domingo, 28 de fevereiro de 2010

Amigos de Pelotas lança caderno cultural

Esta tarde de domingo, último dia de fevereiro, Rubens Amador Filho publicou na internet novo sítio informativo dedicado à cultura pelotense. Com o título de Amigos de Pelotas/Cultura, apresenta-se como um segundo caderno do Amigos de Pelotas, blogue informativo miscelâneo criado em abril de 2008. Ainda que se defina como página paralela ao Amigos, trata-se na prática de um novo blogue, com colunistas exclusivos, agenda própria e enfoque particular sobre a cultura de Pelotas. Mantendo o mesmo desenho do "Amigos-Política" (denominação latente, não utilizada), o Amigos-Cultura (nome manifesto no cabeçalho) separa, ordena e analisa a informação cultural que antes se inseria num mosaico único com as variedades do Amigos.

Os 4 colaboradores que estreiam hoje definem o estilo jornalístico de uma revista semanal: Cíntia Langie, Marcos Macedo, Minduim (que vêm com experiência de escrever no Amigos) e Renata Requião, doutora em Literatura, que fez parte do secretariado do ex-prefeito Marroni.

Inicial dilema a tratar: o significado da palavra "cultura". O colunista Minduim (esq.) aborda este problema, defendendo a definição ampla que inclui, bem além da arte: costumes, tradições e história, folclore, gastronomia e culinária, constituição social e étnica. São elementos que buscam a construção da identidade de grupo, um sentido afetivo e amoroso, inerente aos interessados pela cultura em geral.

O Amigos/Cultura vem enriquecer a cena pelotense, onde já existiam desde 2009 o sítio E-Cult e este blogue, Pelotas, Capital Cultural, analisando o cotidiano pelotense. Como os fins de todos parecem ser os mesmos, cada um terá que definir seu estilo com precisão, seja que prefira competir pelos leitores (em prol de si mesmos) ou colaborar mutuamente, em prol dos leitores e da melhor cobertura cultural. Em qualquer caso, é Pelotas que sai ganhando.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O que é o mickeymousing?

Na aula desta terça (23), no curso "Entendendo a música no cinema", o professor Jorge Meletti ilustrou dois conceitos de composição musical com trechos de sete filmes.

Textura musical

Em composição musical, o termo "textura", proveniente da física, se refere à organização e complexidade das vozes instrumentais. Uma "voz musical" pode ser um instrumento solista, uma voz humana ou todo um naipe (conjunto de instrumentos ou de vozes humanas). Considerando as linhas melódicas como o material da música, este se agrupa e se entretece formando o resultado final que ouvimos.

A textura musical se avalia, geralmente, em termos de densidade: as texturas menos densas contêm poucas vozes, geralmente solistas, em formas rítmicas simples; as mais densas têm um arranjo complexo, com vários instrumentos em grande variação rítmica. Foram apresentadas cenas de 3 filmes para exemplificar a baixa ou alta densidade da música: Sangue Negro (compositor: Jonny Greenwood, 2007), Matrix (Don Davis, 1999) e Apocalypto (James Horner, 2006).

Mickeymousing

Assim como a música de concerto pode ilustrar sentimentos, movimentos da natureza ou até situações visuais, no cinema a música tem uma função essencialmente descritiva. Quando ela é sincrônica com a imagem, a marcação imitativa - adequada para ações cômicas - às vezes fica óbvia demais, podendo incomodar tanto como alguém que relata em voz alta, aos espectadores de um filme, as ações que todos já estão vendo.


A sincronização de música e imagem começou - fora do cinema mudo - quando alguns pianistas improvisavam o fundo musical olhando a ação na tela. Foi desenvolvida nos desenhos animados de Walt Disney (1901-1966), onde cada nota musical era feita para concordar passo a passo com as ações dos personagens (vídeo acima, de 1935). Criado em 1928, Mickey Mouse foi o primeiro e preferido personagem de Disney, ficando associado com esse procedimento. Nos filmes com atores, as trilhas musicais usaram esse efeito de repetição, até que o termo ganhou conotação pejorativa. Os seguintes trechos ilustraram nesta aula o mickeymousing:

  • O Informante (música de Max Steiner, 1935): cenas de rua, com a música onipresente ilustrando os movimentos e até os pensamentos dos personagens principais (veja aqui).
  • Psicose (Bernard Herrmann, 1960): o assassinato no banheiro (veja a cena) é acompanhado por violinos em glissandos obsessivos, imitando o movimento cortante de facas e o som de gritos agudos (ouça a peça para cordas).
  • Pollock (Jeff Beal, 2000), o pintor cria um mural cheio de detalhes enquanto o compositor "pinta" um quadro musical equivalente.
  • Fantasia (vídeo abaixo, de 1940). Aqui a tática se inverteu, excepcionalmente: os animadores de Disney compuseram as cenas para a música já gravada. Se nos anos 30 os acordes frisavam os movimentos de Mickey, neste trecho o camundongo veio gesticular a música de Paul Dukas "O Aprendiz de Feiticeiro".

No cinema, a música ganhou outras funções, como a de anunciar situações iminentes ou intenções de personagens. Ainda assim, ela poderia ser vista como uma "descrição antecipatória", enquanto o mickeymousing passou a ser visto como uma descrição redundante e os compositores buscaram modos mais criativos e elegantes para acompanhar as cenas: por exemplo, deixar partes sem música e só ilustrar o que a poética visual não pode dizer.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Curso de verão: Entendendo a música do cinema

Este verão, o Conservatório de Música abriu cinco cursos de extensão dirigidos à comunidade pelotense: Violino e viola, Musicalização em flauta doce, Introdução à etnografia em música, e Entendendo a Música no Cinema (em dois módulos). A novidade foi divulgada quando a cidade em geral já havia entrado em férias, mas com o tempo poderá estruturar-se uma verdadeira escola de verão na UFPel, numa Pelotas que costuma esvaziar-se totalmente nos meses de férias.

Hoje de manhã (dir.), o curso Entendendo a Música do Cinema (módulo 2 ) foi iniciado por Jorge Meletti, mestre e doutorando em Composição Musical (UFRGS) e professor na UFPel. Metade das 20 vagas gratuitas foram preenchidas, quase que somente por alunos da Universidade; algo parecido ocorreu no módulo 1, ministrado na segunda semana de fevereiro por Carlos Walter Soares, também mestre em Composição Musical.

Meletti planejou o curso de 20h para um público leigo em música, mas os alunos que chegaram já tinham conhecimentos na área, o que redirecionou a abordagem e a participação em grupo. O método das aulas consiste em alternar conceitos teóricos com exemplos comentados de cenas de filmes, abrindo à discussão. O objetivo: compreender as funções da música no cinema e as formas de compor as trilhas sonoras dos filmes.

