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terça-feira, 29 de setembro de 2015

Mostra nº 300 do Corredor foi sobre Pelotas

Durante agosto de 2015 (precisamente, de 12-8 a 1-9), o Atelier Giane Casaretto voltou a expor, no Corredor Arte do Hospital da UFPel. Desta vez foram 19 pinturas sobre o tema "Pelotas", produzidas em anos anteriores no atelier.

As artistas são: a professora Giane Casaretto e as alunas Fernanda Tröger, Fátima Ferreira, Greice Brod, Heloisa Motta, Rosamélia Ruivo, Carmem Brod, Maria Helena Braga, Vera Holthausen e Clarice Silva (v. mais imagens no Facebook). O convite (dir.) mostra a criação de Giane, uma colagem livre de detalhes urbanos pelotenses, como a Fonte das Nereidas e o calçadão do Mercado.

Costumeiramente no primeiro semestre, o grupo trabalhava motivos relacionados com a Princesa do Sul e organizava, em sua própria sede, mostra alusiva à Semana de Pelotas, celebrada de 1 a 7 de julho. Desta vez, durante três semanas a exposição não foi feita na época de praxe, mas chegou a pessoas que nunca teriam ido a uma galeria de arte ou a um ateliê de pintura: trabalhadores do hospital, pacientes em tratamento e os visitantes dos enfermos.

Um detalhe especial nesta ocasião é que os trabalhos sobre Pelotas marcaram a 300ª (tricentésima) exposição de arte no Corredor do Hospital. O projeto de humanização foi iniciado no ano 2000 e completa 15 anos de atividade ininterrupta, mais precisamente na sexta-feira 18 de setembro (v. post de 2010 Dez anos do Corredor Arte).

Charqueada, de M. H. Braga
"Charqueada", de Maria Helena Braga, ilustra a antiga casa do Barão de Butuí, José Antônio Moreira, às margens do Arroio Pelotas. A construção ficou muitos anos abandonada e passou por reforma recentemente (a pintura ilustra o seu estado "antigo", até 2010 aproximadamente).

Sem tentar uma reprodução minuciosa da realidade, a artista conseguiu um distanciamento que sugere a idealização de um tempo ainda mais antigo que o observado, como que obnubilado por lágrimas. Potenciando a introspecção, ela trabalhou o reflexo na água, que remarca a ruralidade do local, afastado das luzes e geometrias do centro urbano. A tela de 50x70 custa somente R$90 mas terá grande valor afetivo para a maioria dos pelotenses, pois evoca a riqueza que deu fama à cidade, riqueza perdida gradualmente desde as primeiras décadas do século XX.

Rosamélia Ruivo pintou "Patrimônio: banco", outra emblemática face da tradição pelotense, tanto pelo lado arquitetônico como pela história econômica. Em tamanho menor que a tela descrita acima (40x50) esta tem o preço de R$80. Novamente devemos comentar: o valor de mercado seria pelo menos dez vezes maior, se fosse apregoado ou oferecido em leilão.

Em 1928 o Banco do Brasil inaugurou esta imponente sede, defronte à Prefeitura Municipal, com a qual compete, até hoje, em solenidade e sofisticação. As duas instituições representam o poder imperial do século XIX: esta última aloja o governo político, inicialmente nas mãos dos fazendeiros locais, enquanto o Banco do Brasil, imune à decadência das charqueadas, se associa desde sempre ao capital federal. O prédio passou ao Município em 1970, que o utilizou por mais 30 anos, mas, em vez de restaurá-lo, deixou-o fechado e em deterioração progressiva na última década.

Há mais de um século que Pelotas perdeu a antiga riqueza e não existe mais o Império do Brasil, mas o povo ainda respeita e estima a grandiosidade destes símbolos colocados no coração da cidade. A imagem aqui reproduzida mostra outro tipo de idealização afetiva, a que maquia defeitos e sujeiras e prefere recordar as caras dos bisavós não pelas nuvens da memória mas pelas nítidas fotos dos álbuns de família.

sábado, 26 de setembro de 2015

O mendigo que lia revista em quadrinhos


Ele “morava” sob uma marquise. De poucas palavras, vivia do que lhe davam – e eram poucas coisas. O de comer, o de vestir e o de sentir (no coração), quase nada. No olhar – fugidio – um secreto desespero, segredos há muito engolidos e não digeridos.

