Após deixar pela metade o curso de Jornalismo na UCPel, ela já foi modelo, Miss Rio Grande do Sul, Miss Bumbum Internacional, atriz de novela na TV Record, cantora pop. Tudo isso em menos de dez anos (veja a história dela no post Melanie Fronckowiak, de modelo a ídolo). Hoje ela é apresentadora na TV Band, noiva de Rodrigo Santoro, autora de um livro de poemas, e ainda planeja ser mãe em 2015.
Numa de suas crônicas mais recentes, Melanie faz um paralelo entre a penumbra de uma sessão de cinema, propícia para o amor a dois, e o invisível "escurinho" da intimidade pessoal, chave para o amor a si mesmo. Saiu no Diário Popular no sábado 22 de março de 2014.
Cinema. Sessão do meio da tarde. Filme ruim. Entro com a minha tradicional água com gás e um pacotinho de balas de iogurte.
Acho o hábito do cinema solitário genial. Ninguém para comentar alto sobre o filme ou para remexer os pacotes de plástico até conseguir enfim chamar atenção. Nada de vergonha alheia muito próxima de você.
O único problema disso é que sempre há alguns outros solitários que acham que essa é uma grande oportunidade de encontrar uma alma gêmea. Outro alguém que também vai ao cinema sozinho, não necessariamente por opção, e fica te olhando como quem diz: "E aí? Que tal juntarmos a nossa autossuficiência nesse escurinho desacompanhado e refrigerado?"
De verdade, vou ao cinema sozinha, porque acho a minha companhia ótima e porque é incrível não depender de ninguém para fazer coisa nenhuma. Mas nessa tarde o cinema era praticamente meu. Um casal de idosos estava sentado bem no meio da sala. E eu aproveitei a intimidade estabelecida pela quantidade de pessoas e fiz a linha "civilizada no elevador", compartilhando um simpático "Boa tarde", que foi devolvido com a mesma educação, sem considerar uma dosagem de espanto. A educação anda como o tomate, há alguns meses, inflacionada no mercado, enquanto antipatia e grosseria estão sempre em promoção.
Percebi que o casal comemorou a minha presença e depois entendi o porquê. O senhor fazia contas, "faltam mais dois", ele tentou sussurrar. Confesso que nem sabia que havia um mínimo para que o filme pudesse ser rodado. Mas, aparentemente, dentro do conhecimento dele, ainda precisávamos de mais duas pessoas. E ele foi fazendo a contagem, até que relaxou e percebeu que a programação daquela tarde estava garantida.
Depois continuou outros assuntos com a esposa. Ele falava alto, por mais que achasse que falava baixo. Quase um sussurro teatral, absolutamente audível e um pouco cômico, considerando a pequena quantidade de pessoas na sala do cinema. Falou de uma tal de Márcia, que andava de mal com um tal de Vítor. Teve uma crise de tosse, outra de riso. Ou uma de tosse e riso, mais ou menos combinadas.
Ao longo do filme o papo continuou amimado, comentavam, palpitavam alto sobre o futuro dos protagonistas, era como se estivessem em casa. Eu, obedecendo pateticamente o lugar marcado, estava sentada mais atrás e podia acompanhar a movimentação. A verdade é que o filme era péssimo (o que justificava a sala bastante vazia) e o casal de senhores tornou-se muito mais interessante.
Em certo momento, e não me perguntem o que acontecia na telona, observei o homem passando a mão em volta dela, acomodando seus cabelos grisalhos no seu peito. Pude ver pela silhueta iluminada um beijo carinhoso, antes de um novo ataque de tosse brusco e para o lado oposto.
Fiquei pensando no meu hábito solitário de frequentar salas de cinema quase vazias. E em como, na verdade, existem grandes personagens e suas vidas sentadas nas poltronas. A vida de quem vive pode ser tão mais interessante do que as histórias. Nós é que esquecemos de amparar o olhar nas frestas da realidade.