Os trechos comentados esta manhã foram os seguintes (compositor entre parênteses):

  • A Missão (Ennio Morricone): cena de Gabriel tocando oboé. A música se situa dentro da ação, é ouvida pelos personagens (conceito de música diegética).
  • A Profecia (Jerry Goldsmith): Demian grita na frente da igreja. A música está fora da cena, faz parte de uma trilha sonora (música extradiegética).
  • O Rei Leão (Hans Zimmer): salvamento de Simba no estouro de búfalos. A trilha musical descreve a cena e antecipa possibilidades; contém simbolismos no tipo e na quantidade de instrumentos (tambores africanos), no timbre de metais que representam o herói e em quatro notas do trecho Lacrimosa, do Requiem de Mozart.
  • Veludo Azul: trechos de canções na boate, com a atriz Isabella Rosselini. A música é parte da cena, e ouvida pelos protagonistas. Neste caso, para indicar passagem do tempo, o diretor David Lynch (ou o editor de som) introduz um fragmento orquestrado entre duas canções (vídeo abaixo, minuto 1:18 - 1:24), que não está na realidade da cena (música ambidiegética, de duas origens).
  • Apocalypse Now: helicópteros atacam vilarejo vietnamita. A música é ouvida pelos personagens mas o diretor do filme a usa como trilha sonora simultaneamente, parecendo identificar-se com o oficial que dirige o ataque e comparando as aeronaves às míticas valquírias, guerreiras aladas que influem nas batalhas (veja trecho de 18 min do filme; a música vai do minuto 3:22 a 9:00). A alusão musical remete à abertura do 3º ato de uma ópera de Wagner, "As Valquírias"; a alusão política é ao nazismo (leia explicação no blogue Cinematório).
  • O dia em que a terra parou (Bernard Herrmann): em diversas cenas, ouve-se o estranho som do teremim, instrumento eletrônico criado por Leon Theremin (nome francês do russo Lev Termen). Sem instrumentos de cordas, a música ora se faz imperceptível, ora enfatiza o dramatismo das cenas visuais.
Foto de F. A. Vidal


sábado, 20 de fevereiro de 2010

Sete passos (poema)

Chove no mar
E ao entardecer o sol recolhe sua luz difusa
Gela meus sentidos ao ver a chuva encher o mar de poesia

E adoeço sozinho ... enquanto chove solidão nas águas turvas
São apenas sete passos ... e o mar já está transbordando

E mergulho de olhos fechados
E quanto mais profundo entro em mim mais sufocado fico ... procurando
Entulhando a base com promessas vazias ... não concretas ... densas como o lodo ...

E esse mar é sujo e entupido de remorsos que atrapalham o submergir
E afundo mais ... agitando os pedaços ... fragmentos da minha história
Essas tintas escuras que turvaram minhas águas ... são sete passos até a praia

Mas afogo nos meus dejetos pessoais e perco a consciência
Pedaços de bonecas sem cabeças ... personagens de filmes ruins ... escritores medíocres

Chove no mar ...
É tarde e o sol segue sua volta no globo ... levando luz a outros pontos
E perco os sentidos ao ver escrito na areia efêmera o pedido de socorro do meu ego doentio

Sobram sete dedos
E peco e padeço sozinho
Mergulhando em águas escuras e revoltas de olhos abertos
A solidão evapora e completa seu ciclo ... desaguando nas bonecas sem cabeças

São só sete passos ... são só estrofes ... mas o mar é denso e não é possível mergulhar na obra

Concreto e lama salgada descem de olhos mesquinhos ao ver a chuva em alto mar ...
E quando a tormenta chega à praia
Faltavam apenas sete passos ...

Verbalizar o lamento
Nadar na própria frustração
Entender o procurar
Mergulhar no escuro
Endurecer no sofrimento
Admitir que o fundo é o ápice
Ser apenas humano inseguro
Nathanael Anasttacio, janeiro de 2010
Leia mais sobre o autor.

Imagens: pintor iraquiano Nael Hanna e fotógrafo sueco Stefan Söderström.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Vítor Ramil fala de sua obra literária

A produtora Moviola tem um programa semanal na Rádio Com, dedicado a falar de cinema, mas que conversa com artistas e intelectuais, com o cinema como ponto de partida (ou de chegada). Às vezes são editados vídeos com partes de um programa. O Programa Moviola vai ao ar toda segunda-feira, das 22h30 à meia-noite, podendo ser ouvido no ar (104.5 FM) e no sítio web da Rádio Com.

Como não se está filmando um programa de TV, o documentário aparenta ter descuidos visuais (como uma pobre iluminação), mas lembre que a filmagem foi feita num programa de rádio e o uso da câmara representa um "espectador" no estúdio, concentrado nas palavras e não nos gestos. A apresentação é feita por Alexandre Matos e mais adiante aparece a voz de Cíntia Langie, diretora da Moviola.

Com três canções de Ramil como fundo, o tratamento das imagens urbanas quer sugerir uma transcrição de Satolep ao cinema (repare na Catedral, a Prefeitura, o Café Aquários). O livro saiu em 2008 (foi terminado em 2007). O escritor-músico redige com imaginação cinematográfica, mas não com o objetivo de ser filmado; em todo caso, Vítor acha que mereceria, pelo menos, uma superprodução e que Wim Wenders seria o cineasta que "poderia dar conta da questão humana, interna, da obra".

A cidade é uma extensão da família da gente. Pra mim é importante ter uma boa relação com a cidade, que ela saiba o quanto eu gosto dela e que eu sinta também que a cidade gosta de mim. Com Satolep houve esse retorno com a cidade.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Paralelos entre a psicoterapia e o tênis

A reunião científica da quarta-feira 30 de maio de 2007, na Sociedade Sigmund Freud, foi uma palestra aparentemente normal, com um tema, um expositor e uma dezena de pessoas assistindo, mas houve algo diferente no conteúdo.

Na ocasião, o psiquiatra Hémerson Ari Mendes foi convidado para tratar um tema de sua preferência e, sem sair dos limites da prática psicanalítica, abordou um tema lúdico e pedagógico para os psicoterapeutas e interessados na área "psi".

Tenista amador e, na época, professor de Psicologia Médica na UFPel, Hémerson brincou com a comparação entre uma partida de tênis e um encontro terapêutico, transmitindo seu entusiasmo pela ciência, pelo ensino, pelo esporte e pela arte... da psicoterapia.

Sempre com fluência e bom-humor, o psicanalista-tenista explicou umas 50 semelhanças entre ambas atividades, dando exemplos práticos e pessoais, tudo sem ler notas nem fazer pausa alguma, no ritmo de um “lançamento” a cada 90 segundos.

