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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Arranjos fotográficos de Kelly Wendt

Na última amostragem realizada na sala Frederico Trebbi em 2009, a artista plástica Kelly Wendt participou com uma criação dedicada a Pelotas: montagens fotográficas de fachadas de casas em ruínas, coladas lado a lado, ao redor de pequenas vitrines.

Alguns pelotenses deixam suas casas em abandono por anos, antes de demoli-las. Ficam as fachadas de pé, e as portas são tapadas com tijolos e cimento, para assegurar à propriedade um prolongamento no tempo, e sinalizar, paradoxalmente, que ali não há casa alguma.

A maior destas vítimas foi o casarão Duarte, vizinho ao castelo Simões Lopes, liquidado pelos vizinhos do bairro, após 80 anos de existência (veja a nota).

Neste espaço, o saguão da Prefeitura, as vitrines de Kelly Wendt se assemelhavam a aquários vazios, atraindo a vista pelos brilhos e reflexos (dir.).

Este formato quadrangular permitia também associar a imagem com os quarteirões da cidade, onde essas casas mortas habitam seu limbo. Por outro lado, podiam comparar-se a brilhantes ataúdes a contrastar com a escuridão fotografada.

A transparência do suporte deixou deste modo as fachadas totalmente nuas, como no dia-a-dia nem sempre nos damos conta. Na Félix da Cunha ainda hoje há uma fachada em bom estado de conservação, que tapa um grande estacionamento (veja a nota).

Os vasos e bancos, e até o assoalho do saguão pareciam integrar-se visualmente ao conjunto (esq.); afinal, os donos de casa não precisavam ser convidados.

Outra metáfora visual ocorreu na contraposição com o balcão de atendimento ao público (dir.). A semelhança das formas parecia dizer algo indiretamente, a ser interpretado com reflexão e calma.

A artista não esqueceu que o fundo dos "aquários" também faria jogo de reflexos com as luzes e imagens externas, suscitando mais associações e simbolismos (abaixo).

No momento em que eu fotografava, o titular da pasta de Cultura - que supervisiona a conservação dos antigos casarões - parou para conversar e comentou sua apreciação e interesse por estas obras que criativamente davam uma mensagem ao mesmo tempo respeitosa e crítica, como abrindo nossos olhos com delicadeza, sem deixar de ter um sentido da tragédia.
Por aqui circulam diariamente os funcionários e autoridades municipais. Neste espaço de exposições, dias antes se realizou um casamento coletivo (veja a nota).
Em seu blogue De Olhos Cerrados, Kelly Wendt mostra sua ampla predileção pelas casas fechadas à vida e ao mundo.

Em crítica sobre esta exposição (leia), Paulo Gomes observa que a fotógrafa é uma flâneuse (observadora poética) e seu ateliê são as ruas da cidade, onde ela se vale de técnicas modernas para registrar corpos aleijados, cegos e mudos, testemunhas de um passado que se esvai em vagas lembranças.
Fotos de K. Wendt (1) e F. A. Vidal (2-5)

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