terça-feira, 29 de setembro de 2015

Mostra nº 300 do Corredor foi sobre Pelotas

Durante agosto de 2015 (precisamente, de 12-8 a 1-9), o Atelier Giane Casaretto voltou a expor, no Corredor Arte do Hospital da UFPel. Desta vez foram 19 pinturas sobre o tema "Pelotas", produzidas em anos anteriores no atelier.

As artistas são: a professora Giane Casaretto e as alunas Fernanda Tröger, Fátima Ferreira, Greice Brod, Heloisa Motta, Rosamélia Ruivo, Carmem Brod, Maria Helena Braga, Vera Holthausen e Clarice Silva (v. mais imagens no Facebook). O convite (dir.) mostra a criação de Giane, uma colagem livre de detalhes urbanos pelotenses, como a Fonte das Nereidas e o calçadão do Mercado.

Costumeiramente no primeiro semestre, o grupo trabalhava motivos relacionados com a Princesa do Sul e organizava, em sua própria sede, mostra alusiva à Semana de Pelotas, celebrada de 1 a 7 de julho. Desta vez, durante três semanas a exposição não foi feita na época de praxe, mas chegou a pessoas que nunca teriam ido a uma galeria de arte ou a um ateliê de pintura: trabalhadores do hospital, pacientes em tratamento e os visitantes dos enfermos.

Um detalhe especial nesta ocasião é que os trabalhos sobre Pelotas marcaram a 300ª (tricentésima) exposição de arte no Corredor do Hospital. O projeto de humanização foi iniciado no ano 2000 e completa 15 anos de atividade ininterrupta, mais precisamente na sexta-feira 18 de setembro (v. post de 2010 Dez anos do Corredor Arte).

Charqueada, de M. H. Braga
"Charqueada", de Maria Helena Braga, ilustra a antiga casa do Barão de Butuí, José Antônio Moreira, às margens do Arroio Pelotas. A construção ficou muitos anos abandonada e passou por reforma recentemente (a pintura ilustra o seu estado "antigo", até 2010 aproximadamente).

Sem tentar uma reprodução minuciosa da realidade, a artista conseguiu um distanciamento que sugere a idealização de um tempo ainda mais antigo que o observado, como que obnubilado por lágrimas. Potenciando a introspecção, ela trabalhou o reflexo na água, que remarca a ruralidade do local, afastado das luzes e geometrias do centro urbano. A tela de 50x70 custa somente R$90 mas terá grande valor afetivo para a maioria dos pelotenses, pois evoca a riqueza que deu fama à cidade, riqueza perdida gradualmente desde as primeiras décadas do século XX.

Rosamélia Ruivo pintou "Patrimônio: banco", outra emblemática face da tradição pelotense, tanto pelo lado arquitetônico como pela história econômica. Em tamanho menor que a tela descrita acima (40x50) esta tem o preço de R$80. Novamente devemos comentar: o valor de mercado seria pelo menos dez vezes maior, se fosse apregoado ou oferecido em leilão.

Em 1928 o Banco do Brasil inaugurou esta imponente sede, defronte à Prefeitura Municipal, com a qual compete, até hoje, em solenidade e sofisticação. As duas instituições representam o poder imperial do século XIX: esta última aloja o governo político, inicialmente nas mãos dos fazendeiros locais, enquanto o Banco do Brasil, imune à decadência das charqueadas, se associa desde sempre ao capital federal. O prédio passou ao Município em 1970, que o utilizou por mais 30 anos, mas, em vez de restaurá-lo, deixou-o fechado e em deterioração progressiva na última década.

Há mais de um século que Pelotas perdeu a antiga riqueza e não existe mais o Império do Brasil, mas o povo ainda respeita e estima a grandiosidade destes símbolos colocados no coração da cidade. A imagem aqui reproduzida mostra outro tipo de idealização afetiva, a que maquia defeitos e sujeiras e prefere recordar as caras dos bisavós não pelas nuvens da memória mas pelas nítidas fotos dos álbuns de família.

sábado, 26 de setembro de 2015

O mendigo que lia revista em quadrinhos


Ele “morava” sob uma marquise. De poucas palavras, vivia do que lhe davam – e eram poucas coisas. O de comer, o de vestir e o de sentir (no coração), quase nada. No olhar – fugidio – um secreto desespero, segredos há muito engolidos e não digeridos.

Nas proximidades, um supermercado, de onde eu comprava, de quando em quando, algo para lhe dar. Não era sempre – para que ele não se acostumasse. Na verdade, uma cretinice minha, pois o que ele queria mesmo era distância de nós, os ajustados (ao menos na aparência).