Já distante do agitado campo de jogo, pois a palestra também pareceu uma partida de tênis, reli os apontamentos e fiz uma tentativa de classificação, que a seguir transcrevo, ficando-me a impressão da coerência e interesse dos conteúdos.

Os paralelos são mais evidentes entre a sessão psicológica e a partida de tênis, duas formas de diálogo humano e real, sob certos limites e normas:
  • Ambas são encontros entre duas partes,
  • situadas frente a frente,
  • em um setting (enquadramento) espacial e temporal.
  • A interação é mental nos dois casos, com a bolinha representando o foco das idéias verbalizadas, na alternância da palavra.
  • Mas ela é também, inevitavelmente, corporal e sensorial;
  • se feita virtualmente, perde seus benefícios (detalhe não mencionado na palestra).
  • É preciso um adestramento mecânico (bater bola/bater boca), mas o jogo consiste em fazer pensar, conhecer o outro, provocar mudanças.
Uma segunda série de analogias pode fazer-se entre o processo terapêutico e a partida de tênis, encontros prolongados de energias contrapostas e transformações mútuas.
  • A duração de ambos, breve ou longa, depende das ações de cada participante – criativas, agressivas ou defensivas.
  • A relação terapêutica precisa equilibrar o uso da força (nos dois participantes), assim como o tenista segura a raquete: nem com muita dureza que prejudique o vínculo, nem afrouxando demais que este se dilua.
  • A mão deve aplicar um peso, fazer sentir uma pressão (para evitar a derrota pela neurose), mas só até certo ponto, pois uma ação violenta gera reações parecidas (defesas neuróticas ou psicóticas).
  • Ambos processos conjugam a empatia mútua (atirar a bola para que o outro a apanhe, como no frescobol, jogo mais típico de namorados) com a existência de dificuldades e desafios (construir uma jogada nova, para que o competidor responda à exigência e, se puder, se saia bem).
  • Na terapia e no tênis, há um prazer inerente ao jogar, mesmo que não se ganhem pontos.
Um terceiro tipo de paralelos foi feito com o ensino do tênis, entre o instrutor esportivo e o terapeuta:
  • ambos têm objetivos e preferências pessoais, que às vezes interferem na aprendizagem ou na terapia.
  • Um aprendiz e um neurótico querem adquirir recursos adaptativos para chegar a suas metas.
  • Aluno e paciente podem ver o orientador como um modelo a seguir na vida, o que facilita simpatias e antipatias específicas.
Noutra área de comparação, tenista e terapeuta podem formar com seu público vínculos transferenciais: de admiração, dependência, ódio, angústia. Um detalhe não mencionado é que as seduções sexuais, os laços de afeto e idealização ocorrem com facilidade, tanto nas poltronas e divãs como nas canchas, onde exibição e observação se complementam, entre homens e mulheres, terapeutas e pacientes.

Na atividade em si mesma, também há semelhanças entre o que o jogador e o terapeuta fazem: alguns seguem fórmulas, enquanto outros fazem as coisas sem consciência dos detalhes, na base dos talentos naturais. Para não errar, é preciso olhar a bola-foco (ao recebê-la), enquanto nos lançamentos a visão deve concentrar-se no objetivo.

Após um debate com os assistentes, Hémerson deixou uma instigante idéia para pensar: O jogo não termina; é importante manter-se nele, pois sempre há mais jogadas, mesmo que nos sintamos momentaneamente perdidos.

Na palestra não se mencionaram diferenças entre o esporte e a terapia, mas elas existem e são importantes: os jogadores competem um contra outro em busca de um troféu, o tênis ocorre geralmente com público olhando e torcendo, há campeonatos e hierarquias de tenistas mas não de psicólogos, na terapia os participantes não podem alternar entre análise e relação sexual.

Estes e outros paralelos entre o tênis e a vida mental humana podem ver-se no filme inglês Wimbledon, de 2004. Em português chamou-se “O Jogo do Amor”, nome que para nós já é uma alusão ao encontro terapêutico.
Fotos da web


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Primeira exposição de Solange Lange

Após anos de estudo e prática, Solange Lange aceitou o desafio de expor seus quadros por primeira vez, instada pelos colegas de trabalho no Hospital-Escola. Depois da ansiedade veio o alívio e ela se diz sentir realizada.

A mostra entrou nos últimos dias de janeiro e terminou hoje (17), no Corredor Arte, projeto de saúde mental que este ano completa dez anos.
Segundo a informação da coordenadoria do projeto, Solange trabalha há quinze anos no Hospital da FAU-UFPel e conhece como espectadora a história das exposições. “Admiro muito o Corredor Arte, por isto fico feliz de apresentar meu trabalho pela primeira vez aqui”, declara.
O contato de Solange com a arte iniciou há 25 anos, quando começou a pintar em tecidos. A vontade sempre foi pintar telas, mas foi bem recentemente que apareceu a oportunidade de aprender num ateliê, com professora e colegas.

Trata-se de naturezas-mortas e paisagens, tipo de trabalho de uma fase inicial de estudo, onde o artista desenvolve técnica sem necessariamente transmitir mensagens novas. Nas telas predomina o verde e pontilham cores vivas como o vermelho (abaixo), sem perder o realismo da natureza - junto ao entusiasmo e à vivacidade sugeridos por essas cores.
Na simplicidade dos conteúdos, o talento começa a despontar quando observamos texturas como as folhas das violetas (acima à esq.). Um detalhe da mesma imagem (dir.) mostra o que de longe não se percebia: as transparências e reflexos nas minúsculas gotas d'água.
Imagens Corredor Arte

Passa a bola: o futebol da vida

Sábado passado (13), o filme "Futebol, Sociedade Anônima" (2009), da produtora Moviola, conseguiu um verdadeiro prêmio: ser exibido na televisão para milhares de espectadores, no segmento "Curtas Gaúchos", da RBS. Até agora, este trabalho de Cíntia Langie e Rafael Andreazza só havia sido projetado em ocasiões especiais, nunca em cinemas regulares nem na internet.

A equipe criativa tratou um tema humano universal num local assumidamente pelotense, cotidiano e atual: o bairro Simões Lopes, na fronteira entre o centro e a periferia, entre a vida e o abandono. Na estação férrea em ruínas, um sonhador de outra época ainda espera o trem. No jogo da vida, as emoções e o desespero para conseguir coisas reais. A denúncia não poderia ser mais clara e ao mesmo tempo mais sutil.

No clipe musical que a mesma equipe produziu, um irônico Edu daMatta dá conselhos enganosos aos pelotenses: não espere o trem, esqueça seus ideais, não se apaixone, fique na zaga, deixe os outros fazerem o gol, não fale com o motorista, tente agradar a sua mãe e ao diabo. Será que alguém vai se dar conta desses impossíveis e fazer o contrário?


