Estava sozinho no modesto escritório de sua casa simples. Por cima da escrivaninha, em desordem, entre vários “santinhos” de sua candidatura a deputado estadual, recortes de jornal, lápis e canetas. Sobressaindo naquela desarrumação toda, uma pilha de contas a pagar, resultante da campanha política que enfrentara: tipografias, açougues, pintores de parede, muita tinta, gasolina, aluguel de carros; eram muitas dívidas. O candidato olhava para aquilo tudo com uma profunda sensação de desalento e tristeza. Àquela hora – 17 – nove horas após o início da apuração, obtivera apenas 14 votos. Além de tudo, estava envergonhado. "Como vou poder sair à rua?", perguntava-se.Na primeira gaveta do móvel, um Smith & Wesson 38, cano longo, carregado; como uma desvairada sugestão para terminar com aquela aflição toda. Já estava considerando aquela hipótese trágica.
Seus olhos passearam pela arma como uma sugestão imóvel no fundo da gaveta. Desligou o rádio, que já não falava seu nome há mais de uma hora. Levantou-se e fechou o postigo. Aquilo era o fim... pensou. Com os dois braços afastou nervosamente tudo que estava sobre a escrivaninha e descansou a cabeça. Na intimidade do quarto, chorou convulsivamente. Repousou sua mão trêmula sobre o revólver, até então estático na gaveta. Levantando-o lentamente, deparou-se com um envelope rosa e perfumado embaixo da arma. Mão ainda trêmula, repousou de novo o instrumento de morte na gaveta.
Abriu aquele envelope, que nem lera, tal a agitação em que vivera nas últimas semanas. Tratava-se da carta de uma “coroa” cheia da nota, mas, desculpem, era de uma feiúra de fazer dó. Possuía inclusive bem nutrido buço, mas se engraçara com a figura de nosso herói, quando a colagem de suas fotos-propaganda começara nos postes e muros, havia dois meses. Não a conhecia pessoalmente, mas ela mandara o número de seu telefone e uma foto de corpo inteiro – a audácia! – e enquanto confessava um amor incendiário, estrategicamente, anexou à carta uma (muito boa) declaração de bens, junto com a de amor.O rosto do candidato derrotado iluminou-se. Com um gesto brusco e eufórico, devolveu o revólver para o fundo da gaveta, chaveando-a, ao mesmo tempo que iniciava uma corrida em direção ao telefone, a fim de discar o número grifado naquela carta salvadora.
Acabara de optar pela vida.
Rubens Amador
Imagens da web
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