Hoje pela manhã, ao dirigir-me ao centro pelo mesmo trajeto, disposto a dar algo para o mendigo, percebi que ele não estava – e o certo era vê-lo ali, como cotidianamente acontecia. Levantara acampamento, quem sabe à procura de outra zona da cidade, outra marquise, outras pessoas, melhores ou piores.

Deixara para trás uma garrafa pet, um saco de plástico com restos de pão... E uma revista de história em quadrinhos.

Lembro-me de que ele nos últimos dias lia algo com muita atenção. Quando as pessoas se aproximavam dele, tratava de esconder o que estava lendo. Àquele momento, a caminho do centro da cidade, parei e observei a razão que levara o mendigo a alhear-se do entorno.

Preferira mil vezes a revista infantil – que o remetia ao passado, quem sabe mais feliz – à realidade em derredor, tão triste e melancólica quanto ele. Um mistério, porém, parece-me insolúvel.

Por que ele fora embora e deixara para trás a revista infantil?

Esta pergunta talvez não seja respondida – ainda que ele retorne à sua “toca”, à entrada de uma garagem – pois é de pouquíssimas palavras. Fotografei a cena, espécie de palco de uma pantomima triste, cujo personagem o abandonara. Sem ele, sem a presença humana, aquele pedaço de concreto ficou ainda mais triste e deprimente.
Manoel Soares Magalhães
Texto e foto: Cultive Ler, 22-12-2011

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Rejane, candidata negra a prefeita (2008)

Cor da pele cortês
Poder/permanências
Acessos

Pelo amor
Pêlo de que cor?
Pena que a penugem social veja apenas
Pormenores associados à cor

No passado havia ...
Divisão clara de tons
Propensos à ascensão alguns
Fugitivos todos da escuridão

A cor e o gênero
Geralmente ambos geram contratempos
Nos tempos de hoje e sempre

As coisas ainda são como são ...
Como eram desde a mental escravidão ... costumes escravocratas

Somos todos escravos do que achamos que somos.

Por uma só vez, Maria Rejane Medeiros Terres
ousou levantar uma candidatura dos pobres.
Falando na polis e na política daí derivada. Falando na etimologia ambígua do preconceito encarnado.

Hoje temos uma mulher no poder e as críticas não são apenas por formas de governar. Há dúvidas sobre a capacidade feminina!?

E se a Xuxa fosse negra? Nossos cafés fartos e aquelas manhãs de baixinhos seriam as mesmas?

Ser homem branco? Francamente sabemos o que achamos nos pré-julgamentos que fazemos.

Convidamos à reflexão do tema.

E se a Xuxa fosse negra?
Nathanael Anasttacio


Maria Rejane Medeiros Terres foi a primeira mulher negra a concorrer à Prefeitura Municipal de Pelotas, nas municipais de 5 de outubro de 2008. Ela foi escolhida em junho daquele ano (v. Agência Afro Press). Também foi a primeira vez que o Partido Verde levantou candidatura própria na cidade, sem coligação. Seu vice era o correligionário Nereu Jorge Diniz Morales, assessor parlamentar de 45 anos.

Nascida em Canguçu em 10 de dezembro de 1968, com 20 anos de experiência coordenando campanhas eleitorais; separada, 7 filhos, assessora na Câmara, Maria Rejane tinha o fundamental completo (v. perfil). Ela chegou a participar num debate de TV com outros 7 candidatos homens (v. notícia de ZH, setembro 2008 e lista de candidatos).

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Cartão telefônico homenageou Simões (2003)


Em 2002, o Instituto João Simões Lopes Neto propôs à Brasil Telecom a criação de um cartão telefônico alusivo ao mais importante escritor pelotense. Na época, o Instituto já havia adquirido a casa da rua Dom Pedro II nº 810, onde Simões havia morado entre 1897 e 1907, e que estava em reformas para sediar a instituição.

O cartão foi finalmente lançado na segunda-feira 24 de fevereiro de 2003, contendo, no anverso, imagem da fachada (dir.) e no verso, breve histórico do personagem (v. notícia do Diário Popular, 25-2-03). A data foi escolhida por proximidade com mais um aniversário do escritor, nascido em 9 de março de 1865.

A cada ano, os simoneanos comemoram esse aniversário com anúncios importantes e com homenagens como esta. Por exemplo, em 9 de março de 2006 o Instituto abriu suas portas ao público, na casa planejada para tal, e que foi recuperada ao longo de anos.

