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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pintando o sete no Sete de Abril

O cronista Rubens Amador recorda um episódio da infância, de uma época em que Pelotas tinha vários cinemas e eles ficavam lotados de crianças nas matinês.
O Sete de Abril é o teatro mais antigo do Estado, e foi o maior da cidade (uns 500 lugares) até 1921, quando aberto o Guarani; na época deste relato, já era centenário, e hoje se encontra fechado, sem data de reabertura.
A foto maior, de 2008, mostra o lado esquerdo dos camarotes.

O cinema da minha infância e juventude, bem como da maioria dos que foram guris em minha época, sem dúvida, foi o simpático Cine Teatro Sete de Abril, da Empresa XIS (Xavier & Santos).

As primeiras namoradas de “pegar na mão” (quando se pegava na mão da guria - depois que apagava a luz - é porque o namoro era “para valer”); as brigas na “saída”; as molecagens; os truques para entrar de graça; mas sobretudo os filmes inesquecíveis, não tanto por sua qualidade, mas pelo impacto que nos causavam naqueles momentos de nossas vidas, quase sempre aconteciam no velho Sete de Abril.

Ali vimos o “Máscara de Ferro” (1939), com Louis Hayward ; “Maria Antonieta” (1938), com Norma Shearer (dir.) e Tyrone Power; os seriados “O Aranha Negra”, “Flash Gordon” e vários filmes de “mocinho” e “mocinha”, como os de Gene Autry.

Eu tinha um amigo que residia no Hotel Brasil, pegado ao Sete de Abril, onde hoje está o Edifício Del Grande. O cinema, ao lado do hotel, tinha umas aberturas circulares enormes, que chamavam de “óculos”, nos camarotes, e que permitiam à ventilação ambiente, e ainda estão lá. Pois eu, o Célio Arruda, o amigo que referi, e mais outros que também moravam no hotel, e que descobriram a “mina”, subíamos próximo ao teto do hotel, e uma vez lá, alcançávamos os tais óculos. E dali, no “peito” e à socapa, assistíamos muitos filmes, de pescoço esticado, o qual, depois, doía um bocado.

São inúmeras as lembranças do velho Sete de Abril, e hoje vou pinçar uma muito engraçada (deverá haver muito coroa como eu para confirmar).

Era uma matinê dominical quentíssima. O Laranjal não atraía ninguém ainda, e assim as matinês ficavam lotadas. Naquele domingo, lá dentro, era uma sauna gigante. A maioria da gurizada, no verão, trajava roupas de cor branca, principalmente as meninas.

Pois não é que um moleque levou um pacotinho de anilina preta em pó e, lá da terceira frisa, com a cumplicidade do escuro, durante a sessão, calmamente foi esvaziando o conteúdo do pacotinho em cima da turma.

A “chuva” de anilina, caía sobre o lado direito do cinema, lá na área da frente. Os guris assoviavam entre os dedos, e as gurias saracoteavam na maior zorra naquele calor senegalesco; todo mundo suando em bicas; e, sem o saberem (dado a escuridão) boa parte estava toda tingida nas faces e mãos, sem falar nas roupas e vestidos brancos e claros, tudo manchado por aquela anilina preta que escorria, diluída no suor abundante do pessoal. As vestes ficaram na miséria; os daquele lado fatídico, por onde o pó foi se espalhando, ninguém escapou.

Em determinado momento, a irmã de outro grande amigo meu, o Jamar Coimbra, que era gordinha e tinha cabelos cor de fogo, vestida toda de organdi branco, foi “lá fora”, e o pessoal do cinema viu o estado em que estava a menina (parecia uma mineira de carvão), mandaram acender as luzes, interrompendo a sessão, e aí explodiam gargalhadas por parte dos que estavam nos camarotes ou longe da zona conflagrada, como eu. Os meninos riam, e as meninas se desmanchavam em choros convulsos; apontando-se uns para os outros e entremeando risos também. Eram todos só manchas negras! Nas faces, os riscos pretos eram como estalactites formadas pelo suor que escorria.

Aquela matinê foi inesquecível. Nunca, como naquele domingo, os “carros de praça” (táxis de hoje) faturaram tanto na saída de uma matinê, como aquela, que só poderia ter acontecido no Cine Teatro Sete de Abril, da nossa meninice naquele ano de 1937.
Imagens da web

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