No campo, o tempo parecia distender-se. Os que viviam ali, os gaúchos, tinham a lentidão das plantas, falavam em espaços, o olhar sempre adiante. No horizonte aberto, onde tudo era exposição, os animais confundiam-se com as pedras. Era o presente adormecido nas coisas.
Diante dele, minha quietude revelava-se uma variante branda da impaciência. É preciso parar nas coisas para perceber devidamente o presente, e eu não sabia direito como fazê-lo. Suprimida a agitação da vida na cidade, restava a evidência de que eu nunca me permitira parar, nunca daquela maneira. Eu estivera evitando o presente o tempo todo em toda parte.
[Vitor Ramil, "Satolep", p. 157]
O presente adormecido das coisas terminou por se acomodar em minha quietude, que, por sua vez, abriu ao tempo distendido do campo o meu tempo todo em toda parte.
A consequência direta disso foi que, concluídas as filmagens, ao nos aproximarmos de Satolep em nossa viagem de volta, deixei-me atrair por uma casinha solitária erguida sobre pilotis na planície onde corre o Canal de São Gonçalo. Sua forma muito elevada destacava-se como mágica naquele terreno de vegetação predominantemente baixa e parelha, sobre o qual o céu era um domo perfeito.
[ p. 159]
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