Nas proximidades, um supermercado, de onde eu comprava, de quando em quando, algo para lhe dar. Não era sempre – para que ele não se acostumasse. Na verdade, uma cretinice minha, pois o que ele queria mesmo era distância de nós, os ajustados (ao menos na aparência).

Hoje pela manhã, ao dirigir-me ao centro pelo mesmo trajeto, disposto a dar algo para o mendigo, percebi que ele não estava – e o certo era vê-lo ali, como cotidianamente acontecia. Levantara acampamento, quem sabe à procura de outra zona da cidade, outra marquise, outras pessoas, melhores ou piores.

Deixara para trás uma garrafa pet, um saco de plástico com restos de pão... E uma revista de história em quadrinhos.

Lembro-me de que ele nos últimos dias lia algo com muita atenção. Quando as pessoas se aproximavam dele, tratava de esconder o que estava lendo. Àquele momento, a caminho do centro da cidade, parei e observei a razão que levara o mendigo a alhear-se do entorno.

Preferira mil vezes a revista infantil – que o remetia ao passado, quem sabe mais feliz – à realidade em derredor, tão triste e melancólica quanto ele. Um mistério, porém, parece-me insolúvel.

Por que ele fora embora e deixara para trás a revista infantil?

Esta pergunta talvez não seja respondida – ainda que ele retorne à sua “toca”, à entrada de uma garagem – pois é de pouquíssimas palavras. Fotografei a cena, espécie de palco de uma pantomima triste, cujo personagem o abandonara. Sem ele, sem a presença humana, aquele pedaço de concreto ficou ainda mais triste e deprimente.
Manoel Soares Magalhães
Texto e foto: Cultive Ler, 22-12-2011

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Rejane, candidata negra a prefeita (2008)

Cor da pele cortês
Poder/permanências
Acessos

Pelo amor
Pêlo de que cor?
Pena que a penugem social veja apenas
Pormenores associados à cor

No passado havia ...
Divisão clara de tons
Propensos à ascensão alguns
Fugitivos todos da escuridão

A cor e o gênero
Geralmente ambos geram contratempos
Nos tempos de hoje e sempre

As coisas ainda são como são ...
Como eram desde a mental escravidão ... costumes escravocratas

Somos todos escravos do que achamos que somos.

Por uma só vez, Maria Rejane Medeiros Terres
ousou levantar uma candidatura dos pobres.
Falando na polis e na política daí derivada. Falando na etimologia ambígua do preconceito encarnado.

Hoje temos uma mulher no poder e as críticas não são apenas por formas de governar. Há dúvidas sobre a capacidade feminina!?

E se a Xuxa fosse negra? Nossos cafés fartos e aquelas manhãs de baixinhos seriam as mesmas?

Ser homem branco? Francamente sabemos o que achamos nos pré-julgamentos que fazemos.

Convidamos à reflexão do tema.

E se a Xuxa fosse negra?
Nathanael Anasttacio


Maria Rejane Medeiros Terres foi a primeira mulher negra a concorrer à Prefeitura Municipal de Pelotas, nas municipais de 5 de outubro de 2008. Ela foi escolhida em junho daquele ano (v. Agência Afro Press). Também foi a primeira vez que o Partido Verde levantou candidatura própria na cidade, sem coligação. Seu vice era o correligionário Nereu Jorge Diniz Morales, assessor parlamentar de 45 anos.

Nascida em Canguçu em 10 de dezembro de 1968, com 20 anos de experiência coordenando campanhas eleitorais; separada, 7 filhos, assessora na Câmara, Maria Rejane tinha o fundamental completo (v. perfil). Ela chegou a participar num debate de TV com outros 7 candidatos homens (v. notícia de ZH, setembro 2008 e lista de candidatos).

