domingo, 27 de fevereiro de 2011

As complicações do amor, para a psicanálise

Em junho de 2007, o psicanalista David Epelbaum Zimerman (dir.), conhecido psiquiatra gaúcho (leia uma biografia), foi convidado pela Sociedade Científica Sigmund Freud para falar sobre “As complicações do amor na clínica atual”. O título englobou dois encontros sobre o mesmo tema (a relação amorosa em geral), em alusão ao dia dos namorados segundo o costume latino (dia de Santo Antônio).

A primeira palestra foi a do dr. Zimerman — que veremos nesta nota — e a segunda foi conduzida por Marciara Centeno, psicóloga em formação psicanalítica, que falou das dificuldades do amor relacionando-as com a autoestima. As duas reuniões atraíram numeroso público jovem, principalmente da área profissional da psicologia e da psicanálise, e ambas duraram pouco mais de duas horas (sem evasão), indicador do alto interesse desse público.

Concentrando-se no psicanalista britânico Wilfred Bion (1897-1979), Zimerman abordou o tema à base de quatro emoções vinculadoras: Amor, Ódio, Conhecimento e Narcisismo. Essas tendências vêm sendo tratadas pela psicanálise desde Freud, passando por Melanie Klein e Bion. Sobre este tema, o próprio Zimerman publicou o livro "Os quatro vínculos" (ArtMed 2010, veja o sumário), escrito posteriormente a esta conferência em Pelotas (veja resenha de 2009), e anteriormente "Bion da teoria à prática" (ArtMed, 2003).

Sobre o primeiro elemento, o especialista disse que o amor é um vínculo recíproco, uma relação de ida e volta. Há vínculo amoroso entre a mãe e seu bebê, entre namorados, entre analista e paciente. Para Bion, vínculo é “toda relação de união entre pessoas ou entre partes internas de uma pessoa”. Freud estudou esse tipo de pulsões, as libidinais ou amorosas. Melanie Klein se deteve nas emoções negativas (ódio, inveja e culpa).

Por sua parte, Bion valorizou o desejo de conhecimento, que se manifesta como um amor à verdade, perseverante mas não rígido. Nas relações pessoais, essa “pulsão epistemofílica” (desejo de investigar e de saber) nos faz querer conhecer o ser amado — sem deixar de respeitá-lo — e querer que este nos conheça em nossa verdade interna.

A teoria de Bion inclui as outras duas tendências (amor e ódio), cada qual com seu lado bom e mau: o amor tem seu lado negativo na possessão asfixiante do objeto amado e o ódio tem expressão positiva na agressividade, necessária para defender-se, proteger, avançar, mudar, criar.

Como nossas emoções são construtivas e destrutivas, assim as dirigimos à pessoa amada: amando-a — na medida em que nossas partes internas estejam encontrando o amor próprio — e odiando-a, na medida de nossa raiva, dor, conflito, culpa. Se o amor predominar sobre o ódio, a relação evoluirá para bem; se o ódio predominar, a relação será destrutiva.

Também há pulsões narcisistas, conhecidas como “egoísmo” (lado ruim das tendências à autossatisfação). Sem uma dose certa de narcisismo (preocupação consigo mesmo) não poderíamos sobreviver nem gostar de nós mesmos. Um nome popular dessa tendência em grau bom é a autoestima.

Em cada pessoa, então, essas variáveis formam as configurações vinculares, os diversos modos de amar e ser amado. O amor considerado sadio joga com esses quatro elementos, analisados numa relação entre duas pessoas: cada uma delas amando, odiando e conhecendo a outra, e relacionando-se com as partes de si mesma (não só numa autoestimação pura, mas também com possíveis elementos negativos).

Quanto às complicações: há a relação narcisista, a configuração triangular, o sado-masoquismo, o vínculo “tantalizante”, eterna e desesperante frustração (assim nomeado por Zimerman a partir do mito de Tântalo). Outra complicação do amor é a chamada gamofobia ou evitação do casamento, por medo ao sufoco ou a ser adulto (veja reportagem).

Precisamos equilibrar-nos entre certo grau de idealização e as inevitáveis desilusões, seja na vida de casal, seja no âmbito da psicoterapia. A melhor relação amorosa será uma configuração vincular “suficientemente boa”, onde é preservada a admiração e as desilusões podem ser toleradas.
Imagens da web

Um comentário:

Jorge Velasco disse...

Muito boa a resenha sobre a apresentação do Dr. David. Parabéns, Francisco!