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domingo, 24 de maio de 2015

O grito de Tarzan, nosso herói ingênuo

Nos filmes, o amor e o heroísmo garantindo a felicidade.
No mundo real, a perigosa e implacável lei da selva.
Não faz muito, evocava com amigos os dias dourados de Johnny Weissmuller (1904-1984), o único e verdadeiro Tarzan das telas, que lotava os cinemas de Pelotas, como de resto os de todo o país.

Há muitos anos, guri ainda, lembro-me quão difícil era adquirir o ingresso para se assistir a mais uma aventura de Tarzan, Jane e Chita [1932-1948]. Pouco mais tarde, como convinha à lei da vida e da selva, a família se completou com a chegada de Boy (O Filho de Tarzan, 1939).

Foi na época em que não se havia descoberto a fila e a irracionalidade imperava: tirava primeiro o ingresso quem tinha mais força. Assim como na "lei da selva", as pessoas se empurravam, competindo, e ganhava o mais forte.

Só com a Segunda Guerra Mundial [1939-1945] as pessoas passaram a se organizar em filas: o último a chegar entrava na cauda. Assim os alimentos eram distribuídos nas zonas de conflitos. E o mundo passou a usar a fila como mais uma coisa da civilização.

Mas Tarzan valia esperar-se por longos minutos para se retirar o ingresso, na fila dos cinemas. Era quando aconteciam as "enchentes", como se dizia na época toda vez que surgia um grande filme, sucesso de bilheteria. E Tarzan e Jane eram sempre sucesso garantido.

O amor modelo de Tarzan e Jane (1934),
uma forma de driblar a tragédia social.
Me Tarzan, you Jane, balbuciava o Rei das Selvas com seu limitado vocabulário, apontando o dedo ora para si, ora para a mocinha. Foi o primeiro audiovisual das selvas. Tempos bons em que as pessoas se comoviam e vibravam com coisas simples. Criado por Edgar Rice Burroughs nos anos 1920, Tarzan representou toda uma época. Ainda não havia Superman, Hulk, Homem Aranha e muito menos a Mulher Maravilha.

Com profunda nostalgia evoquei aquele mito, que serviu de paradigma aos meninos de minha geração. Quem não subia nas árvores ou deixava de imitar o grito de guerra do inesquecível personagem?  Os meninos e o público de então "se amarravam" naquele homem destemido, de físico formidável (o ator era campeão olímpico de natação), que vencia os inimigos andando de cipó em cipó [v. filmografia de Weissmuller].

A família macaco nos cipós (1942):
na Guerra, os filmes de Tarzan eram anuais.
Tarzan era ingênuo e puro e assim amava sua Jane. Lutava contra os malfeitores que queriam destruir, aproveitando-se das riquezas naturais dos nativos, usando a sua ignorância. Bastava ele bradar seu grito que o tornou famoso e inigualável, e os animais da selva vinham correndo em seu socorro. Parece que podemos afirmar com tristeza: "Já não se fazem heróis como antigamente!".

Então evoquei o que alguns da roda também tinham assistido: certo dia, há alguns anos, a televisão apresentou Johnny Weissmuller, já velho, como recepcionista de um hotel famoso [trabalhou em 1973 e 1974 no Caesars Palace de Las Vegas; v. história completa, resumo no sítio DW, e vídeo abaixo de 1969, em inglês]. O repórter que o entrevistava pediu-lhe que repetisse o grito de guerra, que todos lembram, do personagem que encarnou como ninguém, desde os anos 30.

Solícito, o ex-ator resolveu atender o pedido e, num visível esforço, tentou repetir aquele grito cheio de vida, juventude e força que o fez único nas telas. Mas ouviu-se apenas um lamentável grunhido, que matou, naquele momento, desapiedadamente, dentro de muitos como eu, um herói que ainda estava vivo em minhas reminiscências. Nunca mais esqueci aquele grito triste e alquebrado que representou, para todos os saudosistas, o Canto do Cisne de um Herói, que levou consigo um tempo glorioso que não vai voltar nunca mais.
Rubens Amador
Diário da Manhã, 24-5-15

Brincando, Weissmuller tenta repetir o grito de Tarzan...
em vão, pois se tratava de um efeito de áudio, fabricado em estúdio.
Fotos: Pinterest

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Depois da chuva, as pessoas iam para o céu

Quando eu era criança, ao ouvir barulho nas alturas, entre carregadas e negras nuvens, minha mãe dizia: "Deus está arrumando a casa". Eu olhava para cima apurando o olhar, ansioso para ver alguma coisa se destacando no céu. 
Quando a tormenta passava, fixava-me nas nuvens brancas que se ofereciam à vontade de Deus. Meu pensamento nelas plasmava imagens de santos, anjos e de pessoas que, apressadas, punham escadas que se erguiam em direção às nuvens, nelas se perdendo.
Manoel Soares Magalhães
Facebook 30-1-15
Na ilustração (dir.), pintura naïve de autoria de Manoel, representando uma dessas visões do menino imaginativo que já pensava na vida e na morte, e no papel divino em relação às culpas e à dor humana. Como seria a casa de Deus? Quem estaria convidado a visitá-la?