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Cartão telefônico homenageou Simões (2003)


Em 2002, o Instituto João Simões Lopes Neto propôs à Brasil Telecom a criação de um cartão telefônico alusivo ao mais importante escritor pelotense. Na época, o Instituto já havia adquirido a casa da rua Dom Pedro II nº 810, onde Simões havia morado entre 1897 e 1907, e que estava em reformas para sediar a instituição.

O cartão foi finalmente lançado na segunda-feira 24 de fevereiro de 2003, contendo, no anverso, imagem da fachada (dir.) e no verso, breve histórico do personagem (v. notícia do Diário Popular, 25-2-03). A data foi escolhida por proximidade com mais um aniversário do escritor, nascido em 9 de março de 1865.

A cada ano, os simoneanos comemoram esse aniversário com anúncios importantes e com homenagens como esta. Por exemplo, em 9 de março de 2006 o Instituto abriu suas portas ao público, na casa planejada para tal, e que foi recuperada ao longo de anos.

Ironicamente, o cartão telefônico que quis evocar a importância deste prédio tem, agora, somente valor histórico; seu uso e sua lembrança foram tão breves como a passagem do Capitão por esta casa (se bem seu espírito segue vivo e presidindo os bons resultados das iniciativas do Instituto). Os tempos mudaram rápido e, hoje, teria que ser criado algum aplicativo que divulgasse a vida e a obra do famoso autor.

Nos dez anos em que viveu neste prédio da rua Dom Pedro II (na época, rua Sete de Abril), João Simões Lopes Neto escreveu nove obras (v. notícia do Diário Popular, 9-3-03):
  • em 1900, "O Palhaço", cena dramática, e a comédia "Fifina";
  • as comédias teatrais "Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá", "Querubim Trovão", "Amores e Facadas" e "O Maior Credor", todas em 1901;
  • "Por Causa das Bichas", comédia (1903);
  • em 1905, "A Cidade de Pelotas (apontamentos para alguma monografia para o seu centenário", que apareceu no segundo volume dos Anais da Biblioteca Pública, embrião da Revista do Centenário, de 1911 (v. cronologia);
  • a lenda "O Negrinho do Pastoreio", publicada primeiramente no Correio Mercantil de 26 de dezembro de 1906 (v. cronologia);
O Instituto João Simões Lopes Neto foi fundado em agosto de 1999, a partir do Núcleo de Estudos Simoneanos, que desde 1995 se reunia em diversos locais. Com o estabelecimento da entidade num local fixo, ligado à pessoa e à história do escritor, Pelotas ganhou uma verdadeira e completa instituição para o desenvolvimento de sua vocação intelectual e cultural.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A empregada era a segunda mãe


"Que Horas Ela Volta?” é o quarto longa-metragem da diretora paulistana Anna Muylaert, que conta uma história de amor mãe-filha, retratando questões sociais do Brasil contemporâneo. Misto de drama familiar e social, é a estreia artística desta semana (10-16 de setembro) no Cineflix Pelotas: sessões às 19h e 21:20.

Regina Casé é Val, empregada doméstica nordestina que trabalha na capital paulista. Sua filha Jéssica (Camila Márdila) vem prestar o vestibular para arquitetura e pretende morar com a mãe, na casa dos patrões. A adolescente muda assim os costumes da casa e rompe a paz social e familiar entre empregada e patroa. O título é emprestado da pergunta que Fabinho (Michel Joelsas) fazia a Val sobre a mãe, quando criança (v. crítica de Veja e no sítio da Deutsche Welle). A empregada criou o filho da patroa, mas não pôde educar sua própria filha.

O filme já ganhou o Prêmio do Público no Festival de Berlim e a dupla protagonista recebeu o de Melhor Atriz em Sundance, EUA. Por essa visibilidade, é o preferido para representar o Brasil  no Oscar 2016 para Melhor Filme em Língua Estrangeira. Se indicado pelo Ministério da Cultura, irá com o título "The Second Mother" (A Segunda Mãe). Um drama com humor ou uma comédia inteligente, à base da vida real.