Ironicamente, o cartão telefônico que quis evocar a importância deste prédio tem, agora, somente valor histórico; seu uso e sua lembrança foram tão breves como a passagem do Capitão por esta casa (se bem seu espírito segue vivo e presidindo os bons resultados das iniciativas do Instituto). Os tempos mudaram rápido e, hoje, teria que ser criado algum aplicativo que divulgasse a vida e a obra do famoso autor.

Nos dez anos em que viveu neste prédio da rua Dom Pedro II (na época, rua Sete de Abril), João Simões Lopes Neto escreveu nove obras (v. notícia do Diário Popular, 9-3-03):
  • em 1900, "O Palhaço", cena dramática, e a comédia "Fifina";
  • as comédias teatrais "Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá", "Querubim Trovão", "Amores e Facadas" e "O Maior Credor", todas em 1901;
  • "Por Causa das Bichas", comédia (1903);
  • em 1905, "A Cidade de Pelotas (apontamentos para alguma monografia para o seu centenário", que apareceu no segundo volume dos Anais da Biblioteca Pública, embrião da Revista do Centenário, de 1911 (v. cronologia);
  • a lenda "O Negrinho do Pastoreio", publicada primeiramente no Correio Mercantil de 26 de dezembro de 1906 (v. cronologia);
O Instituto João Simões Lopes Neto foi fundado em agosto de 1999, a partir do Núcleo de Estudos Simoneanos, que desde 1995 se reunia em diversos locais. Com o estabelecimento da entidade num local fixo, ligado à pessoa e à história do escritor, Pelotas ganhou uma verdadeira e completa instituição para o desenvolvimento de sua vocação intelectual e cultural.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A empregada era a segunda mãe


"Que Horas Ela Volta?” é o quarto longa-metragem da diretora paulistana Anna Muylaert, que conta uma história de amor mãe-filha, retratando questões sociais do Brasil contemporâneo. Misto de drama familiar e social, é a estreia artística desta semana (10-16 de setembro) no Cineflix Pelotas: sessões às 19h e 21:20.

Regina Casé é Val, empregada doméstica nordestina que trabalha na capital paulista. Sua filha Jéssica (Camila Márdila) vem prestar o vestibular para arquitetura e pretende morar com a mãe, na casa dos patrões. A adolescente muda assim os costumes da casa e rompe a paz social e familiar entre empregada e patroa. O título é emprestado da pergunta que Fabinho (Michel Joelsas) fazia a Val sobre a mãe, quando criança (v. crítica de Veja e no sítio da Deutsche Welle). A empregada criou o filho da patroa, mas não pôde educar sua própria filha.

O filme já ganhou o Prêmio do Público no Festival de Berlim e a dupla protagonista recebeu o de Melhor Atriz em Sundance, EUA. Por essa visibilidade, é o preferido para representar o Brasil  no Oscar 2016 para Melhor Filme em Língua Estrangeira. Se indicado pelo Ministério da Cultura, irá com o título "The Second Mother" (A Segunda Mãe). Um drama com humor ou uma comédia inteligente, à base da vida real.

POST DATA
11-9-15
Notícia oficial do Minc Que Horas Ela Volta? representará o Brasil no Oscar 2016.
18-9-15
O filme entrou em segunda semana, mantendo os horários anteriores (19h e 21:20).

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O misterioso carnaval do Redondo da Praça

Luiz Carlos Marques Pinheiro escreveu um livro virtual de memórias, e o dedicou à cidade natal e a quem no futuro buscar testemunhos dos anos 30, 40 e 50. As lembranças pessoais do conterrâneo, hoje com 75 anos, despertam o sabor e o amor dos pelotenses por sua cidade e pela conservação de suas vivências coletivas (leia o livro completo "A Pelotas que eu vivi: crônicas existenciais", 199 p.).

Um dos 45 capítulos de L. C. Pinheiro (confira abaixo) evoca os antigos carnavais no interior da praça Coronel Pedro Osório. Em janeiro de 2012, José Gomes Neto, outro antigo pelotense, já havia publicado lembranças sobre o falado Redondo da Praça (ao parecer, influindo em parte o texto de Pinheiro, que saiu em 2013): 
      Quem nunca participou de um baile no Redondo da Praça Coronel Pedro Osório, durante o carnaval, não sentiu, ainda, alegria em grau máximo.
      O Carnaval em Pelotas acontecia na rua Quinze de Novembro, no pedaço entre as ruas Tiradentes e Voluntários. A Praça constituía um apêndice ao trecho citado. (...)

