Este é o último post do Amigos de Pelotas, que encerra atividades nesta quarta (19/12).
[...] Depois de idas e vindas, muitas hesitações, decidimos que o Amigos de Pelotas vai deixar de existir. Seu falecimento ocorrerá no princípio de janeiro. Dias depois nascerá outro espaço, com outros nome e eixo editorial.
Felizmente, minha disposição para começar no novo projeto é maior que a saudade que já sinto do Amigos de Pelotas.
Foi uma experiência inesquecível para mim. No fim das contas, a jornada, iniciada lá em 4 de abril de 2008, até que foi divertida. Abração.
Com essas palavras, o blogue noticioso-satírico Amigos de Pelotas parou de publicar esta quarta (19), após 4 anos e 8 meses e meio na internet. Estava nesse dia com cerca de 4 milhões 670 mil acessos e segue mantendo a média de uns 2 mil por dia. Rubens Amador Jr. anunciou que tirará o blogue totalmente do ar em janeiro e abrirá a seguir um novo sítio jornalístico, com linha editorial ajustada às razões que o levaram a fechar o projeto do Amigos.
As principais razões para este corte foram as seguintes, em suas palavras: "Pelotas mudou", haja vista os resultados das eleições municipais e na reitoria da UFPel, e "eu mudei", aludindo a perdas e decepções pessoais recentes. Com essa renovação de dentro e de fora, o estilo ultracrítico do blogue deixa de ser funcional ao amadurecimento. Algo assim como um adolescente revoltado e combativo que precisa mudar de roupagem quando consegue evoluir na direção do repouso e do equilíbrio.
Outros dois motivos que não mencionou são a incomodidade com o modelo de blogues do Google, com limitada capacidade (centenas de posts vinham sendo deletados desde 2008, de um total ao redor de onze mil postados até hoje), e a permanente agressividade de uma ala do público leitor, amarrada à fase rebelde e que, paradoxalmente, impede as melhorias mentais e sociais. Este grupo foi comparado por um ex-colunista com um "bando de moscas esvoaçantes", persecutórias e onipresentes. Trazer a Pelotas tantas críticas, nojos e perplexidades foi como mexer num ninho de vespas.
O Blog do Noblat indicou o Amigos de Pelotas em 2010 |
Amigos,
depois de 22 anos morando fora de Pelotas, resolvi voltar. Transito pelas pedras da cidade há um mês, um pouco perplexo com a paisagem.
Algumas cenas me parecem surreais, como as matilhas de cães abandonados que vagueiam pelas ruas, sob olhares complacentes, como se vacas fossem e estivéssemos habitando em Bombaim. 4/04/2008 11:25:00 AM
Um mês depois (14-5-08), o mesmo espanto com a decadência e o abandono evoluiu para uma postagem com humor e uma imagem ilustrativa (abaixo), inclusive autoalusiva aos pelotenses que retornam e à cidade decadente que atrai mendigos.
Cães de todos os lugares migram para Pelotas
Assim que perceberam que, em Pelotas, a prefeitura e boa parte da população tratam os cachorros como se fossem vacas sagradas da Índia, uma matilha interminável de cães de vários pontos do País se vem deslocando para a cidade.
No momento, encontram-se nas imediações de Camaquã, mas logo estarão desfilando ou dormindo no calçadão.
No momento, encontram-se nas imediações de Camaquã, mas logo estarão desfilando ou dormindo no calçadão.
Com o tempo, o blogue publicaria longas entrevistas e reportagens, além de reiterativas denúncias contra as pequenas e grandes corrupções dos governantes e dos habitantes. Com maior ou menor acidez, a ironia e o sarcasmo marcaram a linha editorial, deixando em segundo plano a gentileza e o carinho pela cidade que nos viu nascer e crescer.
Junto com diversos colaboradores que assinavam com seus nomes, ou mesmo com pseudônimos, o incansável editor expressou suas críticas mediante personagens por ele criados, com inspiração em pelotenses: Lolita Naja, o cachorro Arrastão, o sábio João, o ponderado Sérgio Estanislau (homenagem a Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta), o colunista Pelotino, o bobão Jocilei e outros. Escritores reais e fictícios agora se calam e ficarão arquivados na memória pessoal e coletiva, para que novas vozes surjam.
O colunista Pelotudo D'Almas, atualização do Conde Drácula (na imagem do ator Bela Lugosi) ilustrou a elegância centenária e o hipócrita oportunismo dos ex-ricaços locais que o editor, pelotense de nascimento, de coração e de criação, quis satirizar para abrir os olhos dos leitores (o artigo abaixo saiu em 18 de abril de 2012). Ele volta ao caixão subterrâneo de nosso inconsciente, para de vez em quando assombrar nossos sintomas sociais e nossas eventuais autocríticas. Mas a cidade seguirá no divã, em interminável análise.
Se todo esse esforço e talento não transformaram a cidade totalmente, pelo menos geraram reações dentro e fora de Pelotas, na esquerda e na direita, entre universitários ou donas-de-casa, na internet e em veículos impressos, inclusive dando origem, indiretamente, a outros blogues, como o Cultive Ler, os escritos de Cláudia de Lira e este próprio "Pelotas, Capital Cultural", vozes que dão tons diversos no coral de uma cidade que busca reinventar-se e redefinir os pesos de seu passado.
Chupar sangue é uma arte
Pelotudo: 200 anos chupando sangue alheio |
Pelotudo D'Almas
Para o Amigos
Como você sabe, tenho a idade de Pelotas. Na verdade, sou um pouco mais velho, já que nasci em outras paragens abastadas. Logo, há mais de 200 anos eu vivo de chupar o sangue dos outros.