POST DATA
11-9-15
Notícia oficial do Minc Que Horas Ela Volta? representará o Brasil no Oscar 2016.
18-9-15
O filme entrou em segunda semana, mantendo os horários anteriores (19h e 21:20).

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O misterioso carnaval do Redondo da Praça

Luiz Carlos Marques Pinheiro escreveu um livro virtual de memórias, e o dedicou à cidade natal e a quem no futuro buscar testemunhos dos anos 30, 40 e 50. As lembranças pessoais do conterrâneo, hoje com 75 anos, despertam o sabor e o amor dos pelotenses por sua cidade e pela conservação de suas vivências coletivas (leia o livro completo "A Pelotas que eu vivi: crônicas existenciais", 199 p.).

Um dos 45 capítulos de L. C. Pinheiro (confira abaixo) evoca os antigos carnavais no interior da praça Coronel Pedro Osório. Em janeiro de 2012, José Gomes Neto, outro antigo pelotense, já havia publicado lembranças sobre o falado Redondo da Praça (ao parecer, influindo em parte o texto de Pinheiro, que saiu em 2013): 
      Quem nunca participou de um baile no Redondo da Praça Coronel Pedro Osório, durante o carnaval, não sentiu, ainda, alegria em grau máximo.
      O Carnaval em Pelotas acontecia na rua Quinze de Novembro, no pedaço entre as ruas Tiradentes e Voluntários. A Praça constituía um apêndice ao trecho citado. (...)

      E o Redondo? Bem, esse era um caso à parte. Lá não desfilavam as escolas nem os blocos organizados e sim grupos e indivíduos, que se deixavam tomar pela inacreditável animação com que os bailes transcorriam 
[v. artigo Redondo da Praça, de José Rodrigues Gomes Neto, e Redondo da Praça II, no Pelotas Treze Horas].

O Carnaval do Redondo

Ano 1956. Para quem não conhece, o Redondo é a parte mais central da Pça.Cel.Pedro Osório. Por sua vez, a praça é o ponto mais central da cidade de Pelotas. A praça apresenta oito entradas e no ponto central está o chafariz “As Nereidas”, um presente da França, inaugurado em 1873.

Este chafariz, originalmente, tinha a função de abastecer de água potável a população do seu entorno. Posteriormente, foi construído um tanque externo, em torno das “Nereidas”, para abrigar a água que jorrava da fonte. Esse tanque é chanfrado e, em cada esquina tem um poste. São oito postes ao todo. Esse tanque fica elevado e há três degraus de acesso.

Em torno desse tanque o projeto urbanístico disponibilizou uma área circular (daí o nome de Redondo dado pelo povo), bastante ampla, para o desfrute das pessoas. Em torno dessa área, foram colocados bancos de madeira, tornando o local um ponto muito aprazível e próprio para se reunir, para conversar. Por ser um ponto muito central na cidade, e uma novidade, era muito visado pelos moradores e atraía uma enorme freqüência de famílias.

Passada a fase da novidade pelo Redondo, as famílias começaram a se afastar, porque as prostitutas começaram a frequentar o local, na esperança de fazer conquistas amorosas. Chegou a um ponto em que elas dominaram o Redondo. Eu era menino e a minha mãe fazia recomendações para que eu não cruzasse pelo Redondo, que fizesse a volta na praça, porque era perigoso. Mesmo já rapaz, eu evitava de cruzar pelo Redondo. Cruzar seria mais prático, porque cortava caminho, mas a preocupação existia. Na realidade, as prostitutas não ofereciam nenhum risco. Elas ficavam sentadas nos bancos e nunca tomavam a iniciativa de uma abordagem.

Desenho satírico da Praça Dom Pedro II, reaberta ao público em 1879
(na época, já era usada a expressão "redondo da praça").
No Carnaval, o Redondo fazia o seu próprio Carnaval, característico, que não se confundia com o carnaval de rua da cidade. Incrivelmente, o Redondo não tomava conhecimento do carnaval de rua de Pelotas. Era como se não existisse. Como era um antro de prostitutas, no Carnaval atraía toda a classe baixa de Pelotas. E aqui é interessante fazer uma reflexão.

