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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Palavras de presente para uma cidade balbuciante

A Professora Loiva Hartmann abriu com sucesso, na sexta 6 de julho, a exposição de poemas ilustrados "Somos a chave de tudo, ou não?". As palavras da poetisa, que mora na Princesa do Sul há muitos anos, são expressamente dedicadas aos 200 anos da cidade. Mostram que quem ama vê o coração mais profundo, e pode com razão criticar o defeito do ser amado, para vê-lo mais feliz e mais próximo de sua essência.

Na foto acima, tomada no Bistrô da SECULT, o poema "Caos" (clique nas imagens para ampliar), com o pátio do Casarão ao fundo. No desenho de Élbio Porcellis (1996), uma mulher nua se desfaz ante um relógio derretido: o tempo inclemente decepcionou as expectativas de um amor eterno. Mas a vida continua, com sua dureza e impiedade.

Os dois textos seguintes parecem contradizer-se, mas se referem a dois sentidos de uma palavra. O jogo verbal é válido para esclarecer falhas de nosso desenvolvimento como pessoas e como cidade (seja o crescimento ocorrido no passado ou o possível no futuro).

Ora somos cegos ante o próprio Eu espiritual (chave de tudo e caminho para a divindade), ora enxergamos nada mais que o Eu narcísico (por contraste com os demais seres humanos à nossa volta).

Somos a chave de tudo... ou não?

Este, chora o amor que perdeu.
Esse, o amor que não viveu...
Aquele, lamenta tudo o que não creu...


Estamos sempre a mendigar de Deus,
a pedir a Deus,
a esperar de Deus...

Só não olhamos o próprio eu.
Chave.


Dos Pronomes Pessoais

Eu
Tu
Ele
Nós
Vós
Eles

Tão simples e completo.
No entanto, ainda não passou de analfabeto
o ser humano: está ainda no "eu".


Vê pouco? Ouve mal?
Tem atrofiado o cérebro?

Ou está desregulado?

O que realmente aconteceu
para que o Homem, até hoje,
não conseguisse enxergar nada além do eu?

Desta atrofia é direta consequência
o mundo e sua violência.


Os poemas ficam expostos até 30 de julho. A inauguração foi comentada por outro escritor gaúcho, também radicado em Pelotas, o Professor Jandir Zanotelli. Leia abaixo um extrato de seu artigo, publicado no Diário da Manhã de segunda-feira (16).

Palavras Gagas

Noite fria. Chuva fina. Minuano. Inclemente. Mas lá estavam os amigos de Loiva, colegas, familiares e a Academia Sul-Brasileira de Letras: a presidente Maria Beatriz Mecking, a secretária Wilma Mello Cavalheiro, a tesoureira Marísia de Jesus Vieira e a presença marcante de Lígia Antunes. Dentro da briga por sua saúde, esta lutadora incansável e querida deu àquela festa o tom da profundidade literária e de amizade bem merecidas por Loiva.

De parabéns Loiva. De parabéns Pelotas. De parabéns a literatura costurada com nossas palavras gagas. A palavra do homem, a poesia do homem é sempre gaga, recordando a bela imagem de Moisés. Nunca sai limpa, pronta, acabada, nunca definitiva, absoluta, total. É sempre insuficiente para dar conta do sentido da vida e das coisas. Apenas prenúncio. Sempre ensaio, tentativa e tentação.

A narração da história de Pelotas, em seus duzentos anos, também é gaga. Que bom! Há espaços para múltiplas vozes, múltiplas escutas que nascem do silêncio de nosso deserto e da sarça que arde em seu seio sem jamais se confundir. Convocação, apelo, promessa, esperança para construir um novo mundo.

Jandir Zanotelli

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