quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Paralelos entre a psicoterapia e o tênis

A reunião científica da quarta-feira 30 de maio de 2007, na Sociedade Sigmund Freud, foi uma palestra aparentemente normal, com um tema, um expositor e uma dezena de pessoas assistindo, mas houve algo diferente no conteúdo.

Na ocasião, o psiquiatra Hémerson Ari Mendes foi convidado para tratar um tema de sua preferência e, sem sair dos limites da prática psicanalítica, abordou um tema lúdico e pedagógico para os psicoterapeutas e interessados na área "psi".

Tenista amador e, na época, professor de Psicologia Médica na UFPel, Hémerson brincou com a comparação entre uma partida de tênis e um encontro terapêutico, transmitindo seu entusiasmo pela ciência, pelo ensino, pelo esporte e pela arte... da psicoterapia.

Sempre com fluência e bom-humor, o psicanalista-tenista explicou umas 50 semelhanças entre ambas atividades, dando exemplos práticos e pessoais, tudo sem ler notas nem fazer pausa alguma, no ritmo de um “lançamento” a cada 90 segundos.

Já distante do agitado campo de jogo, pois a palestra também pareceu uma partida de tênis, reli os apontamentos e fiz uma tentativa de classificação, que a seguir transcrevo, ficando-me a impressão da coerência e interesse dos conteúdos.

Os paralelos são mais evidentes entre a sessão psicológica e a partida de tênis, duas formas de diálogo humano e real, sob certos limites e normas:
  • Ambas são encontros entre duas partes,
  • situadas frente a frente,
  • em um setting (enquadramento) espacial e temporal.
  • A interação é mental nos dois casos, com a bolinha representando o foco das idéias verbalizadas, na alternância da palavra.
  • Mas ela é também, inevitavelmente, corporal e sensorial;
  • se feita virtualmente, perde seus benefícios (detalhe não mencionado na palestra).
  • É preciso um adestramento mecânico (bater bola/bater boca), mas o jogo consiste em fazer pensar, conhecer o outro, provocar mudanças.
Uma segunda série de analogias pode fazer-se entre o processo terapêutico e a partida de tênis, encontros prolongados de energias contrapostas e transformações mútuas.
  • A duração de ambos, breve ou longa, depende das ações de cada participante – criativas, agressivas ou defensivas.
  • A relação terapêutica precisa equilibrar o uso da força (nos dois participantes), assim como o tenista segura a raquete: nem com muita dureza que prejudique o vínculo, nem afrouxando demais que este se dilua.
  • A mão deve aplicar um peso, fazer sentir uma pressão (para evitar a derrota pela neurose), mas só até certo ponto, pois uma ação violenta gera reações parecidas (defesas neuróticas ou psicóticas).
  • Ambos processos conjugam a empatia mútua (atirar a bola para que o outro a apanhe, como no frescobol, jogo mais típico de namorados) com a existência de dificuldades e desafios (construir uma jogada nova, para que o competidor responda à exigência e, se puder, se saia bem).
  • Na terapia e no tênis, há um prazer inerente ao jogar, mesmo que não se ganhem pontos.
Um terceiro tipo de paralelos foi feito com o ensino do tênis, entre o instrutor esportivo e o terapeuta:
  • ambos têm objetivos e preferências pessoais, que às vezes interferem na aprendizagem ou na terapia.
  • Um aprendiz e um neurótico querem adquirir recursos adaptativos para chegar a suas metas.
  • Aluno e paciente podem ver o orientador como um modelo a seguir na vida, o que facilita simpatias e antipatias específicas.
Noutra área de comparação, tenista e terapeuta podem formar com seu público vínculos transferenciais: de admiração, dependência, ódio, angústia. Um detalhe não mencionado é que as seduções sexuais, os laços de afeto e idealização ocorrem com facilidade, tanto nas poltronas e divãs como nas canchas, onde exibição e observação se complementam, entre homens e mulheres, terapeutas e pacientes.

Na atividade em si mesma, também há semelhanças entre o que o jogador e o terapeuta fazem: alguns seguem fórmulas, enquanto outros fazem as coisas sem consciência dos detalhes, na base dos talentos naturais. Para não errar, é preciso olhar a bola-foco (ao recebê-la), enquanto nos lançamentos a visão deve concentrar-se no objetivo.

Após um debate com os assistentes, Hémerson deixou uma instigante idéia para pensar: O jogo não termina; é importante manter-se nele, pois sempre há mais jogadas, mesmo que nos sintamos momentaneamente perdidos.

Na palestra não se mencionaram diferenças entre o esporte e a terapia, mas elas existem e são importantes: os jogadores competem um contra outro em busca de um troféu, o tênis ocorre geralmente com público olhando e torcendo, há campeonatos e hierarquias de tenistas mas não de psicólogos, na terapia os participantes não podem alternar entre análise e relação sexual.

Estes e outros paralelos entre o tênis e a vida mental humana podem ver-se no filme inglês Wimbledon, de 2004. Em português chamou-se “O Jogo do Amor”, nome que para nós já é uma alusão ao encontro terapêutico.
Fotos da web


Um comentário:

Anônimo disse...

Boa matéria! E eu perdi a palestra... Bah!
Bj, Tê!