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domingo, 4 de novembro de 2012

O Bilhete (V)

O cronista Rubens Amador escreveu em 1979 um conto longo, que agora este blogue reedita na forma de um folhetim em capítulos diários. 

A série terminará no próximo domingo 11, e as postagens saem cada dia às 10h da manhã. Acompanhe hoje a quinta parte do conto "O Bilhete". 

Se perdeu o capítulo de ontem, leia aqui.

V Duas ideias

Restabelecendo o diálogo, Madame interrogou-o:

— Quais palavras lhe eram familiares? Lembra-se?

Ele, que havia tantas vezes procurado ler e reler aquela mensagem, lembrava-se de esporádicas palavras, que lá estavam em caracteres formosos quanto miúdos, no texto perdido:

Cher... ici... aujourd’hui... plaisir... danger... dimanche... toujour... estas palavras estavam no longo bilhete, tenho certeza — falou após o esforço de memória que fizera.

"Rue de Paris, temps de pluie"  (Gustave Caillebotte, 1877)
— Elas não lhe fazem sentido nenhum? — indagou Madame.

— Nenhum. Separadamente não me dizem nada de concreto. Sequer posso aventar o que quer que seja com a força de irar tanto as pessoas.

A senhora francesa, com serenidade e experiência da vida, o estava realmente ajudando a esquadrinhar aquele quebra-cabeça.

— Diga-me, chéri, as pessoas que se chocaram com a mensagem foram: o garçon, o maitre, e seu chefe em Paris, não é assim? Eles logicamente conhecem o conteúdo. Quanto ao empregado do café, sem ir ao seu encontro será difícil uma indagação. O Diretor da Organização onde você trabalha; interpelá-lo seria pôr em perigo a estabilidade de seu emprego. Mas temos o maitre — concluiu inteligentemente Madame Marie.

— É isso mesmo! O maitre! Vamos entrar em contato com ele, por carta, e perguntar-lhe sobre aquele bilhete. Pelo menos conheceremos sua reação.

Sua face se iluminava de uma esperançosa descontração, emoção que havia semanas não experimentava, mergulhado que andava naquela quase obsessão de pensar no ocorrido, em tempo integral. A proposta da professora seria uma chance de, pelo menos, tentar uma resposta.

Espaço de leitura na Biblioteca Pública Pelotense (2012)
Tipo fino, qualidade inata num maitre internacional, por certo não deixaria jamais uma dama sem resposta. Ainda mais que Madame Marie deveria escrever uma carta coquette e insinuante, com alguns estratégicos engodos.

— Madame! A senhora acaba de dar uma excelente sugestão. Genial a sua ideia! Poderíamos escrever imediatamente?

— Certamente — respondeu a idosa, com os olhos pequenos cheios de animação.

— Professora — insistiu nosso herói —, independentemente da carta, acode-me também outra alternativa: achar a mensagem; possivelmente no trem. Devo tê-la deixado cair. O número do veículo era marcante: 888.

E com incontida alegria:

— Falo com o maquinista, com o chefe, ou mesmo com o Diretor da Central do Brasil, mas vou revirar aquele trem do avesso, não vou desperdiçar nenhuma possibilidade de encontrar aquele maldito bilhete.

Madame Marie, que apreciava sorrindo toda a euforia do ex-discípulo, lembrou-lhe:

— Veja bem, há pouco não tínhamos nada e agora já temos duas possibilidades. A vida é assim mesmo, sempre temos mais um ensejo. Se não, o que seria da esperança?

Continua amanhã (parte VI). 
Imagens: Wikipédia (1) e F. A. Vidal (2)

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