Serginho Ross em 1983 |
Serginho ficou em Pelotas até inícios de 1964. Posteriormente, dirigiu sucursais da Manchete em Porto Alegre, Rio e Brasília. Nestes 50 anos, ele já viu coisas tão fantásticas, que parecem irreais, mas, como bom jornalista, ele faz um relato fantástico de fatos reais. Por exemplo, a vez em que ele descartou um novo cronista.
O Justino Martins era tio do Luís Fernando Veríssimo. Ele veio em uma ocasião a Porto Alegre. Conversando comigo, disse que tinha um sobrinho, que estava começando a escrever e que era muito bom. Como achou que eu duvidasse, me disse: “O guri é filho do Érico Veríssimo...”. Continuei com cara de dúvida. Mesmo sendo, como sou até hoje, o maior fã do pai dele, não quis [um estranho] na minha equipe.
Me arrependo? É claro que me arrependo. Até hoje, nunca cheguei perto dele, com medo de apanhar. Mas no fundo, no fundo mesmo, acho que agora ele vai me agradecer. Se tivesse ficado na Manchete, estaria desempregado como eu. Mesmo assim, vai aqui o meu pedido de perdão ao Luís Fernando e o meu muito obrigado por eu poder lê-lo diariamente. (Pô, este lê-lo aqui ficou bom, néee?)
Ross e Marlene Galeazzi (2011) |
Esta crônica foi copiada sem correções, para transmitir o sabor daqueles textos, que eram escritos na pressão do horário, sem revisar. Somente foram acrescentados subtítulos. Foi escrita em 2008, desde Brasília, e publicada em 2010 no blogue de Olides Canton.
O título foi posto por Sérgio, para chamar a atenção do leitor, mas o texto exalta o Diário Popular, do qual o autor ficou mais fã que da Última Hora. Assim talvez possa pagar parte do mal que causou.
Um jornal que começou num galinheiro
O ano de 1960 estava chegando ao fim. Um cheiro de crise política estava no ar. [...] O jornal Ultima Hora,do Samuel Wainer, era um sucesso no meio jornalístico do país. Estava circulando em Porto Alegre, onde enfrentava a dura concorrência dos jornais da Caldas Junior, o Correio do Povo e a Folha da Tarde. Eu era repórter esportivo.
O Samuel Wainer, nas suas loucuras, estava lançando jornais pelo Brasil inteiro. No sul, pretendia lançar a UH em Caxias do Sul, para concorrer com O Pioneiro e em Pelotas, para concorrer com o Diário Popular e com o seu vespertino, a Opinião.
Aí o Neu Reiner e o Nestor Fedrizzi que comandavam aí em Porto Alegre a Ultima Hora, mais com pena de mim do que preocupados com a minha competência, me chamaram e disseram: tu és o homem para dirigir a Ultima Hora na região sul.
É claro que levei um susto. E eu sabia o que era dirigir um jornal? Eu sabia era conseguir noticias do Grêmio para as páginas de esporte.
O nome do jornal extinto foi pintado por cima, mas, como tem letras em relevo, segue legível há 50 anos. |
Como montar um jornal com ajuda do inimigo
Logo que cheguei em Pelotas comecei a montar a minha equipe e inocentemente, a primeira coisa que fiz, foi procurar a redação do jornal o Diário Popular. Lá, conheci uma grande cara – diretor do jornal, que pertencia a família Fetter – era o Clair Rocheffort que me disseram,dias atrás, está com 80 anos, sendo que 60 desses anos, passou dentro do Diário,ali na rua Quinze de Novembro,bem no centro de Pelotas. Fui lá, pedir a ele que me indicassem gente para eu contratar.
Hoje me dou contra da minha ingenuidade.
O Clair, achou meio estranho, mas mesmo assim, colocou a redação do Diário a minha disposição. Imagina, ir na casa do inimigo pedir apoio. Mas ele me deu esse apoio e eu contratei algumas pessoas como o Wilson Lima,um dos melhores fotógrafos que eu já conheci e filho de um outro grande fotógrafo do Diário, o Ramão Barros.
Bavária existe até hoje |
E assim comecei a montar a redação do jornal que começou a circular imediatamente.
Nós mandávamos os texto de ônibus para Porto Alegre por volta das 18 horas e no dia seguinte, às seis da matina, íamos para a rodoviária esperar a edição da UH/ Pelotas. Foi um sucesso. Mas eu, ainda inocentemente,não tinha avaliado o mal que estava fazendo para os companheiros do Diário Popular.
À noite, antes de ir para o Bar Bavária onde eu gostava de beber o melhor chope do Brasil e comer o melhor sanduíche aberto que já comi, passava na redação do jornal para conversar com o Clair. Aí fui conhecendo a história do Diário.
O galinheiro dos inícios
O jornal que agora completa 120 anos de existência, começou por incrível que pareça,dentro de um galinheiro. Claro que vai aqui, um pouco de exagero mas muito carinho. É que apareceu na redação do jornal, que dava os seus primeiros passos,uma pessoa oferecendo a venda de uma impressora que, servia, acreditem, como poleiro de um galinheiro numa fazenda nos arredores da cidade. No fundo,nunca fiquei sabendo como essa impressora foi parar nesse lugar tão feio.
O fotógrafo que ficou em Pelotas e a teleobjetiva de papelão
Mas o jornal cresceu. Tornou-se o jornal sério e respeitado que é hoje, na zona sul do nosso estado.