Se você vê que isso não dá pé,
Não deixe uma pétala na flor de bem-me-quer
Para saber se ela ainda te ama.

Não meta a mão no fogo por ninguém
E não pergunte informação ao maquinista deste trem
Para saber se ela foi embora.

Passa a bola, Mané,
Que tu não tem as perna torta nem chuta no gol
E no teu time todos querem ser o Dez.

Não meta a mão no fogo, meu irmão,
Tu vai encontrar outra mulher,
Como a tua mãe queria, como o diabo quer.

Lixão em zona residencial

Há um mês, o blogue O Século XX fez uma nota crítica de costumes.

De início, o post mostra a esquina da Dr. Cassiano com Álvaro Chaves, hoje um terreno vazio e abandonado (esq.), no meio de zona residencial em pleno centro de Pelotas. O cartaz diz: "Proibido colocar lixo".

O blogueiro, Sérgio Fontana, comenta que essa imagem de relativa limpeza sugere que a proibição foi respeitada e que, de fato, num raio de 20m em torno à placa, não há lixo amontoado. Mas logo descobre a ação do "jeitinho brasileiro". Leia abaixo o resto da nota (ou a original: Povo desenvolvido é povo limpo).

Como o povo pelotense é educado! – diria um possível visitante deste blog.

Em seguida, o mesmo visitante se depara com a foto abaixo, imaginando que se trata de uma imagem obtida num país muito pobre e desgovernado, onde a infraestrutura viária e as leis ambientais simplesmente não existem.

Aí [umas linhas abaixo], ele descobre a verdade. O terreno é o mesmo da primeira foto, só que uns [40] metros adiante, um pouco mais longe da placa de advertência, e tem muito lixo [orgânico e inorgânico] que, dia a dia, parece que vai aumentando.

Ele, o internauta, passa a não entender como isto pode [ou pôde] acontecer, uma vez que o povo pelotense é muito educado e jamais jogaria lixo em local impróprio.

E antes que alguém diga que são as pessoas mais pobres e desassistidas que fazem isto, eu rebato, afirmando que também elas o fazem, mas não só elas. Já vi muita gente [que se autodenominaria] "de nível" jogando lixo ali, desrespeitando a própria sociedade em que vive.

A educação de um povo, em longo prazo, tem tudo a ver com a educação da criança. Mas isto não depende só da escola: depende muito mais das estruturas familiares que, na minha opinião [no Brasil], são o elo mais fraco dessa corrente que – é evidente – tem outros "elos" a serem considerados.
Fotos de Sérgio Fontana

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

História de um pardal (crônica)

Rubens Amador atuou por mais de quarenta anos como cronista literário e jornalístico. Produziu dois mil e tantos trabalhos, como colaborador na imprensa diária pelotense. Em 2008 e 2009, o blogue Amigos de Pelotas publicou alguns textos seus.

Enquanto não se edita uma coletânea de suas antigas crônicas, o autor compartilha algumas conosco. Entre suas preferidas está o seguinte relato de memórias, daqueles que deixam pensando pelo resto da vida. Situado nos anos 30, foi escrito e publicado na década de 1980, mas vale a pena reler, por seu sabor de permanência.



Crônica sobre um pardal
Passou-se já longo tempo! Teria eu meus quatro ou cinco anos de idade. Meu tio Leôncio estava condenado a morrer de tuberculose.

Naquele tempo era assim. Não havia o pneumotórax, a hidrazida ou os antibióticos. Os bem abonados economicamente procuravam cidades altas, como Campos do Jordão, ou iam para as Minas Gerais. O ar rarefeito desses lugares exigia menos movimentos respiratórios dos pulmões e, este fato, aliado a uma alimentação rica, ensejava, em muitos casos, uma maior chance de cicatrização das cavernas pulmonares.
Os doentes daqui, sem muitos recursos para buscarem uma possibilidade de cura em clínicas distantes e caras, iam para nossa campanha mesmo ou para lugares que a elas se assemelhassem. Procurava-se o ar puro para quem o estava perdendo dia a dia.
Foi o que fez minha avó com seu filho doente, que adorava. Alugou uma chácara, parece-me que na Cascata, e para lá levou seu primogênito. Meu tio era uma criatura boníssima e paciente. Era magro, alto e jovem. Lembro-me muito bem dele com sua barba negra e bem cuidada que, apesar disso, aumentava-lhe o aspeto de doente. Mas ele tinha muito orgulho de sua barba e não a tirava por nada.
Um belo domingo meus pais foram visitá-lo – durante uma tarde – levando-me com eles, que era seu filho caçula.
Eu brincava por entre o pasto do terreno, nos fundos da chácara, onde havia muitas árvores frutíferas.
Em dado momento meu coração pulou forte, de surpresa e alegria! Eu vira um filhotinho de pardal – que ainda não voava – no chão, saltitando, e lembro-me que não foi muito difícil correr atrás dele e pegá-lo.
Oh, tempos dourados que nossa mente tão nova tudo grava, de maneira indelével! Aquele passarinho era a primeira coisa realmente minha. Atingia, por isso, naquele momento, um significado extraordinário para mim. Representava uma posse e uma vitória, que só a tenra idade da inocência podia emprestar àquele acontecimento tão banal.
Corri para casa, a uma dezena de metros de onde eu me encontrava, trazendo desajeitadamente a frágil ave entre minhas pequeninas mãos, meio assustado e desconfortável com as bicadas com que o animalzinho procurava se defender. Mas não o larguei, afinal era meu primeiro troféu.
Tio Leôncio foi a primeira pessoa que encontrei. Estava sentado, tomando sol em uma cadeira nos fundos da casa e provavelmente, reparando por mim enquanto eu descobria aquele ambiente totalmente novo.
Mostrei-lhe o pássaro que “caçara”, com sensação de vitória e fortuna, representadas por aquele pardalzinho cativo em minhas mãos. Meu tio me elogiou pela minha coragem, e disse-me que aquele pássaro (um pardal!) era muito bonito. Agora ele já o segurava, enquanto eu o cercava excitado.
“Rubens”, disse-me. ”Só tem uma coisa: ele é muito pequeno ainda, precisa ser alimentado por sua mãe e seu pai, para crescer. Tem que aprender a voar com eles. Por isto se deixou pegar. Está indefeso.”
Um sentimento de desolação – lembro-me – tomou conta de mim. Perguntei-lhe aflito: “Vou ter que soltá-lo?”
Meu tio piscou-me um olho e tranquilizou-me: “Mas eu sei de uma simpatia que, quando este pardalzinho estiver pronto para voar e alimentar-se sozinho, ele vai voltar para ti um dia...”
“Como?” – indaguei ansioso. “Olha o segredo (respondeu-me com voz entre baixa e misteriosa): vai ter de ficar entre nós para sempre.” E continuou: “A gente coloca três pedrinhas de sal na cauda dele e aí solta-se o passarinho perto de uma árvore; quando estiver adulto, grande, ele volta e o pegas de novo.”
Concordei logo, ante tanta sapiência. Ansioso o vi levantar-se, e com passos lentos ir até a cozinha, onde apanhou o saleiro. Retirou algumas pedrinhas maiores de sal e colocou-as entre as penas da cauda do pássaro. Eu a tudo observava, segurando o animalzinho – honrado – enquanto ele fazia aquela simpatia secreta que traria meu pardal de volta, um dia.
Pouco tempo depois, meu tio morreu. Fomos todos lá onde ele dormia para sempre. Alguém chorava baixinho. Guardo na lembrança a sua face morta, que, hoje percebo, muito se assemelhava à de Che Guevara também sem vida, na maca.
Adulto, nunca me esqueci daquele agradável incidente ocorrido entre as minhas primeiras experiências positivas no aprendizado que todos fazemos, aos poucos, na Universidade da Vida.
Sempre que vejo um pardal adulto saltitando entre as pedras da rua a catar um grão qualquer, pergunto-me se não será aquele que foi meu, em um dia distante, numa posse tão fugaz, e que agora finalmente estaria voltando.
Afinal, dentro da gente, sempre fica a parte melhor da criança que fomos um dia.
Rubens Amador
Fotos da web (2-4) e A.T. Vidal (1)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