Quem era essa classe baixa? Os rapazes de Pelotas não era; tinham os seus amigos e, no Carnaval, era muito gostoso sair em grupo. Logo, não iam para o Redondo. Quem era ligado a um bloco, ou a uma escola de samba, também não ia para o Redondo, porque saía com a sua escola. As empregadas domésticas detestavam as prostitutas. A classe média, mesmo a baixa, não queria contato com as frequentadoras do Redondo.

Quem sobrava? Sobravam aqueles que não eram da cidade, geralmente colonos das redondezas que vinham para a cidade pela fama do Carnaval, os solitários, os caixeiros-viajantes de passagem pela cidade, e a rafuagem da cidade. Essa rafuagem eram verdadeiros párias sociais. Eram moradores pobres das periferias mais distantes, sem vínculos com ninguém. Eram chamados de varzeanos, porque moravam nas várzeas alagadas. Como se dizia em Pelotas, “atravessavam em ponte para entrar em casa...” Era a ralé. E todos se reuniam no Redondo. E então o Redondo se transformava num grande salão de baile.

Eu lembro de ir lá, por curiosidade, e o que eu vi foi um Carnaval muito diferente do que eu conhecia. Os homens abraçavam as mulheres por trás e saíam arrastando os pés, cantando, ao som das marchinhas. Todo mundo feliz! Formavam uma roda só, no entorno do Redondo, todos juntos, uma massa compacta, como num bloco de Carnaval. Não havia espaço para se passar...

Sem exagero, o carnaval do Redondo tinha mais características de carnaval de salão do que propriamente de carnaval de rua. Qualquer lugar servia para descansar, a começar pelos degraus da base da Fonte das Nereidas, que ficavam completamente lotados. A sorte é que a praça dispunha de um banheiro público... Jogavam confete e serpentina uns nos outros, mas também era só. Ali muito poucos tinham dinheiro para comprar um lança-perfume. Mas o confete e a serpentina já eram suficientes para deixar forrado o chão da praça. Quando aparecia um lança-perfume, chovia de lenços na volta... para um cheirinho.

sábado, 5 de setembro de 2015

Carla e a Rainha brilham em ópera no Chile

Nesta adaptação chilena, a personagem da Rainha da Noite chama-se Astrid Flamante
que é a dona de uma companhia de teatro que busca atores para apresentar a Flauta Mágica.
Em agosto passado, Carla Domingues participou de uma inovadora adaptação d'A Flauta Mágica de Mozart na cidade de Concepción, no sul do Chile. A produção da Universidade de Concepción, que desde 2003 vem organizando óperas completas, teve o desempenho de sua própria orquestra sinfônica e um elenco lírico chileno (neste vídeo de pré-produção, os personagens são descritos pelos solistas). 

Desta vez, a convidada estrangeira foi Carla, que já por segunda vez atua em ópera completa no exterior. A primeira foi no papel de Amore em "Orfeu e Eurídice" (Montevidéu, dezembro de 2011). E esta foi também sua segunda visita ao Chile. Registramos a primeira em janeiro de 2014 (v. postagem), quando Carla participou do concurso Laguna Mágica, com diferentes trechos líricos . Veja também a postagem de 2013 Recital de Carla Domingues em Montevidéu.

O diário El Mercurio publicou crítica de Juan Antonio Muñoz sobre o espetáculo (v. texto original e nota da Radio Bio-Bio). O recorte do jornal (figura abaixo) foi apresentado pela artista em sua página no Facebook, e a tradução abaixo foi feita por este blogue. Confira no final a crítica de cada solista lírico.


Uma viagem por outra Flauta Mágica

A ópera corre grandes riscos, hoje em dia, e isso mantém o gênero vivo. Algumas produções, ainda que controversas, fazem boas contribuições ou destacam elementos que antes passavam despercebidos. Nestas inovações, tudo vale se houver um bom pano de fundo ou uma ideia imaginativa que surpreenda. A "Flauta mágica" trazida pela Corporação Cultural da Universidade de Concepción ficou numa zona estranha, no meio do caminho, como se o propósito ainda não estivesse maduro ou tivesse sido forçado.

