O escritor galego confirmou que andava perto daqui e quis palestrar "em Pelotas" mas não conseguiu (leia aqui o relato de um blogueiro espanhol).
Em 2003, o professor Mario Osorio Magalhães publicou um artigo com a nobre intenção de resgatar os elementos culturais daqueles sarcasmos de Cela, e agora revisou seu texto e o envia como colaboração a este blogue sobre Pelotas.
Abaixo, veja uma foto da estátua que o município de Padrón, província de La Coruña, erigiu em 2004 a seu filho ilustre, autor de "La bola del mundo" e "Diccionario secreto".
Sobre um prêmio Nobel em Pelotas
Só conhecia por ouvir falar; nunca havia lido o texto que o escritor espanhol Camilo José Cela (1916-2002) dedicou a Pelotas, lá pelos idos de 1995. Mas um dia o meu caro e sempre lembrado amigo Gilberto Gigante enviou-me uma cópia do original, em castelhano, proporcionando-me a oportunidade de comentá-lo.
Trata-se de um artigo de jornal, e talvez o leitor esteja bem lembrado do seu conteúdo. Na ocasião, ele foi traduzido e reproduzido pela imprensa de Porto Alegre, com bastante destaque até, uma vez que o autor, estrangeiro e famoso (foi prêmio Nobel de Literatura em 1989), faz nele uma série de ironias com esta cidade que desempenhou a função, durante o século dezenove, de verdadeira – embora não oficial – capital da Província. Capital, entre outros detalhes (como, por exemplo, a diversidade étnica), em virtude de seu excepcional desenvolvimento urbano, econômico, político, social e cultural.
As brincadeiras de Cela referem-se a dois aspectos: às conotações etimológicas, bastante controvertidas, da palavra pelota em língua espanhola, e a uma das representações simbólicas que ainda hoje se associam à nossa cidade, no imaginário do Brasil.
No primeiro caso, a ironia gira em torno de um significado da expressão, que o nosso Simões Lopes Neto, em 1911, já classificava como forçado e tolo jogo de palavras: o de andar nu (em pelo, pelado), e traz embutida uma menção ao formato das glândulas sexuais masculinas — isto é, dos testículos. Daí o próprio título do artigo: “En pelota en Pelotas”. Depõe o autor, no corpo do texto, que a expressão “en pelotas”, com minúscula e no plural, embora incorreta, está sendo cada vez mais utilizada no idioma de Cervantes.
No segundo caso, remete-se — todo mundo sabe, nem é preciso que esclareça — à fama gay, uma notoriedade que, tenho certeza, para a maioria dos habitantes locais é exagerada e negativa. Então, diz que os afeminados de Pelotas (a tradução, quase literal, é minha) “triunfaram nos ambientes mais exclusivos de Nova Iorque, o que não é fácil porque a competição é muita, é tanta como a exigência dos consumidores, e a seleção, muito dura”...
O artigo em causa, porém, não é composto apenas de gracejos, mas também de equívocos e — para redimi-lo — de informações que considero valiosas.
São equívocas as afirmativas de que Pelotas é “um belo porto do estado brasileiro do Rio Grande do Sul”, com “refinaria de petróleo”. Vai ver, nem é um engano; quem sabe, no âmbito do seu realismo fantástico, Cela quis dizer, nas entrelinhas, que alguns rio-grandinos também conquistaram Nova Iorque...
Mas são valiosas, para o conhecimento da produção folclórica que Pelotas inspirou, no passado, duas quadrinhas que transcreve, transmitidas por um seu “companheiro de pretéritas farras”, parece que uruguaio. A primeira, sob a forma de milonga oriental, diz assim:
En Pelotas yo nací, / en Pelotas me crié / y en Pelotas conocí / a la que hoy es mi mujer.
A segunda, sob a forma de carnavalito andino, informa que
Pelotas es un estado, / un estado de Brasil, / mí tío que es brasileiro / va en Pelotas desde abril.
Camilo José Cela conclui esclarecendo que Pelotas não é um estado, imprecisão “que se deve compreender, porque o cantor não sabia”. E havia, antes, classificado como muito bons aqueles versos.
Não me parecem bons. Parecem-me úteis, mas pelo que já disse: confirmam que, por motivos de natureza muito nobre — sua qualidade de vida, física e espiritual —, Pelotas era bastante conhecida fora do Brasil, uma vez que foi o centro da região da Campanha e o eixo de ligação do Rio Grande do Sul com o mundo hispânico.
Do mesmo modo, já que me atrevi a julgamentos de valor literário, devo dizer: tampouco me parece ser este o melhor texto do premiado e finado autor. Mas para isto já me havia alertado, na correspondência que acompanhou a cópia, o notável cronista bissexto, meu caro ex-colega e sempre lembrado amigo Gilberto Gigante.
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