      E o Redondo? Bem, esse era um caso à parte. Lá não desfilavam as escolas nem os blocos organizados e sim grupos e indivíduos, que se deixavam tomar pela inacreditável animação com que os bailes transcorriam 
[v. artigo Redondo da Praça, de José Rodrigues Gomes Neto, e Redondo da Praça II, no Pelotas Treze Horas].

O Carnaval do Redondo

Ano 1956. Para quem não conhece, o Redondo é a parte mais central da Pça.Cel.Pedro Osório. Por sua vez, a praça é o ponto mais central da cidade de Pelotas. A praça apresenta oito entradas e no ponto central está o chafariz “As Nereidas”, um presente da França, inaugurado em 1873.

Este chafariz, originalmente, tinha a função de abastecer de água potável a população do seu entorno. Posteriormente, foi construído um tanque externo, em torno das “Nereidas”, para abrigar a água que jorrava da fonte. Esse tanque é chanfrado e, em cada esquina tem um poste. São oito postes ao todo. Esse tanque fica elevado e há três degraus de acesso.

Em torno desse tanque o projeto urbanístico disponibilizou uma área circular (daí o nome de Redondo dado pelo povo), bastante ampla, para o desfrute das pessoas. Em torno dessa área, foram colocados bancos de madeira, tornando o local um ponto muito aprazível e próprio para se reunir, para conversar. Por ser um ponto muito central na cidade, e uma novidade, era muito visado pelos moradores e atraía uma enorme freqüência de famílias.

Passada a fase da novidade pelo Redondo, as famílias começaram a se afastar, porque as prostitutas começaram a frequentar o local, na esperança de fazer conquistas amorosas. Chegou a um ponto em que elas dominaram o Redondo. Eu era menino e a minha mãe fazia recomendações para que eu não cruzasse pelo Redondo, que fizesse a volta na praça, porque era perigoso. Mesmo já rapaz, eu evitava de cruzar pelo Redondo. Cruzar seria mais prático, porque cortava caminho, mas a preocupação existia. Na realidade, as prostitutas não ofereciam nenhum risco. Elas ficavam sentadas nos bancos e nunca tomavam a iniciativa de uma abordagem.

Desenho satírico da Praça Dom Pedro II, reaberta ao público em 1879
(na época, já era usada a expressão "redondo da praça").
No Carnaval, o Redondo fazia o seu próprio Carnaval, característico, que não se confundia com o carnaval de rua da cidade. Incrivelmente, o Redondo não tomava conhecimento do carnaval de rua de Pelotas. Era como se não existisse. Como era um antro de prostitutas, no Carnaval atraía toda a classe baixa de Pelotas. E aqui é interessante fazer uma reflexão.

Quem era essa classe baixa? Os rapazes de Pelotas não era; tinham os seus amigos e, no Carnaval, era muito gostoso sair em grupo. Logo, não iam para o Redondo. Quem era ligado a um bloco, ou a uma escola de samba, também não ia para o Redondo, porque saía com a sua escola. As empregadas domésticas detestavam as prostitutas. A classe média, mesmo a baixa, não queria contato com as frequentadoras do Redondo.

Quem sobrava? Sobravam aqueles que não eram da cidade, geralmente colonos das redondezas que vinham para a cidade pela fama do Carnaval, os solitários, os caixeiros-viajantes de passagem pela cidade, e a rafuagem da cidade. Essa rafuagem eram verdadeiros párias sociais. Eram moradores pobres das periferias mais distantes, sem vínculos com ninguém. Eram chamados de varzeanos, porque moravam nas várzeas alagadas. Como se dizia em Pelotas, “atravessavam em ponte para entrar em casa...” Era a ralé. E todos se reuniam no Redondo. E então o Redondo se transformava num grande salão de baile.

Eu lembro de ir lá, por curiosidade, e o que eu vi foi um Carnaval muito diferente do que eu conhecia. Os homens abraçavam as mulheres por trás e saíam arrastando os pés, cantando, ao som das marchinhas. Todo mundo feliz! Formavam uma roda só, no entorno do Redondo, todos juntos, uma massa compacta, como num bloco de Carnaval. Não havia espaço para se passar...