UFPel no Tempo: mostra documentária

Em janeiro passado, o Corredor Arte exibiu a mostra "UFPel no Tempo", com uma dezena de painéis, cada um com duas fotografias sobre as escolas originais da instituição.

A série contém parte do material da exposição "Unidades Fundadoras da UFPel", que de agosto a outubro de 2009 apresentou aspectos históricos da Universidade que completava então 40 anos (veja nota). Ela se constituiu em agosto de 1969, aglutinando escolas locais, científicas e artísticas, algumas delas fundadas no século XIX.

Os curadores das duas mostras - Francisca Michelon, José Luiz de Pellegrin e Raquel Schwonke - prepararam um elemento que serviu de brinde e catálogo para os visitantes: uma coleção de 9 postais em recipiente próprio, com uma foto e um mini-histórico de cada uma das 10 unidades fundadoras (dir.).

Os pelotenses conhecem essas unidades por sua atuação permanente junto à comunidade, mas ignoram sua origem e a complexidade histórica de cada uma - e do conjunto delas, que é a Universidade Federal de Pelotas. Agora que ela passa por uma expansão, atraindo professores e estudantes do resto do Brasil, esta documentação precisaria seguir rodando pela cidade e pela Zona Zul, para que conheçamos e valorizemos nosso patrimônio.

Exemplo desses vazios de conhecimento em Pelotas é o Horto Botânico Irmão Teodoro Luís, pertencente hoje ao Instituto de Biologia da UFPel, no campus Capão do Leão. Criado em 1945 como Horto Florestal de Pelotas, passou a ser o Horto Botânico do Instituto Agronômico do Sul.

Entre as fotos destas duas exposições, encontra-se uma do Irmão Teodoro Luís em oração (esq.), como Jesus no Horto das Oliveiras. Não há indicação de data; somente pude averiguar que o Irmão nasceu em 1904.

Professor de geobotânica, de nome civil Ramón Malagarriga y Heras, o lassalista espanhol fundou o Jardim Botânico de Porto Alegre, e veio de Canoas (RS), na década de 1940, para organizar este verdadeiro laboratório de pesquisa científica em Pelotas, que hoje leva seu nome religioso.
Fotos: F. A. Vidal (1) e UFPel (2)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

"O último jogo", filme experimental de suspense

Num dos primeiros trabalhos acadêmicos produzidos no curso de Cinema e Animação da UFPel (hoje chamado Cinema e Audiovisual), o curta-metragem "O último jogo" relata uma conversa de três amigos sobre casos sinistros, enquanto jogam cartas no Café Monjolo (próximo ao Instituto de Artes e Design). Aparentemente os três fatos tinham a mesma origem, a qual levaria a um desenlace comum.

O futuro cineasta reconheceu pequenas falhas no tratamento de imagens, mas revela boa mão no manejo da música e da edição para o relato de suspense. Para o espectador, o principal vazio desta opera prima de Diego Geisler (2008), é que carece de créditos, como se fosse somente uma brincadeira entre amigos.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Por que Pelotas não quer shoppings?

O leitor Gilvane Ferreira Garcia, pelotense residente em Porto Alegre, fez aqui no blogue uma reflexão para despertar respostas, em busca de entender qual seria nosso impedimento para crescer como o resto do mundo. Isso foi em junho de 2009. Como não houve reações, recoloco o assunto, que seguirá em próximas postagens, analisando aspectos do mesmo problema.

Quando Pelotas terá um "shopping center de verdade"?

As respostas mais típicas à pergunta dele (em azul, acima) costumam ser negativas:
– Nunca, pois os grandes empresários locais não permitirão competidores.
– Pelotas não precisa de shoppings para valorizar-se e crescer.

O tema dos shoppings é polêmico e de complexa resposta. Incomoda a muitos pelotenses, por evidenciar uma tendência ao estagnamento econômico, paradoxo vergonhoso para a que foi cidade rica até inícios do século XX.

Pelotas está hoje povoada de ruínas de centros comerciais –como a carcaça inacabada na Bento Gonçalves com Santos Dumont (dir.) – e de amplos terrenos baldios que esperam dias de glória.

Alguns poucos se dão conta de que as contraforças que impedem o progresso provêm desde dentro de Pelotas... mas nada podem fazer. Outros parecem aprovar a falta de shoppings, que representariam a banalidade, o consumismo e a invasão de multinacionais. O "consolo" nesse caso não ajuda, pois estas pessoas seguem sonhando com ideais.

Será uma resistência da elite empobrecida? Ou maldição que restou das charqueadas? Um exemplo antológico de abandono é o edifício inconcluso (abaixo), que ia ser um centro comercial, enorme lixo urbano em pleno centro histórico, há uma década levantando a bandeira da decadência (que paradoxo).

A seguir, uma condensação do texto que o leitor propôs ao debate.

Dizem que Pelotas é um "shopping a céu aberto"; que tem um comércio pujante; que abarca quase "um milhão de habitantes" da região que a cidade centraliza; enfim, teoricamente Pelotas reúne todas as condições para sediar um centro de compras na modalidade de shopping center.

Por que Pelotas até hoje não recebeu de uma grande rede desse segmento uma atenção direta ? Vários foram os projetos apresentados. Várias vezes foi anunciado que, enfim, Pelotas teria o seu shopping. Até "coquetel de lançamento ocorreu no Dunas", pelo que li no "glorioso" Diário Popular. Porém, na prática, nada avançou.