Na proposta do diretor de cena, Gonzalo Cuadra, existe uma "Companhia d'A Flauta Mágica", de Astrid Flamante (por Astrafiamante, o nome da Rainha da Noite) e de Sarastro Solleben, cujos integrantes têm traços análogos aos das personagens mozartianas. Conforme o programa, eles ensaiam os números musicais daquela noite, mas ainda lhes falta o personagem principal. Sarastro anuncia que "o Grande Arquiteto" certamente enviará alguém como complemento ideal para sua filha Pamina. Então aparece Tamino Príncipe (nome e sobrenome), que preenche a falta.

Recorte de EL MERCURIO
(Concepción, 29-8-15)
A partir daí, os atores-cantores entram e saem de seus papéis duplos, como membros da companhia e como parte da ópera. Tudo é entremeado por diálogos em espanhol, escritos pelo régisseur chileno, nos quais se narra o que ocorre nos dois níveis da trama. A dupla militância dos personagens fica explícita em seus nomes: Papageno, por exemplo, chama-se Papageno Pérez.

O problema é que nada parece engrenar neste jogo de metateatro, a começar pela contradição de que o casal que dirige a companhia mostra acordo em tudo, enquanto Sarastro e a Rainha da Noite brigam permanentemente (inclusive, ela gostaria de vê-lo morto). Os diálogos novos também não ajudam, pois abusam de expressões populares e pueris, que somente servem para suscitar gargalhadas. O próprio libreto original já tem algo disso (em alemão, claro), em meio a reflexões ontológicas e juízos de valores, mas tudo junto fica um exagero.

Carla Domingues faz Astrid Flamante e a Rainha da Noite.
Por outro lado, as ideias de régie, desligadas de tais inventos, são realmente imaginativas, como de costume nos trabalhos de Gonzalo Cuadra. Especialmente seu tratamento coreográfico para as três damas, o baile que a Rainha da Noite improvisa em sua ária de entrada, o casamento de Papageno e Papagena, até com lançamento do ramo, a festa de magia com a qual se resolve a passagem dos protagonistas pelo fogo e pela água, os aspectos circenses delirantes (converte os homens armados num par de siameses).

Usando poucos elementos, inclusive a parede posterior do teatro, e exibindo a maquinária de roldanas, cordas e luzes, a cenografia de Germán Droghetti funciona perfeitamente, e a iluminação de Álvaro Torres ajuda a criar as atmosferas necessárias. O colorido e miscelâneo vestuário, também de Droghetti, sublinha a dupla natureza dos personagens (os atores e os papéis que interpretam).

A construção musical está notável. Julian Kuerti, ante a impecável Orquestra Sinfônica da Universidade de Concepción, mostra-se sempre consciente das vozes de que dispõe, e sabe viajar pela nobreza melódica desta música, respeitando tanto a solenidade como a leveza. Excelente também a direção coral de Carlos Traverso, certo e preciso, comprometido com o desenvolvimento teatral.

Os solistas
Por voz, convicção e espírito festivo, Ricardo Seguel brilha e conquista como Papageno. Luis Rivas entrega a doçura de seu canto e sua musicalidade como Tamino, mas como ator precisa melhorar. Yaritza Véliz tem a voz e a linha de canto ideais para Pamina. Carla Domingues mostra o temperamento da furiosa Rainha e alcança todas as notas. Por outro lado, Mateo Palma, que está muito bem na autoridade própria de Sarastro, se percebe complicado vocalmente com as descidas abismais que o pentagrama exige e com os textos que deve declamar. Estão muito bem David Gáez como o orador e o sacerdote 1, Roni Ancavil como Monostatos, e as três damas (Andrea Aguilar, Regina Sandoval e Gloria Rojas).
Juan Antonio Muñoz


Imagens de Carla: Facebook
Tradução: F. A. Vidal