Sem exagero, o carnaval do Redondo tinha mais características de carnaval de salão do que propriamente de carnaval de rua. Qualquer lugar servia para descansar, a começar pelos degraus da base da Fonte das Nereidas, que ficavam completamente lotados. A sorte é que a praça dispunha de um banheiro público... Jogavam confete e serpentina uns nos outros, mas também era só. Ali muito poucos tinham dinheiro para comprar um lança-perfume. Mas o confete e a serpentina já eram suficientes para deixar forrado o chão da praça. Quando aparecia um lança-perfume, chovia de lenços na volta... para um cheirinho.

sábado, 5 de setembro de 2015

Carla e a Rainha brilham em ópera no Chile

Nesta adaptação chilena, a personagem da Rainha da Noite chama-se Astrid Flamante
que é a dona de uma companhia de teatro que busca atores para apresentar a Flauta Mágica.
Em agosto passado, Carla Domingues participou de uma inovadora adaptação d'A Flauta Mágica de Mozart na cidade de Concepción, no sul do Chile. A produção da Universidade de Concepción, que desde 2003 vem organizando óperas completas, teve o desempenho de sua própria orquestra sinfônica e um elenco lírico chileno (neste vídeo de pré-produção, os personagens são descritos pelos solistas). 

Desta vez, a convidada estrangeira foi Carla, que já por segunda vez atua em ópera completa no exterior. A primeira foi no papel de Amore em "Orfeu e Eurídice" (Montevidéu, dezembro de 2011). E esta foi também sua segunda visita ao Chile. Registramos a primeira em janeiro de 2014 (v. postagem), quando Carla participou do concurso Laguna Mágica, com diferentes trechos líricos . Veja também a postagem de 2013 Recital de Carla Domingues em Montevidéu.

O diário El Mercurio publicou crítica de Juan Antonio Muñoz sobre o espetáculo (v. texto original e nota da Radio Bio-Bio). O recorte do jornal (figura abaixo) foi apresentado pela artista em sua página no Facebook, e a tradução abaixo foi feita por este blogue. Confira no final a crítica de cada solista lírico.


Uma viagem por outra Flauta Mágica

A ópera corre grandes riscos, hoje em dia, e isso mantém o gênero vivo. Algumas produções, ainda que controversas, fazem boas contribuições ou destacam elementos que antes passavam despercebidos. Nestas inovações, tudo vale se houver um bom pano de fundo ou uma ideia imaginativa que surpreenda. A "Flauta mágica" trazida pela Corporação Cultural da Universidade de Concepción ficou numa zona estranha, no meio do caminho, como se o propósito ainda não estivesse maduro ou tivesse sido forçado.

Na proposta do diretor de cena, Gonzalo Cuadra, existe uma "Companhia d'A Flauta Mágica", de Astrid Flamante (por Astrafiamante, o nome da Rainha da Noite) e de Sarastro Solleben, cujos integrantes têm traços análogos aos das personagens mozartianas. Conforme o programa, eles ensaiam os números musicais daquela noite, mas ainda lhes falta o personagem principal. Sarastro anuncia que "o Grande Arquiteto" certamente enviará alguém como complemento ideal para sua filha Pamina. Então aparece Tamino Príncipe (nome e sobrenome), que preenche a falta.

Recorte de EL MERCURIO
(Concepción, 29-8-15)
A partir daí, os atores-cantores entram e saem de seus papéis duplos, como membros da companhia e como parte da ópera. Tudo é entremeado por diálogos em espanhol, escritos pelo régisseur chileno, nos quais se narra o que ocorre nos dois níveis da trama. A dupla militância dos personagens fica explícita em seus nomes: Papageno, por exemplo, chama-se Papageno Pérez.

O problema é que nada parece engrenar neste jogo de metateatro, a começar pela contradição de que o casal que dirige a companhia mostra acordo em tudo, enquanto Sarastro e a Rainha da Noite brigam permanentemente (inclusive, ela gostaria de vê-lo morto). Os diálogos novos também não ajudam, pois abusam de expressões populares e pueris, que somente servem para suscitar gargalhadas. O próprio libreto original já tem algo disso (em alemão, claro), em meio a reflexões ontológicas e juízos de valores, mas tudo junto fica um exagero.

Carla Domingues faz Astrid Flamante e a Rainha da Noite.
Por outro lado, as ideias de régie, desligadas de tais inventos, são realmente imaginativas, como de costume nos trabalhos de Gonzalo Cuadra. Especialmente seu tratamento coreográfico para as três damas, o baile que a Rainha da Noite improvisa em sua ária de entrada, o casamento de Papageno e Papagena, até com lançamento do ramo, a festa de magia com a qual se resolve a passagem dos protagonistas pelo fogo e pela água, os aspectos circenses delirantes (converte os homens armados num par de siameses).

