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domingo, 18 de abril de 2010

O crime perfeito (conto)

O cronista Rubens Amador enviou-nos este relato de ficção, publicado há uns vinte anos na imprensa local.

A cidade dormia naquela madrugada supinamente gelada enquanto ele caminhava resoluto quão solitário. O relógio público testemunhava: Quatro e meia.

Saíra àquela hora para comprar um medicamento, pois o filho pequeno fora acometido de terrível crise de asma. Caminhava ligeiro e seus passos ecoavam na perspectiva da rua, a sua frente. A imagem do filho dispneico, querendo beber todo o ar que pudesse, em desespero, não lhe saía da cabeça. Nem um maldito táxi. Nem um só carro para arriscar uma problemática carona. Cedo verificou que só lhe restava contar com as próprias pernas. E ele o faria o mais rápido possível, pensou aflito, corpo inundado pela adrenalina.

Súbito, como um gigantesco mapa em neon, se desenha no negrume do céu uma faísca elétrica. Segundos após, um estrondo ensurdecedor. “Pode ser que alguém desperte, venha à frente, e me possa ajudar se tiver uma condução” – divagou, já imaginando o longo retorno a casa, enquanto levantava a gola do surrado casaco de homem pobre; fisionomia preocupada.

Mas ninguém apareceu para solidarizar-se com sua aflição. Aliás, para ele aquela situação não era novidade. Deu de ombros, apurou o passo mais ainda, pensando no filho que o estaria por certo esperando em agonia e sofrimento.

Nisto começou a ouvir o que lhe pareceu, a princípio, ser um grupo de malvados que o estaria apedrejando. Mas logo viu que se tratava de granizos enormes a cair do espaço. “Céu cruel e sem coração”, ruminou com amargura e revolta. Foi obrigado a procurar refúgio no primeiro vão de porta, abrigando-se o melhor que podia enquanto a catadupa de pedras geladas – enormes – caía perigosamente. Que fazer?

Todo molhado e tiritando de frio, sentiu que não podia ficar ali, parado, e se deixar agredir pelos elementos. Tentou atravessar a rua correndo, a fim de se abrigar numa marquise fronteira. Mal iniciara as primeiras passadas, foi atingido na cabeça e caiu. Perdera os sentidos. Em menos de dez minutos seu corpo estava coberto de granizo, morrendo enregelado.

Vinte e cinco minutos depois, a chuva para, como por milagre. Mais um dos muitos que às vezes tardam, apesar dos merecimentos e das preces. Já era de manhãzinha. O degelo se dera rápido sem deixar uma só testemunha da tragédia. Um sol esplendoroso agora se levanta, a tudo indiferente, apesar da sua majestade.

A natureza praticara o crime perfeito, na pessoa daquele homem sem sorte.

“Na certa foi assalto”... disse a mulher magrinha que se espremia entre os muitos curiosos em torno do corpo inerte, ferimento enorme na fronte pálida; braços em cruz; como a querer a abraçar a Esperança, que não chegara para ele.

Nem chegaria, jamais.

Imagens da web

3 comentários:

  1. Um conto excelente, como costumam ser os do Sr. Rubens! Profundidade temática, sensibilidade, realismo...! Parabéns pela postagem, Francisco!
    Grata, Sr. Rubens!

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  2. Oi, tudo bem?
    Eu concordo com o que disseste em meu blog em relação aos casarões de Pelotas principalmente no ponto em que sugeres que a prefeitura revitalize prédios que chamam turistas. Mas, por exemplo, os dois castelos do Porto - não sei a quem pertecem - estão muito estragados e se não for feito algo urgentemente, irão vir abaixo.
    Eu dei a idéia para algumas pessoas de elaborar um projeto de revitalização para eles, até porque eu concordo contigo que lamentar não nos leva a lugar nenhum, mas como eu (ainda) não sou estudante de arquitetura, talvez me dê um pouco mais de trabalho. Tudo bem, não tem problema. Hehehe
    De qualquer forma, muito obrigada por visitar meu blog e expor tua opinião, é muito importante para mim. Volte sempre ok?
    Virei seguidora do teu.
    Abraço!

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  3. Muito interessante! dotado de um realismo impressionante.Nos faz pensar realmente,nos muitos casos que ocorrem sem solução por ai.Mas a solução para o caso está na maioria das vezes...além da nossa imaginação.Parabéns pela postagem.

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