Compôs a canção "Minha Querência", considerada como um verdadeiro hino popular do Rio Grande do Sul. Seu sobrinho Leopoldo Souza Soares Rassier (1936-2000), também pelotense, ficou conhecido por outra música emblemática do nativismo romântico, "Não podemo se entregar pros home". É ele quem canta a música de dona Gilda no vídeo abaixo.
Dona Gilda
Quando me avisaram, no entardecer de um sábado, que eu havia tirado primeiro lugar naquele concurso literário e que, no dia seguinte, o meu ensaio sairia publicado no jornal, senti-me com mais de 30 anos e prestes a entrar na Academia. Sonhei, naquela noite, sonhos de grandeza, mas amanheci, felizmente, com os meus 15 anos. Nesse mesmo domingo, porém, no meio da manhã, troquei o pijama pelo fardão: através do telefone, a minha querida amiga dona Gilda Litran de Souza Soares dava-se ao trabalho de me cumprimentar pelo êxito e me incentivar mais uma vez.
Gilda Litran de Souza Soares |
Era a própria gentileza e bondade, a dona Gilda. Não um poço: um manancial, uma vertente... Jorrava bem-querer e sentimento, dos mais puros, mesmo em pleno asfalto — na Biblioteca Pública e, depois, no Arquivo Municipal, longe da querência. Clareava em nossos diálogos as dúvidas literárias do piá, mas sem pretensão e sem qualquer pressa — como o sol, devagarinho, vem (vai) rasgando a escuridão.
Quando foi a última vez que nos vimos não me lembro. Outro dia, remexendo nas estantes, encontrei, num exemplar de um pequeno livro que escrevi há muitos anos, uma dedicatória dirigida a ela. Não sei se mandei outro exemplar, com outra dedicatória, quem sabe um pouco mais afetuosa; mas é provável que nunca tenha chegado às suas mãos, pelo menos autografado, esse livrinho escrito precocemente pelo seu jovem discípulo e admirador. É muito provável que eu jamais tenha lhe dito, por tímido que era, o quanto ganhava com a nossa convivência. Tenho certeza que não correspondi à expectativa que ela depositava em mim.
Lembro-me — e também não sei quando — que a partir de um dia os nossos caminhos se distanciaram. Ela se aposentou, os meus anseios se desviaram momentaneamente das coxilhas e galpões e foram pousar em diferentes planícies. Algum tempo depois, quando voltei de novo os olhos para o chão, dei-me conta de que ela havia morrido. Comecei, aí, a perseguir sua lembrança.
Hoje, ligo o rádio ou a TV e, pela voz do cantor, escuto a dona Gilda: Meu Rio Grande do Sul, meu lindo pago, meu chão, minha querência eu te trago na forma do coração...
Recordo-me que um dia observei um dos meus filhos ocupado em recortar, como tarefa de casa, um mapa do Rio Grande por regiões, e depois refazê-lo, colando, feito um quebra-cabeça. No início desta crônica senti, também, o coração partido. Mas aqui, no seu final, já juntei peça por peça, e agora, aquietado num canto, tomo um mate. Meio sem fôlego, é certo. Afinal, não foi pra divertir ninguém que o Patrão Velho lá de cima inventou o adeus sem despedida.
Mario Osorio Magalhães
Foto fornecida por Leonor Souza Soares
Acima, "Minha Querência", composição de Gilda Souza Soares, na interpretação de Leopoldo Souza Soares Rassier. Ouça também esta música cantada por Sérgio Sisto, com acompanhamento da Orquestra Música pela Música, e a versão sertaneja de Osvaldir&Carlos Magrão.
POST DATA
2-11-14
Esta postagem sobre dona Gilda foi citada no livro de Carmen Reis, lançado na Feira do Livro sábado (1-11), "Souza Soares: a Saga de uma Família Portuguesa no Brasil". Sobre a autora e sua pesquisa sobre as origens familiares, confira a nota Genealogia dos Souza Soares, portugueses no Brasil.
Foi muito gratificante para mim, aqui de longe em West Palm Beach, Florida, poder ler uma noticia sobre a minha querida e saudosa tia Gilda, e poder ouvir a sua canção na voz do meu querido e saudoso primo Leopoldo.
ResponderExcluirObrigada, Mario.
Troquei o vídeo pelo atual, com a mesma música, pois o anterior constava como privado, segundo o aviso da leitora Nadia Mussi.
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