A propósito do primeiro "romance marginal" de Magalhães, "O Abismo na Gaveta", publicado em 1999, um leitor anônimo informou que o livro ainda está à venda na Livraria Vanguarda.
Fui verificar e, realmente, há no depósito 40 exemplares da edição de 2003, ao preço de R$ 20, e ainda com um desconto de 10%, pela Feira do Livro, até domingo (15). Na ficha catalográfica, o subtítulo: um romance inspirado na vida do poeta Francisco Lobo da Costa. Desenho de capa: Carmen Garrez.
Parte do comentário de Oscar Credidio, escritor e crítico de cinema:
Magalhães desenha um fascinante painel da cidade de Pelotas e sua fauna humana: a pseudoaristocracia, o clero onipresente, a intelectualidade fervilhante e o povo simples, de escravos filósofos e meretrizes dignas a enfermeiras caridosas e bodegueiros protetores, todos capazes de gestos de grandeza aparentemente impossíveis àqueles outros. Um microcosmo de uma época que teima em não desaparecer do íntimo de muitos patrícios para quem a fronteira do mundo são os limites da urbe, cujo exasperante apego a um passado morto faz surgir, a cada dia, um Lobo martirizado pelo descaso e depreciação.
No prólogo, o autor já entra com um relato cinematográfico do último dia de vida de Lobo da Costa, em junho de 1888, colocando como protagonista Saturnino Gouveia, que será importante personagem nesta biografia.
O capítulo 1 retrocede alguns dias, quando o poeta estava no hospital da Santa Casa, com delirium tremens. A ação não pára, deslocando-se no capítulo 2 para julho de 1853, quando Francisco nascia, e seguindo por sua infância e adolescência. O capítulo 3 retoma a sequência deixada no primeiro.
O jornalista Magalhães é ao mesmo tempo romancista, roteirista de cinema, pesquisador de História de Pelotas, antropólogo urbano e psicólogo dos pelotenses.
Imagens da web
Vidal, que maravilha! Foste "garimpar" talvez o melhor livro de Magalhães, retratando a vida de Lobo da Costa. Bela crônica para um belo romance, o qual, tenho certeza, todo pelotense deveria ler.
ResponderExcluirVera
Um leitor garimpou e deu a pista.
ResponderExcluirNeste livro, Magalhães explora o "romance de não ficção", com o ofício desenvolvido na crônica policial. O gênero é novo, mais famoso pelo último livro de Truman Capote, de 1966. Há um precedente no argentino Rodolfo Walsh, que escreveu Operación Masacre em 1957. Magalhães não retomou a "não ficção" nos dois livros seguintes, mas prepara um novo romance, inspirado num personagem histórico.
Romance de não ficção... Dá para explicar melhor... Sempre pensei que romance fosse ficção...
ResponderExcluirAntonio Carlos
Tradicionalmente o gênero romance relata fatos fictícios sobre personagens fictícios. Às vezes há uma boa aproximação com a realidade, mediante uma ambientação real ou traços de pessoas reais.
ResponderExcluirPor outro lado, o gênero reportagem relata fatos reais tentando ser objetivo (dentro do possível), numa linguagem que tende a parecer teórica ou de preleção.
Alguns jornalistas, acostumados a fazer reportagem, começaram a dar formato romanceado a novos textos (ou seja, com ingredientes ficcionais ajustados à realidade). Isso deu maior interesse e emoção a seus relatórios. Foi o caso de Capote, que se sentia criando um gênero novo, com ele mesmo como personagem.
Alguns historiadores e romancistas também se aproximaram à ficção romanceando dados históricos. A Casa das Sete Mulheres foi uma incursão da gaúcha Letícia Wierzchowski no "romance de não ficção", usando dados reais e inventando situações que seriam verossímeis dentro da história. Em Uma ponte para Terebin ela voltou ao gênero, criando histórias sobre a vida de seu avô polonês, pesquisada por documentos.
Já outros acharam temas polêmicos e os puseram como ingredientes de histórias sensacionalistas, como o Código Da Vinci, que pode ser visto como um romance (ficção) com ingredientes de realidade.
