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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O Bilhete (II)

O cronista Rubens Amador escreveu, em setembro de 1979, um conto em 4 capítulos, chamado "Histórias da Guerra", ambientado em 1940, ano de grandes tensões em Paris, capital da França e da cultura ocidental. 

Esse conto é agora reeditado neste blogue, em forma de um folhetim em 12 capítulos, com o título de "O Bilhete". A primeira parte foi publicada ontem (leia aqui). Siga o suspense no capítulo a seguir. 


II  Tradutores traidores

Afastou a cadeira olhando em direção da moça, quando notou que esta se perdia na multidão que ia e vinha. Ainda correu para alcançá-la, mas a perdeu de vista.

Restava-lhe, porém, o bilhete que viera impregnado de delicioso aroma – pensou – e que, por certo, traria algum endereço ou referência.

Voltou à sua mesa e chamou o moço que servia, entregando-lhe o bilhete aberto, e por essa comunicação universal, da qual Marcel Marceau é mestre inigualável, a mímica, fez entender que desejava saber, ansiosamente, se havia endereço no bilhete.

O homem piscou-lhe marotamente, e acenando com a cabeça levou a mensagem aos olhos, começando a lê-la.

Nosso jovem patrício aguardava, cheio de alegre ansiedade, quando notou que a expressão do garçon se tornava grave. Extremamente grave.

Nisto o homem fechou o bilhete, nervosamente, e começou a vociferar em francês, olhando-o com raiva, enquanto com a mão lhe era dado entender que se fosse dali.

Atônito, nosso personagem tentou pagar sua despesa para retirar-se, mas o outro negou-se a receber, só queria que ele se fosse o quanto antes, se fazia claramente entender pelos frenéticos movimentos de mão.

Mergulhado no fluxo de pessoas que passavam de cá para lá, sobre as amplas calçadas, completamente aturdido com a inusitada cena, vivida com aquele garçon que, pensava agora, não podia ser muito certo da cabeça.

E lamentava-se por não ter sido um bom estudante de francês no Ginásio, para poder retrucar no idioma daquele serviçal mal-educado, dando-lhe um troco verbal à altura.

Já mais calmo, lembrou-se do maitre do Hotel Lafayette, onde estava hospedado, um italiano gordo e poliglota que já trabalhara na América do Sul, segundo lhe contara em impecável espanhol. Ele seria o tradutor perfeito para aquela carta que guardava ainda esperançoso, no bolso de seu colete cinza.

Chegando ao hotel foi direto procurar o volumoso italiano, e já lhe explicava tudo que acontecera no café, despertando assim a curiosidade do maitre, que se confessava ansioso também por saber o que dizia aquela carta.

Assim que a mesma lhe foi passada às mãos, acercou-se do abat-jour que estava sobre o balcão de recepção. Havia um discreto sorriso de malícia na expressão do italiano.

Mas à medida que o funcionário do hotel tomava conhecimento do assunto contido no bilhete, sua fisionomia também se fechava e tornava inamistosa.

Inteirado do conteúdo da mensagem, enquanto o seu hóspede o observava angustiado, o italiano dobrou a carta, devolveu-a e disse quase grosseiramente ao seu interlocutor:

— Saia do hotel imediatamente!

— Mas... —tentou atalhar o destinatário daquela maldita mensagem.

— Saia já do nosso hotel! Se não, chamarei um gendarme —, repetiu o maitre, desta vez mais asperamente.


Continua amanhã (parte III). 
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