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sábado, 19 de dezembro de 2009

Pelotense escreveu livro para mergulhões


Francisco em 2006
O balneário do Hermenegildo, fundado na década de 1920, faz parte do município de Santa Vitória do Palmar. Suas areias se juntam às da praia do Cassino, que pertence a Rio Grande, formando o que se chama de "a praia mais extensa do mundo", dos molhes da Barra do Rio Grande até a Barra do arroio Chuí, totalizando uns 230 km.

Meu pai - Francisco Dias da Costa Vidal - veraneou ali com sua família, quando tinha entre 7 e 16 anos. Em 1936, a motivação para ir tão longe foi a indicação médica para tratar, com ar puro e o iodo do mar, um início de tuberculose. Em 1945, os pais decidiram suspender os veraneios, e as lembranças da infância davam volta, cada verão, como as ondas rompendo na areia.

Francisco passeando na praia, ante as poucas casas que havia em 1942
No Hermenegildo, a orla era mais ampla que hoje, mas o vento ainda é do sul
O primeiro retorno foi trinta anos depois, em 1975. Em vez de apaziguar as recordações, a visita suscitou o desejo de resgatar o que tinha sido arquivado. Nos anos 80 e 90, ele contatou pessoas que haviam estado lá na mesma época e, aos poucos, alinhavou na velha máquina de escrever uma série de relatos, que após digitou no computador, já em 2003 ou 2004.

Eram recordações daqueles anos, retiradas de fragmentos de seus diários de vida e reformuladas pela visão do adulto. Todo um passado familiar vinha à tona nestas crônicas, que agora podem ler-se também de outras formas: como uma descrição do longo espaço entre Pelotas e Santa Vitória, e como uma viagem pelo túnel do tempo que separa a década de 1940 do século XXI.

Com esses relatos como material de um volume (seu primeiro livro, também de crônicas, saiu em 2001), os filhos Francisco, Carlos, Ana e Maria colocaram fotos antigas da família, reformaram o texto e conseguiram o design gráfico e a impressão na Editora da UFPel. O título "Vamos ao Hermenegildo?" foi escolhido para que o livro tivesse um sentido afetivo, inclusivo e turístico.

Na capa (esq.), desenhada por Ana Teresa Vidal, vê-se o autor naquela época, em foto tomada em Pelotas, remarcando que ele não era do Hermenegildo mas gostava de ir lá.

Profª Anita Carrasco
Minha função foi acompanhar as sucessivas revisões, ao longo do ano de 2008, e achar uma centena de vitorienses que poderiam gostar do livro, para enviar convites para o lançamento. Fiquei sabendo que em Pelotas há muitos deles, a começar por Anita Leocádia Carrasco Pereyra (dir.), professora de História e Geografia, a quem propusemos prefaciar o texto.

Como primeira fã da obra, ela indicou os conterrâneos e leitores que se interessariam. Também sugeriu a expressão "livro para mergulhões", a partir da localização tão precisa que o livro contém e que motivaria quase que somente aos naturais de Santa Vitória.

O mergulhão é uma ave comum no litoral sul, a partir da qual saiu o apelativo carinhoso com que os santa-vitorienses se identificam. Tanto é assim que a palavra funciona como um verdadeiro chamariz de vitorienses, seja onde for que eles se encontrem (leia comentário).

A primeira sessão de autógrafos foi em Pelotas, dia 19 de dezembro de 2008

O lançamento em Pelotas foi marcado para 19 de dezembro, que - depois soubemos - os vitorienses celebram como o aniversário da cidade, pois nesse dia, no ano de 1855, iniciou-se a Povoação de Andréia, com a construção da primeira capela e sua padroeira Santa Vitória, que daria o nome definitivo à Vila, em 1872 (veja a história do nome).

Nesta sessão de autógrafos (dir., com o amigo Rubens Amador) e no mês seguinte, foram vendidos uns cem exemplares. Dois deles foram levados por vitorienses e começaram a circular entre os veraneantes.