Magalhães pesquisou dados históricos sobre Lobo da Costa e preencheu vazios com situações inventadas. Seu foco é a realidade pelotense, esboçando paralelos com a cidade atual. Vitor Ramil fez algo parecido, com dados biográficos de diversos escritores, fazendo-os conviver em "Satolep". Aí ele fez predominar a ficção, como Dan Brown.
Como se vê, os romances inserem a ficção em diversos graus. Nos mais "fictícios" é próximo a 90%. Nos de "não ficção" ainda há uma parte fictícia, talvez 10 ou 20%, mas o nome ficou assim.
Bom dia. Quando descobri por acaso este site, fiquei admirado com a disposição de Vidal para, como neste post dedicado ao excelente romance de Magalhães, O abismo na gaveta, dar atenção aos comentaristas. Normalmente não ocorre isso. Os "donos" de blogs normalmente ficam distantes de seus comentadores, oportunizando, de quando em quando, uma ou outra resposta. Com Vidal essa regra foi quebrada. Tenho de parabenizá-lo por isso, pois ele, através de suas intervenções, enobrece as suas e as opiniões dos que se manifestam, anonimamente ou não. Fico feliz por ser pelotense e ser conterrâneo de profissional tão bem aquilatado, cujas críticas, observações, acrescentam dados novos aos assuntos publicados no Pelotas Cultural.
ResponderExcluirGiovani Freitas, pelotense morando em São Francisco do Sul.
Quando o livro foi lançado, em 1999, duvidei que pudesse ser um bom livro. Pensava como quase todo mundo pensa: bom escritor aqui em Pelotas??? Duvido!Me enganei. Acho até, sem querer exagera, que se trata, no gênero romance histórico, o melhor livro que apareceu em nossa província nos últimos tempos. O romance de Magalhães tem estrutura cinematográfica sem ser um filme, isto é, indo muito além, convidando o leitor a se enfiar na trama através de um estilo ágil, bem urdido. O crítico Vidal viu muito bem essa característica no livro deste bom autor pelotense, que ainda não teve a recepção que sua obra merece. Algo que me chamou demais a atenção no livro, foi o recurso de narrar as desventuras do maior poeta romântico de Pelotas em todos os tempos através da perspectiva de uma mulher. Bom demais! Para quem não leu, eis a oportunidade de ler e conhecer, através das páginas de O abismo na gaveta, um pouco da rica história de Pelotas no século XIX.
ResponderExcluirEunice
Giovani, não é verdade que os blogues servem para interagir, e o diálogo leva ao debate? Assim os próprios leitores trazem e despertam novos dados.
ResponderExcluirTambém não é comum que os leitores comentem os blogs como um todo; para isso se inventou o Livro de Visitas, que ainda não habilitei. Obrigado pelo comentário, que me recordou essa possibilidade; tentarei ver essa opção.
O melhor recurso para donos de blogues que me permite dialogar é a inscrição, que os leitores também podem fazer, clicando na frase abaixo "inscrever-se por e-mail". Assim saberão na hora sobre novos comentários.
Eunice usa a expressão "romance histórico", bastante melhor que o inglês "non-fiction novel", que temos usado até agora. O romance histórico, adequado para os livros de Letícia Wierzchowski, seria um subtipo do "romance de não ficção" ou "romance de realidade" (expressão que estou cunhando agora).
Certamente que a obra do grande mestre da literatura riograndense, o nosso talentoso MMaGGa, é e sempre será uma bela escolha de todos que amam as letras, sobretudo as sofisticadas e geniais. Eu, já estou esperando o meu volume chegar e com muita ansiedade... caramba!E o meu coração bate no ritimo assim: chega-logo chega-logo chega-logo chega logo
ResponderExcluirchega-logo chega-logo chega-logo chega logo
chega-logo chega-logo chega-logo chega logo
chega-logo chega-logo chega-logo chega logo
Haja coração...rsrsrs!!