Enquanto isso, o que se vê ? Cidades de menor representatividade – seja em população, seja até em poder econômico, até mesmo pelo tamanho – já contam com centros comerciais. Canoas amplia o seu shopping; Novo Hamburgo terminou recentemente a ampliação do seu; Santa Maria inaugurou ou está prestes a inaugurar o seu; Passo Fundo está ampliando o seu já conhecido e bonito " Bella Cittá", e por aí vai.

E Pelotas, até quando? Alguém teria uma explicação, plausível ao menos, para esse "retrocesso e por que não dizer, ostracismo comercial da cidade"? Gostaria de ouvir a opinião do segmento empresarial da cidade e região.

Já que nenhum grande grupo manifestou interesse, façam como Passo Fundo: eles construíram um shopping para a cidade com dinheiro da "terra". Pelo que sei, dinheiro não seria o problema, mesmo porque há empresários pelotenses investindo nesse setor, em Gramado, Nova Petrópolis etc.

Abraços, Gilvane Ferreira Garcia, 19/06/09 22:57

Fotos de F. A. Vidal

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Autores locais apresentados no blogue

Em seu primeiro ano, este blogue apresentou 16 escritores locais, de diversos gêneros, idades e quantidade de publicações - alguns já consagrados e outros revelando-se recentemente. Cinco são mulheres. Seis não nasceram em Pelotas, mas todos moram aqui. A produção mencionada ou aludida nesta pesquisa cobre cerca de 10% do que se publica na cidade atualmente. As notas podem ser pesquisadas de modo conjunto, clicando na seção Literatura ou transcrevendo na janela de busca (acima à esquerda) o nome do autor ou qualquer palavra-chave.

O de maior alcance e volume literário é Aldyr Garcia Schlee (dir.), que em dezembro passado lançou uma série de contos em torno ao nascimento de Carlos Gardel, Os limites do impossível (veja nota).

Schlee é jaguarense que reside em Pelotas desde os 15 anos de idade, e seus conteúdos são habitualmente focados na fronteira com o Uruguai ou no país vizinho. Inclusive os uruguaios o têm como escritor nacional deles. Sua carreira profissional se situa no jornalismo e na docência universitária, começando na literatura de ficção somente após os 40 anos de idade.

Proveniente da sociologia como Schlee, mas já consagrada como professora de literatura, Hilda Simões Lopes patrocinou a Feira do Livro de 2009, lançando aqui duas obras recentes: um manual de redação e um romance em torno à figura literária de Clarice Lispector. Hilda reside em Porto Alegre, onde tampouco participa de academias.

Vítor Ramil (esq.) é conhecido nacionalmente como cantor há 30 anos, e lançou um segundo romance em 2008: "Satolep" (leia nota), obra de longa preparação e de complexos conteúdos, fruto de obsessivos amores por Pelotas, sua cidade-natal. Nem Ramil nem Schlee pertencem a agrupações literárias, por opção.

Entre os membros da Academia Pelotense de Letras, Manoel Soares Magalhães tem-se mostrado como romancista, poeta, pintor e blogueiro, com surpreendentes resultados ao conjugar diversas artes e gêneros discursivos. O colega de sodalício Francisco Dias da Costa Vidal, cronista de jornais desde os anos 50 e psicólogo desde os anos 60, apresentou em 2008 sua segunda coletânea de relatos de viagem, desta vez um retorno aos veraneios dos anos 40 no balneário do Hermenegildo, de Santa Vitória do Palmar, município mais austral do Brasil.

Marlise Flório Real (dir.) é psicóloga, vitoriense radicada em Pelotas, que publica crônicas sobre amor e sexualidade, e as reúne em livros. O último deles foi lançado em outubro de 2009.

O poeta Joaquim Moncks não publicou livros recentemente, mas tem vindo a Pelotas como integrante da Academia Sul-Brasileira de Letras, onde paraninfou o ingresso de um escritor. João Manuel Cunha é professor de literatura mas está mencionado neste blogue como escritor, pela simples façanha de ter sido citado num discurso de ingresso na Academia Brasileira de Letras, o do cineasta Nelson Pereira dos Santos (leia nota).

José Antônio Mazza Leite provém das ciências biológicas mas tem se dedicado à pesquisa histórica, especificamente sobre Pelotas. Em 2009 publicou um resumo justamente sobre a origem e desenvolvimento de nossa cidade.

Rubens Amador Filho é jornalista com talento para a ficção, especialmente os contos breves. Em 2008 criou um novo meio de comunicação em Pelotas, onde inventa personagens, colunistas e até notícias, buscando com teimosa rebeldia uma cidade futura que se resiste a ser reinventada, e que Ramil já descrevera num limbo, mundo ideal paralelo. Rubens apresentou duas obras em 2009, derivadas da produção no blogue Amigos de Pelotas, afinal também este uma obra literária.

Pablo Rodrigues é outro jornalista que publica somente crônicas e textos poéticos, mas cultiva um estilo de pureza e profundidade literária, nas pegadas de Guimarães Rosa.

Janaína Brum tem um blogue de poesia, o que em si mesmo não seria um destaque literário. Mas sua produção é disciplinada, criativa e baseada em estudos linguísticos. Outra jaguarense que enriquece nossa cidade com o verbo sonoro e delicado que sai de um coração sensível, peneirado por uma inteligência e uma boa capacidade artesanal.

Beatriz Araujo é porto-alegrense radicada em Pelotas há nove anos, e escreve na internet poemas dedicados com naturalidade ao amor, simplesmente. Sua primeira coletânea foi encarregada a uma editora virtual.

Nauro Machado Jr. diz que não é nem quer ser escritor; mesmo que seu livro sobre o Grêmio Esportivo Brasil seja um fenômeno de vendas em Pelotas. Ele é fotógrafo profissional e já tem mais ideias para contos e romances, o que o define, pelo menos agora, como um futuro escritor. Que seguirá sendo fotógrafo.

Anderson Reichow já publica crônicas, contos e reportagens na internet, com evidente talento. Sua primeira participação num livro ocorre nestes dias, como um dos nomes numa coletânea de artigos sobre direitos dos animais. Veio de Canguçu aos poucos e já é pelotense adotado, sendo o segundo mais jovem deste grupo de autores.

Em 2008, Júlia Thomaz (dir.) publicou contos breves, aos oito anos de idade (veja nota), e, mesmo que não saibamos sua direção profissional ou vocacional, é a mais precoce escritora jamais vista em Pelotas.
Fotos de F. A. Vidal

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Entre o passado vivente e o futuro moribundo

Cheguei à rua, a luminosidade do sol cegando-me. Nossa! Quanto tempo eu não punha os pés para fora de minha prisão durante o dia? Afinal, habituara-me a abandoná-la somente à tardinha, quando o sol é uma coisa mole e amarela caindo por detrás dos edifícios, deixando a cidade entregue à escuridão reconfortante.

