Olhei pela janela e vi um sábado vestido de luto.
Nesses dias, quando guri, passeava pelo quintal sentindo falta do sol desenhando sobre as folhas mortas. Deixava-me levar por aquele grafismo colorido, tentando descobrir algo inusitado.
Eu não sabia precisar o que estava procurando. Não tinha cabeça para isso, pois a idade era tenra demais. Ainda assim procurava...
Acaso encontrasse o que estava buscando, punha-me a desconstruir.
Sim, quando pequenos, ao contrário do que imaginamos, somos seres da desconstrução. Desconstruímos o mundo para criar o nosso, muito particular, com seu colorido próprio, com seus vãos e desvãos, com seus mistérios e horrores.
Bem, acaso o dia fosse sombrio e não havia sol para criar e eu para descriar, voltava para dentro de casa. Melancólico, experimentando sensações de abandono, punha-me à janela e ficava divisando o quintal através da vidraça. Embaçava-a e com o dedo indicador elaborava desenhos, com intuito evidente de materializá-los no quintal, arranjando brincadeira.
Os desenhos, entretanto, logo se desfaziam. Eu tratava de embaçar outra vez a vidraça, tornando a riscá-la. Quando cansava da brincadeira, jogava o olhar ao léu, imaginando coisas.
Coisas, portanto, se materializavam no quintal, logo se decompondo, pois são frágeis demais. (Como a vida). Mais frágeis que as teias e aranha que qualquer vento, divertindo-se, desfaz.
Pois a manhã sombria deste sábado levou-me ao passado. De súbito me enxerguei guri, dedo indicador percorrendo o vidro, fazendo desenhos.
Afinal, pensei, já que não havia sol para desenhar, resolvi transformar-me no artista, deixando na vidraça a frágil arte de um guri que não sabe o que fazer do seu tempo, já que vive não vivendo.
Manoel Soares Magalhães
Texto: Cultive Ler
Imagens: Tecnoark, A.F. Balbi
4 comentários:
Linda crônica. Manoel é realmente muito talentoso. Gê.
Grato amigo... Valeu... Estou pensando em reunir minhas melhores crônicas e editá-las em livro... Penso em ti para prefaciar...Que tal? Abraço!
Boa ideia! Pensa em algum tipo de ilustração, ainda que sejam desenhos a lápis.
Opa, excelente noticia. Amo as crônicas de Manoel desde sua fase amigos de pelotas. Agora acompanho seu trabalho no excelente blog cultive ler. Um grande talento pelotense. Virginia
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