A série tem 12 capítulos e terminará no domingo 11, com postagens saindo à luz cada dia às 10h. Acompanhe hoje a quarta parte da sequência.
Se perdeu o capítulo de ontem, leia aqui.
IV Madame Marie
Procurando encontrar uma maneira de resolver aquele autêntico quebra-cabeça, lembrou-se da sua velha professora de francês dos tempos de Ginásio, que sabia viver em Vassouras, Estado do Rio. Embora tivesse sido um mais do que medíocre estudante de francês – aliás, nunca tivera inclinação para idiomas – guardava uma agradável recordação da velha mestra que era por demais bondosa.
Ela lhe haveria de dizer o que continha aquele frustrante bilhete. Sim, logo que aterrasse no Rio, ele se dirigiria até a casa de Madame Marie, este era seu nome.
E assim foi feito. Tão pronto consumou-se seu regresso ao Brasil, tomou o trem a Vassouras e dirigiu-se à residência da ex-professora.
Cordialmente recebido pela velha senhora, contou-lhe tudo por que passara em Paris em relação àquele bilhete, com riqueza de detalhes.
Apanhando-lhe as mãos, respeitosamente, quase suplicou:
— Madame Marie, agora que sabe de todas as circunstâncias a que estive submetido, ao lhe passar ao bilhete para que o traduza, agora que sabe toda a história, ainda que nele contenha alguma imoralidade, ofensa, maldição – o que for – prometa-me que não fará como os outros! Prometa-me!
Com expressão maternal, sua velha professora tranquilizou-o:
— Seja o que for que contenha o bilhete, meu filho, traduzirei. Prometo pelas cinzas de meu falecido filho que nada deves temer.
Completamente ciente de que finalmente satisfaria sua curiosidade, pela qual pagara tão alto preço, levou a mão direita ao bolso interno de seu casaco. Remexeu-o nervosamente. Procurou-o no outro bolso interno, no colete, nos bolsos da calça, no bolsinho da camisa, até que – desolado – deu-se conta de que no trajeto perdera o bilhete.
A velha mestra de francês apoiou-se nas bengalas canadenses que usava nos últimos anos, devido a uma artrite renitente, e ajudou-o a procurar o bilhete tão anunciado e que sumira, desconcertando seu antigo aluno por completo e exacerbando em sua pessoa a natural curiosidade feminina, depois daquele preâmbulo cheio de suspense.
— Não pode ser, Madame. No trem ainda eu o estive olhando e procurando entender algumas palavras de seu texto. Depois guardei-o aqui — mostrando o bolso interno do casaco — tenho certeza!
Sua decepção era tanta que seus olhos estavam úmidos, diria, pela suprema frustração daquela perda.
— Acalme-se. Sente-se — falou maternalmente Madame Marie, no seu inconfundível sotaque francês.
Ele se deixou cair pesadamente numa cadeira bergère a seu lado, frente à interlocutora, olhar fixo nalgum ponto, como a fazer uma minuciosa retrospectiva de todos os momentos desde que embarcara, na Central do Brasil, com destino a Vassouras.
Devagarinho voltou a falar:
— Um dia desses, temendo perder o maldito bilhete, no verso dele escrevi meu nome e endereço, bem claros, com o seguinte aviso: se alguém o achasse, em caso de perda, que o devolvesse no endereço, por ser de grande valor para seu dono, e que eu gratificaria. Mas não faço fé que me devolvam por este meio.
Estabeleceu-se um profundo silêncio na sala, pesadamente antiga, cujos tapetes desbotados mostravam ainda os formosos desenhos que ostentara outrora. Havia livros por toda parte, descuidadamente empilhados sobre móveis e até mesmo no chão, pelos cantos.
Continua amanhã (parte V).
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