Caminhei ao acaso, sem saber exatamente por que quebrara a rotina. Talvez fosse a insuportável solidão e/ou a patética insatisfação, e bem possível que fosse a asfixia narcotizante do cubículo me reduzindo a fugaz sombra de homem? Ou, quem sabe, a lembrança da vizinha de olhar claudicante tenha me empurrado porta afora. Ah! A resposta que se danasse.

Deixei-me levar, passo vagaroso, pelo aluvião de pessoas rolando pelas calçadas, ruas, gente estranha, apressada, cara amarrada e transbordando tensão, obedientes às infames regras do iridescente-nervoso-idiotizado formigueiro, cuja coreografia me deixava absolutamente tonto. Uma panela de pressão cozinhando sopa de curiosos e torpes ingredientes - pessoas, ideias, filosofias, projetos, sonhos, amores, rancores, frustrações e desejos.

Cenho franzido, peregrinei pela cidade o dia inteiro, chegando à conclusão de que em nosso infeliz mundo é impossível à sociedade não se dividir em duas classes: a dos opressores e a dos oprimidos. A primeira entregue à fartura e a segunda, aos braços pouco confortáveis do deus-dará.
Fragmento do conto "Cheiro de bergamota... de pele juvenil" (1ª edição: Cultive Ler, 1995).
Dois Textos Marginais, de Manoel Soares Magalhães. Pelotas: Livraria Mundial, 2009.
Fotos de F. A. Vidal

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Nudismo como performance

A inauguração da megamostra Arte no Porto III, em outubro passado, não contou somente com as obras de artes plásticas e um vídeo que faziam parte do acervo exposto. Naquela noite, nos diversos pisos do prédio da antiga Cotada, houve apresentações musicais e uma performance teatral.

Esta última, no último andar, concluiu com um gesto concreto-simbólico dos atores: tirarem a roupa e permanecerem nus no lugar, misturando-se aos visitantes como se também fossem observadores da exposição e em postura de ficar expostos à observação. O público, em maioria artistas, tolerou bem esta atuação, como quem trata com algo inofensivo. Toda atuação tem algum grau de exibicionismo, mas a nudez fora de contexto é chocante, de início, e aos poucos nos deixa algo novo em que pensar.
A pura nudez corporal nos recorda que somos animais, que por natureza não se vestem: ao ver bichos com roupas nos surpreendemos, e ante pessoas nuas - pressupondo a proibição de tocá-las - preferimos vê-las como se fossem animais. O gesto de despojar-se de tudo também mostrava a disposição dos atores à nudez da alma (abertura ao encontro humano sem pudores) e denunciava a nudez dos que andam vestidos (exibição social da personalidade).
O professor Pellegrin, coordenador-curador do evento, aprovou sem moralismo esta manifestação, que considerou poética. Ao ser questionado sobre o exibicionismo, ele enfatizou o significado das máscaras sociais, recordando que São Francisco de Assis ficou nu para entrar na vida espiritual. Evocou também o final do soneto de Vinícius São demais os perigos desta vida:
Uma mulher que é como a própria lua:
tão linda que só espalha sofrimento, tão cheia de pudor que vive nua.

Foto de Guitavares (Flickr)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Os troncos que atrapalham

Túlio Pinto introduziu cem toras de madeira em duas janelas de paredes internas, no segundo piso do velho edifício da Cotada. Deixando atrás os tradicionais talentos plásticos, a arte contemporânea utiliza materiais concretos para promover a autocrítica e a reflexão social.
Neste caso, a instalação-intervenção parecia representar o conselho bíblico de não considerar a palha em olho alheio e procurar ver as vigas no próprio, que - por incômodas e grandes que sejam - às vezes não as percebemos, pelo simples fato de serem parte do olho que vê.
Haverá nos pelotenses alguma tendência a criticar defeitos de outros, que na verdade pertencem ao observador, ou a lamentar-se pelos defeitos próprios, como se fossem uma tragédia? Ou estamos numa fase mais primitiva, em que nem percebemos que a visão está obstruída? Se não, busquemos remover esses obstáculos.
Fotos de Guitavares (1) e F. A. Vidal (2)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Sambistas injetam ânimo no hospital

Há sete anos e meio, um conjunto musical nasceu com o singelo fim de colocar um pouco de alívio ao sofrimento no Hospital da FAU-UFPel. Até hoje, sempre nas quintas-feiras, faça chuva ou faça sol, os sete músicos do grupo "Medicação" passam pelos corredores fazendo brotar sorrisos. Na quinta 21 de janeiro, fui tomar fotos e observar como se desenvolve esse projeto voluntário, que parece ser algo único em nossa cidade.

Origem do grupo

Em junho de 2002, Eduardo Brasil (de boné branco, nas fotos) operou-se neste hospital e sentia aquele nervosismo dos exames e a tensão das longas esperas. Além das complicações físicas, o silêncio fazia a vida ser um peso, e ele sentiu falta da música para distrair o tédio e animar-se de novo para a vida cotidiana. Uma vez dado de alta, ele convidou colegas sambistas – da Banda do Costinha, onde ele toca, e de outros conjuntos – para tocar e cantar uma hora por semana, e dar um pouco de esperança de viver aos que se sentem desanimados.

Uma funcionária da UFPel, familiar de Brasil, redigiu o projeto sob o nome Urutágua Tupã-í (em tupi, "Canção que vem de Deus") e a Universidade aprovou. Os músicos aceitaram o convite, escolheram o nome do grupo e o projeto não parou mais. O Medicação somente se constitui aqui no Hospital-Escola, e cada integrante toca em seus conjuntos de origem (alguns poderão ser vistos no concurso organizado pelo Diário Popular, neste fim-de-semana). [Veja nos comentários uma correção deste relato]

Sentido do projeto

Esta ideia espontânea – mas não única, pois outros grupos musicais e religiosos esporadicamente visitam o hospital – veio fazer parte de um grande projeto de bem-estar, onde se incluem a Ouvidoria, o Corredor Arte, a Internação Domiciliar para Oncologia, Campanha do agasalho, Combate ao fumo, Combate ao diabetes, Saúde na estrada (para caminhoneiros) e vários outros programas.

O objetivo geral é médico: amenizar o sofrimento e contribuir à saúde em sentido integral. O meio é musical, mas a atividade é uma espécie de oração ritual terapêutica, de conteúdo espiritual, corporal e coletivo. Os beneficiados são, supostamente, os definidos como doentes, mas a música chega a todos os que podem reconhecer e manifestar seus sentimentos.