O escritor e jornalista recorreu às artes plásticas como forma de narrar a história sentimental de Pelotas, que aos pesquisadores custa descrever. Há cerca de uma década, ele pinta, ao modo ingênuo, o lado escondido do sofrimento escravo no século XIX e o lado trágico da riqueza que deu fama à assim chamada Princesa do Sul.

Em 2015 Manoel se encontra em produção de novas pinturas, agora mostrando o universo literário simoneano, também alusivo a uma realidade social do século XIX pouco estudada pelos historiadores. Veja algumas de suas telas neste álbum de fotos, na Série Aparições, no álbum Obras à venda e em postagens deste blogue.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

IV Seminário sobre Fotografia

O programa do 4º seminário Fotógrafos Históricos aborda, além dos autores históricos (europeus, russos e norte-americanos), outras relações entre a história e a arte da fotografia. A primeira edição deste evento acadêmico realizou-se em junho de 2011 (v. cartaz). O segundo foi em julho de 2013 (v. programa) e o terceiro, em junho de 2014.

Um dos trabalhos de 2015 se refere à nossa cidade: "Fotografias dos Almanaques de Pelotas (1913-1935): indícios da condição feminina naquele contexto", de Paula Garcia Lima, professora da UFPel que publicou recentemente, na revista do Centro de Artes Paralelo 31, o artigo Memórias do gênero feminino e do trabalho a partir dos Almanachs de Pelotas 1913-1935 (clique no título para ler). Hoje mestre e doutoranda em Memória e Patrimônio, Paula já havia apresentado, no seminário de 2011, um estudo sobre fotografias do Parque Souza Soares.

Inscrições gratuitas no Centro de Artes (sala 301, Alberto Rosa 62) ou na hora do evento, 18h (Museu Leopoldo Gotuzzo, General Osório 725). O cartaz com o programa deste ano usou uma foto de 2009 da retratista americana Annie Leibovitz (v. Wikipédia).


Fonte: Facebook

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Veterano relembra guerra, 70 anos depois

O pelotense de 91 anos João Pereira da Silva é veterano do Exército brasileiro na Segunda Guerra Mundial. Em 1941, com 19 anos de idade, ele se inscreveu para o combate e foi enviado de trem para Rio Grande, de navio para o Rio de Janeiro e depois até a Itália. Diz que não matou ninguém, mas viu muita gente morta (v. reportagem de Diego Queijo para o Diário Popular, com fotos de Jô Folha; abaixo, vídeo de Leandro Lopes).

Dois conterrâneos nossos morreram nos combates de 1944, um dos quais foi homenageado com o nome da rua Pracinha Hortêncio Rosa, no bairro Areal (v. blogue da Academia Pelotense de Letras). De acordo ao jornal acima citado, Rosa era natural de Canguçu.


Na hierarquia militar, os "praças" são os suboficiais ou tropa sem graduação (v. Wikipédia); antigamente, a expressão se referia aos soldados que lutavam por contrato, fora da carreira militar (talvez por estarem ligados a uma zona ou "praça"). Os 25 mil brasileiros enviados à Segunda Guerra Mundial foram apelidados com o diminutivo "pracinha" (que fora daquele contexto poderia parecer pejorativo). A maioria eram simples recrutas, jovens, pobres e sem formação militar alguma.

Já finalizada a guerra, Vicente Celestino compôs a canzonetta romântica em dois idiomas "Mia Gioconda" (v. letra e música), dedicada aos pracinhas que haviam servido em território italiano, relatando o caso de um brasileiro que se apaixonou por uma loira da Toscana (e não napolitana como diz a letra). Em 1946 a música foi sucesso nacional, reeditado em 1996 como o tema de Jeremias (Raul Cortez) da novela "O Rei do Gado" (v. Wikipédia). Na vida real, o soldado apaixonado era o gaúcho João Pedro Paz, a noiva chamava-se Iole e o casamento já dura 70 anos (v. reportagem de Zero Hora em 2014).

A rendição da Alemanha em 8 de maio de 1945 nos lembra que o Brasil há 70 anos não participa em guerras com outros países. Desde então, só tem aumentado a violência interna, seja por motivos sociais, econômicos ou políticos.

POST DATA
29 maio 2015
O filme "Estrada 47", de Vicente Ferraz, tem como protagonistas (fictícios) alguns soldados brasileiros lutando na Itália, em episódio real nunca antes filmado. A estreia foi ontem (28-5) em Porto Alegre, no contexto dos 70 anos do fim da Guerra. Houve pré-estreia no Festival de Gramado 2014, onde obteve Kikito de melhor filme (v. nota de ZH).