmar que “as coisas são assim” é conformar-se com a própria realidade criticada e, assim, mergulhar numa profunda contradição. Eu trabalhei e aprendi muito no DP e sempre mantive uma respeitosa relação. Por isso, não se trata só de uma discussão sobre o que Diário Popular é e quem eu sou e o conteúdo do texto em questão, o que, segundo nosso conformismo arraigado, faria natural a incompatibilidade. A pergunta é por que isso é considerado natural.
O debate sobre esse episódio que por uma coincidência, pessoalmente triste, teve meu protagonismo, trata em verdade dos paradoxos do exercício do jornalismo e poderia, ou até deve, desenvolver-se num marco teórico sobre teoria da comunicação (o que, a propósito, puxando um pouquinho o tema para uma relação com uma polemica afim, também é argumento para a necessidade da formação superior em jornalismo, pois é essa capacidade de análise que faz a diferença entre um jornalista e um relator de fatos, que, em gordos setores do imaginário popular, são a mesma coisa e por isso o “jornalista” só precisaria ter o “dom” de escrever bem).
Nesse marco, entre diferentes análises poderiam ser feitas, algumas são:
1- a mercantilizaçao da informação (jornais são considerados empresas comuns, apenas um empreendimento a mais no “ramo da comunicação”);
2- a institucionalização, com mentalidade prioritariamente empresarial, dos editores dos veículos (que ao assumir a lógica mercantil tratam com desdém qualquer argumento que ressalte a influencia ideológica e de interesses de poder);
3- a auto-censura dos funcionários das “empresas” de comunicação (pois no jogo da sobrevivência, se a organização é, na verdade, mais empresa que meio de comunicação, então ou se joga as regras ou se fica sem emprego);
4- a falta de importância ao jornalismo de opinião (mesmo um jornal sumamente conservador poderia, inclusive como estratégia empresarial numa tática de marketing, abrir, honestamente, espaço para colunas de opinião, como qualquer veiculo serio faz, que eventualmente vá em contra sua linha editorial. Por isso se chama jornalismo de opinião, não é complemento editorialista).
Isso para não falar da já clássica discussão sobre a hipocrisia do jornalismo brasileiro que, via de regra, insiste no discurso da objetividade e imparcialidade e, muitas vezes, como nesse episodio em questão, se vê obrigado a assumir suas posições.
Por fim, há ainda os fatores locais também, ou seja, o modus operandis das instituições, governo, organizações e empresas pelotenses, que muitas vezes confundem os limites dos seus espaços, talvez propositalmente, e configuram essa realidade, tão sujeita a critica, tão pouco disposta a auto-refletir e avaliar se isso não é, também, fator essencial para as barreiras de um real projeto de cidade.
11 outubro, 2009 10:28
Ivan disse... É aí que entra a internet, e muita gente ainda não se deu conta. Foi-se o tempo de noticiar a "verdade" do editor. A informação, agora, está muito mais acessível e verdadeira. O chamado "quarto poder" desmorona-se rapidamente em detrimento a democratização do conhecimento, do livre pensar e do confronto das ideias, de forma ampla e democrática.
ResponderExcluir11 outubro, 2009 10:34
Anônimo disse... O Diário sempre censurou e foi "órgão dos interesses gerais", manteve-se sempre como jornal atrelado ao conservadorismo político, com raros hiatos que só confirmam a regra. Um editor respeitadíssimo perdeu o emprego(o Joaquim Pinho) por permitir que fosse publicado na página policial um registro de caso de racismo num baile na colônia. Para azar dele, o barrado no baile,um negro, teve problemas num galpão dentro da estância dos proprietários do D.P. (o baile nem era deles!!). Recentemente, o melhor articulista de Fórmula 1, o Pedro Leite, foi censurado, soube, por escrever que as narrações do Galvão Bueno deixavam à desejar. O Aguilar, que estreou muito bem, lamentavelmente não foi longe, pois teve a ousadia de estimular o leitor a pensar. Por isso, cada vez menos exemplares vendidos e os assinantes migrando para jornais de Porto Alegre. Ou alguém leu no Diário o protesto em frente à casa da Governadora? O sucesso deste blog está na razão inversa daquele veículo: é plural, como são as cidades. Manoelito Paz.
