Estava sozinho no modesto escritório de sua casa simples. Por cima da escrivaninha, em desordem, entre vários “santinhos” de sua candidatura a deputado estadual, recortes de jornal, lápis e canetas. Sobressaindo naquela desarrumação toda, uma pilha de contas a pagar, resultante da campanha política que enfrentara: tipografias, açougues, pintores de parede, muita tinta, gasolina, aluguel de carros; eram muitas dívidas. O candidato olhava para aquilo tudo com uma profunda sensação de desalento e tristeza. Àquela hora – 17 – nove horas após o início da apuração, obtivera apenas 14 votos. Além de tudo, estava envergonhado. "Como vou poder sair à rua?", perguntava-se.
Na primeira gaveta do móvel, um Smith & Wesson 38, cano longo, carregado; como uma desvairada sugestão para terminar com aquela aflição toda. Já estava considerando aquela hipótese trágica.
E recapitulava: “Não pode ser! E o churrasco que dei para 400 pessoas? E o carreteiro, no clube de futebol, apinhado? É incrível!” Com dedos nervosos somou as contas, na pequena máquina de calcular de plástico que comprara de um camelô: 257 mil! Sem contar os táxis para amigos, remédios que pagara de seu bolso para eleitores e outras pequenas despesas. “Não tenho saída”, monologou baixinho, rosto pálido. “Estou liquidado”, completou. ”Como irei me reerguer se apostei tudo nesta maldita eleição? Onde será que errei?”, se perguntava angustiado.
Seus olhos passearam pela arma como uma sugestão imóvel no fundo da gaveta. Desligou o rádio, que já não falava seu nome há mais de uma hora. Levantou-se e fechou o postigo. Aquilo era o fim... pensou. Com os dois braços afastou nervosamente tudo que estava sobre a escrivaninha e descansou a cabeça. Na intimidade do quarto, chorou convulsivamente. Repousou sua mão trêmula sobre o revólver, até então estático na gaveta. Levantando-o lentamente, deparou-se com um envelope rosa e perfumado embaixo da arma. Mão ainda trêmula, repousou de novo o instrumento de morte na gaveta.
Abriu aquele envelope, que nem lera, tal a agitação em que vivera nas últimas semanas. Tratava-se da carta de uma “coroa” cheia da nota, mas, desculpem, era de uma feiúra de fazer dó. Possuía inclusive bem nutrido buço, mas se engraçara com a figura de nosso herói, quando a colagem de suas fotos-propaganda começara nos postes e muros, havia dois meses. Não a conhecia pessoalmente, mas ela mandara o número de seu telefone e uma foto de corpo inteiro – a audácia! – e enquanto confessava um amor incendiário, estrategicamente, anexou à carta uma (muito boa) declaração de bens, junto com a de amor.
O rosto do candidato derrotado iluminou-se. Com um gesto brusco e eufórico, devolveu o revólver para o fundo da gaveta, chaveando-a, ao mesmo tempo que iniciava uma corrida em direção ao telefone, a fim de discar o número grifado naquela carta salvadora.
Acabara de optar pela vida.
Rubens Amador
Imagens da web
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