Pataxó
Aproveito este seu espaço, Vidal, para agradecer as manifestações de apreço, carinho, que tenho recebido de alguns leitores, e, evidentemente, agradecê-lo de forma especial pela divulgação de meu trabalho. Um abraço carinhoso a todos.
ResponderExcluirConheci Manoel através do blog amigos de pelotas... Muito bom escritor! tem o que dizer. E tem algo que gosto muito: não é de fácil digestão.
ResponderExcluirTem-se falado muito hoje em literatura marginal... Que magalhães é um escritor marginal... Vidal, aproveitando-me de sua disposição para respostas, como tenho visto até aqui: pergunto: o que vem a ser exatamente literatura marginal? Quais seus representantes locais e, claro, no Brasil? Desde já agradeço a resposta.
ResponderExcluirFabiane
Até agora não tenho feito diferença entre literatura marginal, alternativa e underground (subterrânea). São termos metafóricos para referir-se a um trabalho com raiz própria e formalmente coerente, mas não incluído nas esferas tradicionais. A arte paralela à oficial pode ter semelhanças ou diferenças com esta, mas se distingue por motivos sociais ou políticos.
ResponderExcluir"Subterrâneo" pode simbolizar que há uma arte por cima, dominante, e outra escondida, menos visível.
"Alternativo" já é uma metáfora mais suave, como querendo dizer "diferente", sem conotações de valor ou de confrontação.
"Marginal" é mais interessante, querendo dizer externo aos limites, excluído da convivência.
Esta conotação, de estar "fora de", é a escolhida por Magalhães, o que lhe dá a oportunidade de explorar a vida social de uma cidade (que marginaliza pessoas não produtivas ou "estranhas" demais, sem ser criminosas), o estilo de vida dos personagens (como desadaptados de uma vida mental "normal") e até a si mesmo como escritor, que por referir-se a conteúdos "à margem" da consciência social e cognitiva das pessoas é posto no limbo dos artistas. Daí uma parcial identificação com o poeta Lobo da Costa, pessoa sensível que pertence a uma tradição familiar baseada em aparências idealizadas e fantasias não elaboradas.
Então temos, a partir do livro aqui comentado, um triplo sentido da palavra "marginal": os personagens estão à margem da sociedade, em parte ou totalmente, cada um a seu modo; a literatura se marginaliza, pelo menos no meio pelotense (até porque não é todo leitor que a digere com facilidade) e o escritor também se considera "marginal", por associação com os personagens, todos eles pelotenses, todos buscando uma redenção numa vida de angústias e sofrimentos físicos e existenciais.
Em outros países e épocas, este modo de literatura se identifica com os oprimidos, pobres, perseguidos ou "nerds". Magalhães recolhe o conhecimento e os talentos literários de várias raízes e se dedica a escrever em Pelotas e para Pelotas, guiado pelo amor à arte e à verdade - afinal, uma opção pessoal interna, talvez inevitável.
Não sendo um pesquisador literário, não conheço todos os nomes pelotenses, mas no post anterior sobre Magalhães (sobre os Dois Textos Marginais) mencionei o outro "marginal" reconhecido por uma crítica literária de Porto Alegre, referindo-se à nossa insular Pelotas.
Obrigada, Vidal, por sua inteligente explicação. Estou satisfeita. Agora que a feira do livro acabou, vou dedicar-me aos livros... Manoel está entre meus autores preferidos... Vou ler "Dois Textos Marginais" e "O abismo na gaveta". Depois O homem que brigava com Deus. O senhor, certamente, já leu? Um carinhoso abraço.
ResponderExcluirFabiane
Sim, Fabiane, eu comecei pelo Homem, que era o único livro disponível à venda em agosto de 2008 (segundo o autor). Logo saiu Vampiros, e em 2009 a reedição dos Dois Textos, e o "resgate" do Abismo.
ResponderExcluirEsses são os 4 da fase "marginal".
Magalhães prepara novo livro, já iniciando uma etapa renovada (e ainda melhor).
Nobre Vidal, grato pela resposta. Sua elegância e sabedoria muito enobrece este espaço.
ResponderExcluirGiovani