11 outubro, 2009 10:43
Anônimo disse... O Jornal tem DONO e sabe-se bem a quem eles estão atrelados. Por isso muitos jornalistas legais já sairam de lá. O que se vê, por exemplo, nos cadernos de cultura ruboriza. Ouvi dizer de jornalistas culturais que foram afastados do cargo e colocados em outra função pq emitiram sua opinião contrária a do jornal.
11 outubro, 2009 12:25
Anônimo disse... Isso que dá querer estabelecer vínculo com a burguesia de Pelotas, iludem-se aqueles que acham que tem margem para isso. Mais uma prova para abrir os olhos. Com todo respeito, isso é o legítimo fusque-fusque que não vai a lugar nenhum. Abraço,
11 outubro, 2009 13:17
Anônimo disse... Discordo, o jornalista tendo aparente experiência com a diversidade de opiniões e sobretudo as contrárias, ainda se impressiona e se importa com o referido jornal? Porque não está escrevendo para a Caros Amigos ou a Zero Hora ou mesmo outro jornal do centro do país? Tenho certeza que outros colegas cientes do "modus operandi" sequer aceitariam o convite para participar de determinados veículos.
11 outubro, 2009 15:13
Anônimo disse... Uma coisa é fato: o texto é muito bom.
ResponderExcluir11 outubro, 2009 21:49
Anônimo disse... A Zero Hora, com que não concordo em alguns momentos, demonstra ter preocupação em não censurar opiniões ao expor, por exemplo, comentários do Paulo Sant'Ana, que joga pedras para todos os lados, inclusive gerando riscos de processos. Isso sem falar que alguns textos do Sant'Ana foram muito mais agressivos que o texto visto aqui. O autor desta, pelo que vemos, quase que exclusivamente nos incita à reflexão.
11 outubro, 2009 21:53
Anônimo disse... O caso do Santana da Zero Hora é bem claro, ele é um dos maiores salários da REDE RBS , e tem um público cativo que assiste o Ja e lê compra a Zh só pra ver e ler sua coluna , se ele sair da RBS o passe dele vale muito e migra automaticamentre muitos leitores e telespectadores junto com eles, eles não são bobos de perder a fatia Santana , no caso do Alexsander ele não tinha esse poder de migrar leitores pra nenhum outro veiculo
12 outubro, 2009 11:04
Anônimo disse... A Zero é só um exemplo e Santana até foge a regra - tudo que ele diz é considerado irreverente e é muito relevado. A Rosane Oliveira faz um trabalho sério no jornal e na rádio e tem pautado pelo jornalismo para todos os lados, gerando até reclamatória da excelentíssima Yeda Casanova. Podemos e devemos ter posição, apenas temos que lembrar a quem dirigimos essa opinião e qual a finalidade.
12 outubro, 2009 19:23
Anônimo disse... Alguém já citou acima mas repito aqui... o jornal tem DONO, e sendo assim, inevitavelmente penderá para um lado sempre, fazendo a política da "boa vizinhança" sem prejudicar seus potenciais anunciantes e/ou parceiros...
Dia desses saiu uma pequena nota no referido diário, na qual lia-se: empresa de Pelotas é suspeita de irregularidades fiscais e blá, blá, blá... uma nota quase "transparente", totalmente destoante ao que se viu (e eu estava ali no momento), onde cerca de 4 viaturas da PF acompanhando veículos da Receita Federal formavam um comboio pela Av. Duque de Caxias, até chegarem à referida empresa e adentrarem os portões, mas,ao que me parece, a coisa vai acabar em arroz, opa, digo... em pizza!
13 outubro, 2009 20:49