Foi a primeira vez que senti solidão num momento como esse. Não queria alguém para escorar a cabeça, queria um peito para escorar a vida e a história compartilhada em anos de caminhada conjunta. Queria alguém que respeitasse o meu silêncio e o escuro que carrego (todos carregamos) dentro de mim mesma. Não senti falta de companhia, mas de estar acompanhada. Que é parecido e, ao mesmo tempo, totalmente diferente. No primeiro, temos alguém por perto. No segundo, temos alguém por dentro. E dois num cinema escuro, viram um só. O amor é a arte de duvidar da matemática.
Acho o hábito do cinema solitário genial. Ninguém para comentar alto sobre o filme ou para remexer os pacotes de plástico até conseguir enfim chamar atenção. Nada de vergonha alheia muito próxima de você.
O único problema disso é que sempre há alguns outros solitários que acham que essa é uma grande oportunidade de encontrar uma alma gêmea. Outro alguém que também vai ao cinema sozinho, não necessariamente por opção, e fica te olhando como quem diz: "E aí? Que tal juntarmos a nossa autossuficiência nesse escurinho desacompanhado e refrigerado?"
De verdade, vou ao cinema sozinha, porque acho a minha companhia ótima e porque é incrível não depender de ninguém para fazer coisa nenhuma. Mas nessa tarde o cinema era praticamente meu. Um casal de idosos estava sentado bem no meio da sala. E eu aproveitei a intimidade estabelecida pela quantidade de pessoas e fiz a linha "civilizada no elevador", compartilhando um simpático "Boa tarde", que foi devolvido com a mesma educação, sem considerar uma dosagem de espanto. A educação anda como o tomate, há alguns meses, inflacionada no mercado, enquanto antipatia e grosseria estão sempre em promoção.
Percebi que o casal comemorou a minha presença e depois entendi o porquê. O senhor fazia contas, "faltam mais dois", ele tentou sussurrar. Confesso que nem sabia que havia um mínimo para que o filme pudesse ser rodado. Mas, aparentemente, dentro do conhecimento dele, ainda precisávamos de mais duas pessoas. E ele foi fazendo a contagem, até que relaxou e percebeu que a programação daquela tarde estava garantida.
Depois continuou outros assuntos com a esposa. Ele falava alto, por mais que achasse que falava baixo. Quase um sussurro teatral, absolutamente audível e um pouco cômico, considerando a pequena quantidade de pessoas na sala do cinema. Falou de uma tal de Márcia, que andava de mal com um tal de Vítor. Teve uma crise de tosse, outra de riso. Ou uma de tosse e riso, mais ou menos combinadas.
— Quanto ele vai levar para se atrever a me beijar? — Levei metade do filme mas finalmente pude pôr o braço. |
Em certo momento, e não me perguntem o que acontecia na telona, observei o homem passando a mão em volta dela, acomodando seus cabelos grisalhos no seu peito. Pude ver pela silhueta iluminada um beijo carinhoso, antes de um novo ataque de tosse brusco e para o lado oposto.
Fiquei pensando no meu hábito solitário de frequentar salas de cinema quase vazias. E em como, na verdade, existem grandes personagens e suas vidas sentadas nas poltronas. A vida de quem vive pode ser tão mais interessante do que as histórias. Nós é que esquecemos de amparar o olhar nas frestas da realidade.
Foi a primeira vez que senti solidão num momento como esse. Não queria alguém para escorar a cabeça, queria um peito para escorar a vida e a história compartilhada em anos de caminhada conjunta. Queria alguém que respeitasse o meu silêncio e o escuro que carrego (todos carregamos) dentro de mim mesma. Não senti falta de companhia, mas de estar acompanhada. Que é parecido e, ao mesmo tempo, totalmente diferente. No primeiro, temos alguém por perto. No segundo, temos alguém por dentro. E dois num cinema escuro, viram um só. O amor é a arte de duvidar da matemática.
Mel Fronckowiak
"Flagra" (1982), trecho do DVD "Multishow ao Vivo Rita Lee"
Fotos: Facebook (1), NaTV (2), Pó de Giz (3)
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