Usando poucos elementos, inclusive a parede posterior do teatro, e exibindo a maquinária de roldanas, cordas e luzes, a cenografia de Germán Droghetti funciona perfeitamente, e a iluminação de Álvaro Torres ajuda a criar as atmosferas necessárias. O colorido e miscelâneo vestuário, também de Droghetti, sublinha a dupla natureza dos personagens (os atores e os papéis que interpretam).

A construção musical está notável. Julian Kuerti, ante a impecável Orquestra Sinfônica da Universidade de Concepción, mostra-se sempre consciente das vozes de que dispõe, e sabe viajar pela nobreza melódica desta música, respeitando tanto a solenidade como a leveza. Excelente também a direção coral de Carlos Traverso, certo e preciso, comprometido com o desenvolvimento teatral.

Os solistas
Por voz, convicção e espírito festivo, Ricardo Seguel brilha e conquista como Papageno. Luis Rivas entrega a doçura de seu canto e sua musicalidade como Tamino, mas como ator precisa melhorar. Yaritza Véliz tem a voz e a linha de canto ideais para Pamina. Carla Domingues mostra o temperamento da furiosa Rainha e alcança todas as notas. Por outro lado, Mateo Palma, que está muito bem na autoridade própria de Sarastro, se percebe complicado vocalmente com as descidas abismais que o pentagrama exige e com os textos que deve declamar. Estão muito bem David Gáez como o orador e o sacerdote 1, Roni Ancavil como Monostatos, e as três damas (Andrea Aguilar, Regina Sandoval e Gloria Rojas).
Juan Antonio Muñoz


Imagens de Carla: Facebook
Tradução: F. A. Vidal

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Poemas dedicados a Pelotas

Pelotas, minha cidade, de Sérgio A. O. Siqueira (1968).
Canção de amor a uma cidade que é minha, de Joaquim Luís Duval (1980).
A flor do sal, de Mário Osório Magalhães (1999).
Um pouco de Pelotas (em mim!), de Fábio Gonçalves Zündler (2007).
Querido Laranjal!, de Beatriz Araújo (2010).
Princesa, de Manoel Soares Magalhães (2012).
Por uma tarde de julho, de Joaquim Moncks (2013).
Reflexão e cafeína, de Alexandre Vergara (2013).
Soneto para o Café Aquários, de Vilmar Gomes (2013).
Amor e ódio, de Nauro Júnior (2014).

Minha Terra
Lá, na minha terra, quando
O luar banha o potreiro,
Passa cantando o tropeiro,
Cantando, sempre cantando;
Depois, avista-se o bando
Do gado que muge, adiante;
E um cão ladra bem distante,
Lá, bem distante, na serra;
Nunca foste à minha terra?!

Enfrena, pois, teu cavalo,
Ferra a espora, alça o chicote
E caminha a trote, a trote,
Se não quiseres cansá-lo.
Ainda não canta o galo,
É tempo de viajares.
Deixarás estes lugares,
Irás vendo novas cenas
Sempre amenas, muito amenas.

O laranjal reverdece,
E ao disco argênteo da lua,
Logo os olhos te aparece
A estrela deserta e nua.
Francisco Lobo da Costa

domingo, 14 de junho de 2015

Recém-nascidos em fotos

Exposição no hospital é vista por pacientes e visitantes de todas as idades.
A médica obstetra e fotógrafa Sônia Simões de Almeida expõe o ensaio "Newborn", 17 fotografias de bebês, entre 5 e 12 dias de vida. A mostra pode ser visitada no Corredor Arte do Hospital Escola da UFPel até 30 de junho.

Nascida em Minas Gerais, Sônia formou-se em 1989 pela Faculdade de Medicina de Itajubá, graduou-se pela Escola Panamericana de Arte e Design e hoje reside em São Paulo (veja o sítio da artista).

A médica com 25 anos de experiência em ginecologia e obstetrícia transformou em arte seu amor pelos pequeninos e passou a ser também uma fotógrafa especializada em recém-nascidos.

Nas suas fotografias ela busca capturar a graça de cada bebê, num cenário especialmente preparado para cada um, e contar as histórias das crianças, em suas características únicas (um anjinho, um docinho, um filhotinho). Como ela mesma explica:

– Meu objetivo como fotógrafa vai além de capturar poses construídas, mas captar com muita sensibilidade imagens espontâneas, detalhes do corpo, dos movimentos e expressões dos bebês, tudo com muito conhecimento no manuseio, em como tranquilizar e mantê-lo em segurança.