Sempre me dei bem nessa minha incontrolável obsessão. Nunca fui apanhado. Em dois séculos, jamais conseguiram enfiar uma estaca no meu coração, apertar um crucifixo contra o meu peito ou me surpreender com um jato de luz do sol. Uma vez um promotor do Ministério Público tentou, mas não conseguiu me enrolar num cordão feito de alho.
A necessidade fez com que eu aprendesse a me defender. Logo assimilei uma lei importante na vida de todo vampiro: "Primeiro eu, depois eu, depois os outros".
Nem mesmo em minhas viagens a Paris e a outras capitais desse mundo louco eu deixei de cravar meus afiados dentes nos pescoços disponíveis para chupar minha cota diária de sangue, que tanto me faz bem.
Sou um vampiro em paz com minha condição. Pouco a pouco imprimi método à minha rotina alimentar, procurando fazer de cada sugada um momento de arte. Esse rigor me transformou num aristocrata, algo que refinei quando mudei-me para Pelotas. Aqui aprendi que chupar sangue pode ser uma virtude.
Em toda minha longa vida, por exemplo, nunca fiz como esses vampirinhos emergentes de hoje, que denunciam a proeminência de seus pontiagudos caninos por causa de seu deslumbre, alumbre ou desbunde, tanto faz.
* Pelotudo tem mais de 200 anos. Gosta muito da cidade. Sempre que pode, brinda a ela com Bloody Mary. Mora num caixão hidráulico, no subsolo do Mercado Público.
O Amigos de Pelotas é (era) um excelente espaço de divulgação/críticas das coisas locais. Sua partido é de se lamentar. Porém, deve-se registrar que seu editor e equipe não gostavam que a mesma capacidade crítica que aplicavam às coisas de Pelotas fossem dirigidas ao blog. Assim, considerar que qualquer questionamento à linha editorial/posts do blog fosse uma reação conservadora, é partilhar/reforçar de muitas das "características" procedentemente lamentadas na cultura local.
ResponderExcluirAo parecer não se trata de uma "partida" mas de uma transformação ou evolução. Com outras características e outro público, o sistema pode continuar com novas forças. Eram os próprios leitores que pressionavam pela continuidade da crítica, além de estar na autodefinição do blogue. E a crítica unidirecional também não é fácil sustentar.
ResponderExcluirUm bom jornalista cuida de suas fontes, mas também precisa cuidar de seus "alvos". Se estes desaparecem, é preciso encontrar novos. Mas o que realmente obrigou a mudança foi a limitada plataforma do Blogger.
Há exatamente 3 anos, o sítio "E-Cult" falava de três grandes meios virtuais jornalísticos. Desses, agora só resta um. Até que seja aberto o novo site de Rubens Amador Jr.
ResponderExcluirV. www.ecult.com.br/noticias/diario-popular-amigos-de-pelotas-e-agora-pelotas-mais
Há uma semana, o blog-jornal Caderno 7, que cobre São Gabriel e a metade sul gaúcha, anunciou o fechamento do Amigos.
ResponderExcluirSem saber dos motivos de Rubens Filho, o jornalista Marcelo Ribeiro disse que lamenta mas respeita a decisão do colega de Pelotas.
www.caderno7.com/2012/12/amigos-de-pelotas-saira-do-ar.html
Caro Francisco, leio o artigo agora, e agradecemos pelo destaque. E admitimos que nosso surgimento - tínhamos outro projeto, chamado Contexto Online, que aos dois anos, foi extinto pela mesma razão que o Amigos, pela necessidade de transformar e mudar - e evolução na blogosfera foi graças ao Amigos de Pelotas, que nos inspirou a criar um blog na mesma linha de noticiar. Ainda estamos nos ajustando, após dois anos de blog e quatro no total, mas agradecemos ao Rubens por inspirar tanta gente a entrar neste meio aberto e sem amarras como a internet. E que acabamos sendo por muitas vezes, fontes para a imprensa tradicional. Que o novo projeto do amigo Rubens possa dar tão certo como foi o Amigos.
ResponderExcluirAtt,
Marcelo Ribeiro
Editor do blog Caderno7
Jornalista MTB/RS nº16.649
Pois é, Marcelo, agora é o Amigos que dá um passo adiante. Os leitores ainda não percebem isso, somente a ausência das postagens diárias (e chegavam a ser dez por dia).
ResponderExcluirO leitor também não aceitará o desaparecimento de todas as postagens antigas, perder-se o registro daquelas lembranças. O que o editor quer ensinar aí é o desapego e o saber demolir o que é velho e não serve mais. Faz em si mesmo o que seria uma metáfora da cidade: destruir o velho prédio para construir um novo. Será válido destruir? Alguns gostam de preservar e lembrar. Mas se traz más lembranças, as raivas levam à demolição.
Foi o que fiz com o primeiro blog que tinha. Na época, também tive resistências sobre a acabar com o primeiro projeto, que considerei estar muito "caseiro" e que como estava, impedia uma expansão do blog. Ele tinha sucesso, mas chegou a um momento que não avançaria como estava, gostaria de servir não só minha comunidade mas toda a região e a Metade Sul, como é a proposta do blog atual.
ResponderExcluirComecei do zero novamente, percorri um longo caminho e hoje, consegui consagrar o blog como um dos três mais votados do Brasil no mesmo prêmio que concorro junto com o Rubens, o que foi surpreendente para mim. O nome Caderno7 tem toda a simbologia ligada a imprensa e ao autor, e algo me dizia que precisava mudar. Não é de minha crença, mas dizem que Shiva, o Deus indiano, era o destruidor para que o novo surgisse, não era? Os leitores não aceitam no começo, mas acabam se adaptando. O Amigos fez muito pela cidade, mas senti que o Rubens queria mudar e começar de novo. E a decisão é válida, por que ousa e avança.