O artigo tem valor de documento histórico, pois se refere à terceira passagem do governante por Pelotas (as anteriores foram em 1925 e 1943) e cita as ligações do ex-presidente, todas gaúchas, como Osvaldo Aranha, Heron Domingues (o Repórter Esso) e o guarda-costas Fortunato, que ganhou recente biografia (leia nota).
Foi no início do inverno de 1950. Getúlio Vargas estava em caravana política por Pelotas e em sua comitiva veio o coronel Eurico de Souza Gomes, pelotense e diretor da Central do Brasil. Carlos Barboza Furtado, que era cunhado do coronel e casado com uma de minhas primas-irmãs, perguntou-me:
─ Vou ao encontro do Eurico, que está lá no Grande Hotel: queres ir comigo?
Prontamente concordei. Ao lá chegarmos, um número enorme de pessoas se apertava frente ao hotel. Nós fomos abrindo caminho pela multidão. Nesse momento, vejo – vindo da esquina fronteira ao hotel – o ex-ministro Oswaldo Aranha, de braço com o doutor José Brusque, médico que hoje tem estátua em nossa principal praça. Em seguida chegamos à escada que levava ao primeiro andar, onde estava parte da comitiva. Carlos Furtado, meu primo político, solicitou a um integrante da comitiva que cientificasse ao Cel. Eurico que seu cunhado estava ali. O militar, solícito, subiu a escada apinhada de gente; após breve demora, apareceu na grade, no patamar do primeiro andar, a figura de Eurico, fazendo sinais com a mão para que subíssemos. Carlos puxou-me pelo braço e fui atrás dele.
No momento que atingíamos o primeiro piso, de um quarto, à esquerda, vinha saindo Getúlio Vargas em direção ao quarto principal, que dava para a frente do Grande Hotel, ante a praça Cel. Pedro Osório, no mesmo piso. Ao vê-lo ante mim ─ pele crestada pelo sol, sorridente; trajando um terno de casimira azul, com listras largas, esbranquiçadas, sobre os ombros um xale de cor marrom com franjas ─ estendi-lhe a mão, como fizera o Carlos, e ele retribuiu o gesto, sempre sorrindo, detendo-se por segundos em sua marcha, sem nada dizer.
Nesse exato momento, olhei para a porta do quarto de onde o agora ex-presidente saíra, portas abertas em par, e vi a figura de um negro enorme, sem chapéu, apenas com uma camisa branca, apoiando-se com ambas as mãos na parte superior da porta, tal sua altura. Era o famoso tenente Gregório Fortunato, que fiscalizava o pequeno trajeto de seu chefe, creio, cuidando o percurso “do homem”.
Foi tudo muito rápido, pode-se imaginar. Mas a cena ficou-me gravada na mente até hoje, pelo carisma inegável com que aquele homem de baixa estatura imediatamente eletrizava as pessoas. Ele estava vivendo seus tempos finais como simples humano. Em breve se tornaria um mito.
Saímos de carro e percorremos vários pontos da cidade que Eurico de Souza Gomes, pelotense, não revia há muitos anos. Fomos até a chácara em que passara longas temporadas com a família, na Guabiroba. Foi uma tarde em que rodamos muito, ele matando saudades. Lembro-me que fez questão de ir ao Café João Pessoa, depois Nacional e hoje Aquário.
Voltando à figura ilustre e carismática de Getúlio Vargas, só vim a lembrar-me dele, com ansiedade, em certa manhã, pelas 8h de 24 de agosto de 1954. Eu me arrumava para sair para o trabalho quando ouço na Rádio Nacional, em edição extraordinária, a notícia dada por Eron Domingues, emocionado, cientificando ao País que, naquele momento, havia se suicidado Getúlio Vargas com um tiro no peito, após forte pressão do Exército à beira da insurreição. “Serenamente saio da vida para entrar na História”, deixou escrito.
Já tenho contado aos meus netos com orgulho que, embora fortuitamente, apertei a mão de um homem que jamais sairá das páginas da nossa história, e que realmente foi um líder que deixou muitas obras importantes. Contei-lhes quem foi este grande homem, para que reconheçam o mito, mais tarde, ao folharem as páginas da História, e seguindo a tradição verbal de família dos que, como eu, fui seu contemporâneo.
Rubens Amador
Imagens da web (foto 2:Veja)
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