Fotos de Sônia Almeida mostram a alma de pessoas recém-nascidas.
Fonte: HE-UFPel

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Poesia para namorados


Para lembrar o Dia dos Namorados, Nauro Júnior recordou no Facebook o poema "Briga", uma de suas "Andanças Imaginárias", com ilustração de sua jovem filha, Sofia Machado. O livro a quatro mãos apareceu na Feira do Livro de 2014 (v. nossa nota Nauro poetiza a vida).

Abaixo, a homenagem alusiva à modernidade: mesmo com a mais alta tecnologia, somada ao individualismo dos seus adeptos, o amor a dois sobrevive (no fundo musical, a primeira das Gimnopédias de Eric Satie, em tempo acelerado).


Nesta sexta (12-6), a Sociedade Música pela Música preparou um programa especial de música, luzes e cenografia, dedicado à paixão e aos namorados. O palco da Praça de Alimentação da Fenadoce 2015 se encheu de músicos que representaram o amor em diversos idiomas, apresentando canções de várias épocas e origens.

Segundo a notícia do evento artístico, que foi dirigido por Sérgio Sisto e Fernando Montini, "a criatividade foi a palavra-chave para o ambiente montado no palco: mesas de jantar, garçons, louças, roupas de gala" (v. texto completo com fotos de Marcel Streicher e clique nelas para ampliar).

PD 13 junho
Ainda na FENADOCE, uma declaração de amor foi feita em público, aproveitando a novidade e a notoriedade do recurso tecnológico "Realidade Aumentada" (v. notícia). O que deveria ser íntimo e real foi levado à publicidade e à virtualidade. Há um ano, mas não no Dia dos Namorados, outro jovem quis chamar a atenção no shopping pelo mesmo meio, sem tanto sucesso (v. nota neste blogue).

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Pelotas em inverno


Inspirado nos traços e na técnica do artista Leonid Afremov, o pelotense Mário Campello pintou uma vista da praça Coronel Pedro Osório. O ângulo é clássico para qualquer pessoa que conheça Pelotas, mas o olhar do pintor trouxe uma tonalidade europeia, talvez inusitada para quem fotografa nossas praças, a qual acentua e evidencia uma de nossas verdades locais: que nosso clima e nossa arquitetura têm algo a ver com a geografia e a cultura dos que nos colonizaram.

Enquanto os parapluies entristecidos mergulham no anoitecer, as árvores enrubescidas iluminam o Grande Hotel de Pelotas, este plantado aqui em 1928 para recordar a Europa do século XIX. Na época, os modelos e ideais urbanos eram esses prédios com sacadas, desvãos, sótãos e cúpulas. Contudo, nada tão pelotense como este jogo de lusco-fusco e umidade. Mesmo num conteúdo visual nada de surpreendente, o artista nos cativa com esses aspectos formais: viscerais, pegajosos e ancestrais.

De acordo à postagem consultada, a imagem está no Facebook desde setembro de 2012. No entanto, ela foi publicada em 26 de maio deste ano. Técnica: óleo espatulado sobre tela de 50x80 cm. Veja aqui o autor pintando, em março de 2015.
Imagem: Facebook

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Conservatório de Música 97 anos

Desde 1918, o Conservatório ocupou casarão do século XIX.
Reformado em 1940, ficou com o aspecto acima (foto dos anos 50).
A existência de um estabelecimento educacional não propicia apenas a habilitação aos instrumentos musicais, mas patrocina também o contexto cultural de uma comunidade, valorizando o que é planejado e realizado com muito esforço.

É o caso do Conservatório de Música de Pelotas, que, durante 97 anos de vida, tem sabido se manter e crescer, como exemplo de um trabalho entusiasta, digno de refinados valores, ali cultivados.

Como se sabe, foi em 4 de junho de 1918 que a decisão de fundar esta escola de arte ficou formalizada, numa reunião de egrégios pelotenses, por iniciativa de Alcides Costa e Francisco Simões. Três meses após, em 18 de setembro, realizou-se a cerimônia de inauguração da Casa. Naquele ano, nossa cidade, que já era um centro cultural e econômico regional, criou uma instituição à altura das grandes capitais, que até hoje nos alegra e orgulha.

Julgamo-nos aptos a falar desta história, devido a que vivemos boa parte desses anos em “carne própria”, desde a juventude, e por acompanharmos, por décadas, a tradicional e apreciável vida social e artística de um ambiente cultural prestigiado.