Nesse jornal,além do Clair, conheci gente fabulosa. Por exemplo: o Wilson Lima, que não quis ir para o Rio comigo,trabalhar na Manchete. [v. nota sobre Wilson Lima]
Conheci o velho Ramão Barros,pai do Wilson,que fazia milagres com uma maquina toda amarrada com arames e e fitas durex. Na espera de um eclipse lunar, o seu Ramão, que já tinha ouvido falar que existiam nos departamentos fotográficos de jornais mais modernos do país, um equipamento chamado teleobjetiva. Esse canudo, aproximava mais a imagem das velhas máquinas tipo caixão que os fotógrafos usavam.
Seu Ramão não teve dúvida. Foi para a oficina, apanhou dois tubos de papelão que vinham nas bobinas do papel do jornal e ao seu modo,não sei como,criou a primeira tele-objetiva de papelão. Não sei o que ele fez. A verdade, me contava o seu filho Wilson, que a tele funcionou e o seu Ramão, conseguiu fotos maravilhosas como só ele conseguia fazer.
O único dia em que o Diário esgotou
O jornal tinha uma tiragem diária de 4 mil exemplares. Mas não vendia tudo, porque alguém da circulação, desviava 2 mil exemplares para vender como papel velho. Um crime. Mas um dia, os 4 mil foram esgotados em poucos minutos depois de terem sido colocados nas bancas. É que a turma da oficina resolveu brigar com o colunista Carlos Alberto Motta, um ícone do colunismo social no sul.
O Motta, muito cuidadoso, exigia que a paginação de sua coluna saísse como ele queria. Isso irritava a turma da oficina. Aliás, esse problema sempre aconteceu em todas as redações. As brigas dos repórteres com a turma da gráfica era uma constante.
A turma da oficina, para se vingar do Motta, resolveu acrescentar, no final do texto da coluna, o seguinte: Seu fresco (fresco era o que ninguém gostava de ser chamado no sul), vai pra puta que te pariu... O texto passou pelo revisor, que também resolveu participar da vingança, deixando que a coluna fosse impressa.
Resultado, assim que o jornal estava nas ruas e os leitores leram a gracinha sem graça dos gráficos, o jornal ficou esgotado em poucos minutos.
Não foi bonito isso,mas história é história.
Gente de todos os partidos
Chiarelli e o prefeito Ari Alcântara (1973-1977) |
Lá na redação do Diário conheci gente maravilhosa. Profissionais competentes como o repórter Carlos Alberto Chiarelli, que foi anos depois, ministro do Fernando Collor.
Conheci o Bachieri Duarte, que mudou-se para Porto Alegre [v. nota sobre José Bacchieri Duarte].
Conheci o Ubirajara Tim, que acabou em Brasília, ocupando importantes cargos no governo Geisel.
Conheci o Irajá Nunes,o Mirim. Um craque como repórter policial. Meu pessoal fazia marcação cerrada sobre ele, para não serem furados.
Felipe Gertum e Curvello, anos 90 |
O Curvelo estava na Câmara de Vereadores, que ficava na Prefeitura,quando um capitão do exército, do Nono Regimento de Infantaria, avisou ao Presidente da Câmara, que estava ali, com a sua tropa para prender o Curvelo. Disse, não muito amistosamente, que se os vereadores não entregassem ele, muitos outros vereadores seriam também detidos.
É claro que os companheiros, depois de entregarem o Curvello, correram para ver a saída do herói. O Curvelo, quando chegou na porta do carro, que ia transportá-lo para o quartel, olhou para os vereadores debruçados na sacada, levantou os braços e todo mundo ficou esperando um discurso histórico. Ele olhou firme para a sua turma e lascou:
Getúlio... (Getúlio Dias,anos depois foi eleito deputado federal pelo partido de Brizola) joga daí a minha “buena.”, que era como ele chamava a sua boina.Anos depois, encontrei o Curvelo, exilado no Uruguai,como lavador de pratos em um restaurante da cidade. Um grande cara. Que saudades desses comunistas... [v. citação ao jornalista José Edgar Curvello, que foi vereador suplente, e faleceu em janeiro de 2001]
Mestre da fotografia não gostava do Diário
O fotógrafo Santos Vidarte, trabalhava na Caldas Júnior. Era o cobrão da fotografia e também era professor na URGS. Numa de suas aulas, resolveu fazer uma crítica ao Diário Popular. Disse que o jornal pelotense, era um exemplo de que,como não se devia fazer um jornal. Santos Vidarte foi infeliz nessa sua aula. Ele não conhecia bem o jornal de Pelotas. Mas tenho certeza, conhecendo o Santos como eu o conheci, que ele se arrependeu do que disse. Ele não era pessoa de fazer esse tipo de comentário.
Que saudades dos tempos que vivi em Pelotas e era obrigado acordar bem cedo para ler o Diário, que estava ainda quente, recém saído das barulhentas rotativas, para saber se não tinha sido furado. Muitas manhãs sofria, porque era furado seguidamente.
Sergio Ross
Que bacana reportagem, fala do meu bisavô o Curvello, muito bom ler algo sobre ele.
ResponderExcluirOs jornalistas relatam as histórias de uma cidade. Neste caso, o texto de Ross foi transcrito do blog de Canton.
ResponderExcluirFaltou dizer quem financiava o Samuel Weiner, um dos seres mais nefastos das historia deste país.
ResponderExcluirMuito interessante ler essas duas memórias do Ross sobre sua passagem pelo jornalismo pelotense com a UH. Bons tempos, belos escribas...
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