Na primeira parte, mostra o caso da Padaria Gaúcha, uma referência física do passado (foto 1) que segue existindo em função da memória dos cidadãos. Paradoxalmente, essa referência-fantasma sobrevive na lembrança de modo paralelo a uma espécie de "filha" (foto 2), defronte à antiga casa, na mesma rua e com o mesmo nome.
Na segunda parte (amanhã), o cronista cita o caso da Panambra, um ponto físico do presente que é, aos poucos, superado (na lembrança dos cidadãos) por uma referência vizinha, mais jovem e moderna: a Avenida Dom Joaquim.
Muitos ainda se lembram, naturalmente, que era assim que se chamava; mas creio que ninguém, hoje em dia, absolutamente mais ninguém, seria capaz de tratar, de forma corriqueira (e coloquial), como Bairro da Luz a atual Zona Norte. A não ser que esteja relembrando, com algum contemporâneo, um determinado episódio ou fato antigo, ocorrido por lá... Até aí, tudo bem, se entende. Caso contrário, é porque está, de fato, caducando.
Esse argumento me ocorreu, outro dia, quando ouvi uma jovem, no ônibus, dizer à sua vizinha de banco que ia descer na altura da Padaria Gaúcha.
Não existe mais, como se sabe, a Padaria Gaúcha original — na Avenida Domingos de Almeida, direção bairro-centro —, em cujo ponto de ônibus a jovem pretendia descer. Durante longos anos, foi a Padaria um desses fortes, e raros, pontos de referência na geografia prática e sentimental da cidade — neste caso específico, relativamente ao bairro Areal.
Eram bem moças as duas passageiras, mas não faz muito tempo que a padaria fechou (cedeu lugar a uma nova agência Banrisul). É provável, portanto, que essa referência se mantenha de pé, sadia, ainda por um período razoável. Poderia dizer, com outras palavras, que, na condição de memória, ainda goza (para utilizar uma expressão moderna) de uma boa expectativa de vida... Ao contrário, aliás, da expressão Bairro da Luz, morta e sepultada para sempre.
De todo o modo, naquele fim de tarde andava, digamos assim, meio nostálgico (embora não solitário, pois me conduzia, como os outros passageiros, coletivamente; e, aliás, sei muito bem que solidão e nostalgia só às vezes se confundem: está bem explicado no excelente livro de Moacyr Scliar, Saturno nos Trópicos).
Talvez por isso, aquela frase que me chegou aos ouvidos, entre ruídos de freio, buzinas, canos de descarga, não ficou em mim apenas como a afirmativa, muito simples, que era: prolongou-se um pouco mais, rebuscou-se um tanto mais, sob a forma de crônica... e uma crônica de morte anunciada.
Mario Osorio Magalhães
Fotos: F. A. Vidal
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