É preciso dizer que os fãs do Hermenegildo - além de ser muitos e estarem espalhados por várias cidades gaúchas - são verdadeiros fanáticos de uma causa, tão apaixonados como torcedores de um time ou seguidores de um partido ou de uma religião.

A biblioteca atende gratuitamente, durante todo o ano
Desta forma, o lançamento na praia, preparado por nós com apoio da Prefeitura de Santa Vitória, foi marcado para a sexta 23 de janeiro de 2009, na Casa do Livro do Hermenegildo (esq.), biblioteca gratuita fundada em 2007 por um grupo particular e mantida à base de doações.

A primeira parte da reunião durou uma hora, somente com discursos. A apresentação foi feita pelo prefeito Cláudio Pereira e pelo Secretário de Cultura, Esporte e Lazer, Kininho Dornelles, também conhecido como cantor nativista. Depois deram seus testemunhos outras figuras locais, colaboradores do livro e o próprio autor, que na sequência autografou por mais duas horas.

Kininho apresentou o autor
Antes do lançamento, fomos entrevistados na rádio local e tivemos encontros com estudiosos do Hermenegildo, que foram os fãs mais entusiastas desta obra. Também conhecemos pessoas mencionadas no livro, a maioria idosas mas totalmente lúcidas.

Todas elas também chegaram na Casa do Livro naquela tarde. Descendentes de outras pessoas citadas no texto fizeram-se presentes na cerimônia com a honra de representar personagens históricos do lugar, que viveram entre na primeira metade do século XX.Em cada acolhida pudemos sentir aquele amor pela terra, mencionado acima, que era devolvido também a nós mediante o lançamento do livro.

Estudiosos do Hermenegildo se entusiasmaram com a obra
Um detalhe importante para a comunidade é que este era o primeiro livro a ser lançado no balneário (os escritores locais haviam apresentado obras na cidade, somente). Mas o mais curioso para nós, visitantes, é que, como o livro vinha circulando informalmente havia um mês, mesmo sem ter estado à venda na praia, boa parte do público interessado já o havia lido ou sabia do que tratava. Os leitores vinham pedir seu autógrafo e obter exemplares para dar de presente; todos eles agradeciam ao escritor-historiador que trazia ao Hermenegildo a primeira obra escrita exclusivamente sobre a localidade.

Um casal de turistas uruguaios e um rio-grandino que passavam uns dias no balneário se interessaram pelo acontecimento social que o livro estava gerando. Curiosamente, uma senhora que é citada no texto não soube do lançamento, nem nós soubemos que, justamente naqueles dias, ela estava veraneando no Hermenegildo (mas dias depois a encontramos, seguindo pistas inesperadas e contatos de amizades).

Rua das Maravilhas, Rua da Saudade, Vento Sul, Marinheiros ao Largo, Rua das Lembranças, Beco do Bagre... são nomes poéticos (mas reais) que transportam o veraneante a outro mundo - um mundo de fronteira, que não é brasileiro nem uruguaio, mas uma mistura única. No Hermenegildo, por exemplo, observamos que os "mergulhões", que têm nomes de batismo incomuns, se conhecem somente por apelidos - ainda mais incomuns.

O "Hermena" está relativamente modernizado, tem dois supermercados, um hotel e uma lan house, mas não se pode dizer que possa receber muito turismo nem tenha uma autonomia para funcionar como município... ainda. Enquanto o lugar não se faz muito atraente para grandes massas, conserva (e perde lentamente) aquele caráter de intimidade e informalidade tão próprio.

Em fevereiro de 2009, houve outra sessão de autógrafos na Feira do Livro do Cassino. Em novembro, durante a Feira de Pelotas, o blogue Tear de Sentidos, de Teresinha Brandão, publicou uma das crônicas. Deixamos o livro à venda aqui, em Rio Grande, Santa Vitória e Hermenegildo, com a sensação de que um longo ciclo de despedidas históricas se fecha mas a vida continua.
Imagens: F. A. Vidal

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