Ele “morava” sob uma marquise. De poucas palavras, vivia do que lhe davam – e eram poucas coisas. O de comer, o de vestir e o de sentir (no coração), quase nada. No olhar – fugidio – um secreto desespero, segredos há muito engolidos e não digeridos.
Nas proximidades, um supermercado, de onde eu comprava, de quando em quando, algo para lhe dar. Não era sempre – para que ele não se acostumasse. Na verdade, uma cretinice minha, pois o que ele queria mesmo era distância de nós, os ajustados (ao menos na aparência).
Hoje pela manhã, ao dirigir-me ao centro pelo mesmo trajeto, disposto a dar algo para o mendigo, percebi que ele não estava – e o certo era vê-lo ali, como cotidianamente acontecia. Levantara acampamento, quem sabe à procura de outra zona da cidade, outra marquise, outras pessoas, melhores ou piores.
Deixara para trás uma garrafa pet, um saco de plástico com restos de pão... E uma revista de história em quadrinhos.
Lembro-me de que ele nos últimos dias lia algo com muita atenção. Quando as pessoas se aproximavam dele, tratava de esconder o que estava lendo. Àquele momento, a caminho do centro da cidade, parei e observei a razão que levara o mendigo a alhear-se do entorno.
Preferira mil vezes a revista infantil – que o remetia ao passado, quem sabe mais feliz – à realidade em derredor, tão triste e melancólica quanto ele. Um mistério, porém, parece-me insolúvel.
Por que ele fora embora e deixara para trás a revista infantil?
Esta pergunta talvez não seja respondida – ainda que ele retorne à sua “toca”, à entrada de uma garagem – pois é de pouquíssimas palavras. Fotografei a cena, espécie de palco de uma pantomima triste, cujo personagem o abandonara. Sem ele, sem a presença humana, aquele pedaço de concreto ficou ainda mais triste e deprimente.
Nas proximidades, um supermercado, de onde eu comprava, de quando em quando, algo para lhe dar. Não era sempre – para que ele não se acostumasse. Na verdade, uma cretinice minha, pois o que ele queria mesmo era distância de nós, os ajustados (ao menos na aparência).
Hoje pela manhã, ao dirigir-me ao centro pelo mesmo trajeto, disposto a dar algo para o mendigo, percebi que ele não estava – e o certo era vê-lo ali, como cotidianamente acontecia. Levantara acampamento, quem sabe à procura de outra zona da cidade, outra marquise, outras pessoas, melhores ou piores.
Deixara para trás uma garrafa pet, um saco de plástico com restos de pão... E uma revista de história em quadrinhos.
Lembro-me de que ele nos últimos dias lia algo com muita atenção. Quando as pessoas se aproximavam dele, tratava de esconder o que estava lendo. Àquele momento, a caminho do centro da cidade, parei e observei a razão que levara o mendigo a alhear-se do entorno.
Preferira mil vezes a revista infantil – que o remetia ao passado, quem sabe mais feliz – à realidade em derredor, tão triste e melancólica quanto ele. Um mistério, porém, parece-me insolúvel.
Por que ele fora embora e deixara para trás a revista infantil?
Esta pergunta talvez não seja respondida – ainda que ele retorne à sua “toca”, à entrada de uma garagem – pois é de pouquíssimas palavras. Fotografei a cena, espécie de palco de uma pantomima triste, cujo personagem o abandonara. Sem ele, sem a presença humana, aquele pedaço de concreto ficou ainda mais triste e deprimente.
Manoel Soares Magalhães
Texto e foto: Cultive Ler, 22-12-2011
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