Sendo uma atividade voluntária, não dá retorno algum aos integrantes (de fato, o hospital não lhes serve nem um copo d'água), mas o atual diretor providenciou vales-transporte para cada um do grupo, como reconhecimento de sua contribuição à saúde.

As pessoas que participam

Quem vai na frente, mesmo não sendo parte do grupo, é Carla Carvalho (à dir. com crachá, no corredor da maternidade), a ouvidora do hospital, intermediária que acolhe queixas e sugestões da comunidade e as encaminha à direção institucional.

A função de Carla é levar o grupo pelos setores do hospital e ouvir as opiniões dos usuários. A presença dela, inclusive vestindo de branco, representa a aprovação do hospital e ajuda a conter a alegria dos músicos, que vai aumentando, com o sentido de mantê-los na missão. Poderia haver queixas - pois o projeto rompe com o tradicional silêncio e assepsia dos hospitais - mas Carla garante que nunca recebeu uma só reclamação.

Conduzem a harmonia Lauro Pereira no cavaquinho (esq.) e Rogério Silveira no banjo (dir.), que também escolhe as melodias na hora e é tido como o mais brincalhão e "bagunceiro", como ele mesmo se define (se deixassem, ele entraria em todos os quartos tocando). Ele é motor musical e alma do grupo.

Logo atrás, vão Eduardo Brasil no tantã e Miro Pedroso no pandeiro verde-amarelo, que são os mais antigos, fiéis ao projeto desde a fundação.

Na retaguarda, outros percussionistas marcam o ritmo que embala e mantém o ânimo elevado: Pierre Tavares (pandeiro), seu Amaro (tamborim) e seu Páuzio (chocalho).

As vozes não são trabalhadas nem eles têm estudos musicais, mas a unidade do grupo, a firmeza rítmica e o entusiasmo são contagiantes e avassalam todo pensamento negativo. No caminho, o objetivo é incluir todas as pessoas que quiserem mostrar sua alegria e, se for possível, facilitar a autossanação por essa alegria, por mínima que seja.

O trajeto dentro do hospital

O ritual começa cada quinta (exceto feriados), pouco antes das 15h, quando os músicos se concentram no bar defronte ao hospital, pela Rua Professor Araújo. Não ensaiam nem combinam nada, exceto a hora de chegar e a afinação dos dois instrumentos harmônicos. O trajeto pelos setores é um ritual que nunca muda.

O início é pela Oncologia, onde há exames de câncer e pacientes em quimioterapia (esq.). Os músicos já sabem que a recepção aqui será a menos fácil – mesmo que não de rejeição – e por isso entram com muito respeito, sem perder a necessária ousadia. Como agentes de saúde, eles sabem que depois da injeção vem o alívio.

O passeio pela Oncologia é uma surpresa para os usuários, pois a maioria deles está ali por primeira vez, e até caras de espanto se veem naqueles que têm uma doença grave e não esperariam uma serenata em pleno dia. Com certeza, todos já viram um conjunto vocal alguma vez, mas não numa situação tão séria. O impacto é como o de quem vê Papai Noel, achando que não existia. Mas logo vem a aceitação. O princípio desta terapia emocional é que se o corpo sorrir primeiro, a alma sorrirá depois: no momento seguinte, ou dias mais tarde – é questão de tempo.

Brasil acena aos pacientes fazendo com a mão um gesto de força; alguns respondem timidamente, mas a sensação geral é de que o salão de espera se transformou num palco. Dores e tristezas ficam suspendidas. Fotógrafos de celular vão atrás e registram as cenas. O grupo, no entanto, não se detém em momento algum (as máquinas fotográficas precisam ser rápidas).

Saindo dali, o grupo de repente faz silêncio: estamos passando pela U.T.I da Pediatria, que é norma respeitar. Ainda no mesmo setor, a música é retomada e algumas crianças vêm ver o desfile (dir.). Elas também são tomadas de surpresa, mas acreditam logo no que veem. Sorriem com aprovação, mesmo não se somando à festa.

O ritmo não será mais interrompido, nem sequer subindo e descendo as escadas (primeiras fotos acima). Na maternidade, a visita não causa tanta surpresa e é implicitamente recebida como uma homenagem à vida e aos bebês que estão por nascer. O sentido amoroso fica mais claro, neste encontro entre visitantes homens e pacientes mulheres, que mesmo internadas não estão enfermas.

É na Clínica Médica, a seguir, que a alegria começa a transbordar: aqui o grupo entra num quarto com liberdade (foto abaixo) e no corredor alguns funcionários dançam junto com pacientes. Vários participam acompanhando o cordão.

Aqui é onde se pode ver melhor o que Chico Buarque descreveu na música A Banda: as individualidades das almas são despertadas, vivem uma união aparente e, no final, guardam parte desta ilusória alegria para seguir vivendo.

Neste setor há dois tipos de reação: quem já conhece o grupo – por estar ali hospitalizado há mais de uma semana – se encanta pela visita esperada, e os "novos" arregalam os olhos por uns minutos e, mesmo não sambando, gradualmente vão desenhando um sorriso. O espírito muda a direção do pensamento, como foi o caso da moça com soro que estava sentada no corredor: ela foi incentivada a seguir a banda (uma pessoa levava o soro levantado - foto acima) e, em minutos, seu ânimo e sua atitude eram as de uma pessoa que havia esquecido seu estado físico. A terapia mostrava seus efeitos.

Avaliação

Depois de 40 minutos, o clima de festa estava instalado e não havia reclamações. Mas acabou-se o que era doce e o trabalho continua: dentro do hospital e fora dele. Mesmo sem muita organização e sem financiamento, os objetivos foram alcançados, que é o importante.

Se o projeto for avaliado em detalhe, se verá beneficiado de algum tipo de planejamento: na preparação vocal, na escolha das letras ou de vestimentas uniformes. Os integrantes não têm aspecto de artistas nem de enfermeiros, apesar de unir as duas funções. No grupo Medicação, por agora, a disciplina unificadora é a do ritmo, e o entusiasmo transborda até precisar dizer: "Por hoje chega, até a próxima quinta".
Fotos de F. A. Vidal (21 jan)
Vídeos: H. Schwonke, Completa Comunicação (14 jan)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Fórum Social Mundial chega às periferias

O Fórum Social Mundial, iniciado há dez anos em Porto Alegre, já rodou pelo mundo e agora tem uma primeira versão expandida às periferias urbanas. Contraposto ao Fórum Econômico de Davos, o Fórum Social é uma rede mundial de resistência contra o capitalismo. A Glocalização se opõe à globalização.

Em Pelotas, as atividades foram organizadas no Loteamento Dunas, de 2 a 6 de fevereiro. Veja a programação. Outras informações no Diário da Manhã de hoje e no blogue da Rede Vidadania.