Em 1953 comecei a atuar como parte de uma equipe de amadores jornalísticos, ligada ao Diário Popular. O período me parece bastante longo, não extenuante, por sinal, muito importante, pois acrescentou, em minha vida e em minha formação cultural, gratos e belos momentos de crescimento. É possível comprovar o que aconteceu por mais de meio século, pois guardo com apreço e orgulho as dedicatórias obtidas dos artistas. Todos eles deixaram em nossa cidade valioso lastro cultural e inesquecível marca afetiva.

Dedicatória de Arthur Moreira Lima ao Conservatório
Fosse pelo patrocínio do Conservatório de Música ou da extinta Sociedade de Cultura Artística, eram acolhidos em Pelotas os mais diversos grupos, conjuntos, duos, trios e quartetos nacionais ou de outros países do continente. Tudo o qual dava admirável motivo para que “o lado cultural” da coletividade fosse merecida e devidamente divulgado, constituindo-se em admirável tradição esse verdadeiro “rastro de expressão sonora” de que o Conservatório se orgulha em possuir, criando em torno de si um halo de “sublimação cultural”.

Nomes importantes da História da Música como os pianistas Claudio Arrau (1940), Magdalena Tagliaferro (1944), Wilhelm Kempff (1949), Nelson Freire (1969) e Sebastian Benda (1953 e 1970), o violonista Andrés Segovia (1941), o compositor Francisco Mignone (1940 e 1968), o violonista e compositor Agustín Barrios (1929) se apresentaram no Salão do Conservatório, sendo que alguns os conhecemos em início de carreira, como Miguel Proença – que aqui realizou seu primeiro recital em 1962 –, Olinda Alessandrini, Eudóxia de Barros, Roberto Szidon, Cristina Ortiz, Daniel Wolff e muitos outros.

Também incontáveis intérpretes aqui se formaram e passaram a ser professores de seus instrumentos na mesma Casa de origem, assim como outros partiram da cidade e se transformaram em valores luminosos espalhados pelo mundo. Seria injusto mencionar algum e omitir tantos nomes, das centenas que nosso Conservatório formou ao longo do século.

Aproveito esta ocasião para festejar e aplaudir, junto à comunidade e o próprio Conservatório da UFPel, mais este aniversário que nos lembra a bela história da cidade de Pelotas e seu Conservatório de Música. Desejamos que estes 97 anos de vida artística e cultural continuem a ser de crescimento e força, como grande acervo que orgulhe o patrimônio cultural de nossa cidade!

Francisco Dias da Costa Vidal
Diário Popular impresso, 4-6-2015

Saudação especial de Olinda Alessandrini
a Francisco D. C. Vidal, cronista por 50 anos
Imagem 1 Tomada da p. 80 do livro "História Iconográfica do Conservatório de Música da UFPel", organizado por Isabel Nogueira. Porto Alegre: Pallotti, 2005.

Imagem 2 Ao Conservatório de Música, com os meus melhores agradecimentos pela cordial acolhida. Foi um prazer tocar para uma platéia tão distinta, calorosa e culta. Espero voltar ainda muitas e muitas vezes! Cordialmente, Arthur Moreira Lima. Pelotas, 21/IX/83 [História Iconográfica do Conservatório de Música da UFPel, p. 47]

Imagem 3 Para o querido amigo Francisco Vidal, sempre presente a todos os eventos culturais de Pelotas, e que representa para mim, além de um grande amigo, uma grande presença ao apoio e estímulo a todos os artistas. Fico sempre encantada com seu sorriso afável, seu aplauso caloroso e seu entusiasmo. Com grande afeto, Olinda Alessandrini. 24.09.2003 [do caderno de autógrafos de Francisco Dias da Costa Vidal]

terça-feira, 9 de junho de 2015

8ª FestiPOA homenageia Vítor Ramil


"Vitor Ramil: Nascer leva tempo" é um estudo de autoria do professor Luís Rubira sobre a obra musical de Vitor Ramil, que será lançado este mês, na FestiPoa Literária 2015. A obra tem o subtítulo "Identidade, autossuperação e criação, de Estrela, estrela a Longes" e é editada pela Pubblicato, que divulga a seguinte resenha.
Um livro sobre Vitor Ramil, artista cuja obra desloca-se como a linha do horizonte? Ou um esforço para compreender um processo artístico, um percurso interior e uma concepção de “identidade” que considera o sul do Brasil como um lugar que está “no centro de uma outra história”? 
O ensaio que agora vem a público graças ao apoio do Fumproarte não tem a pretensão de enclausurar Vitor Ramil em conceitos, mas busca mostrar uma parte do itinerário do músico, compositor e escritor cuja arte, nas palavras do prefácio de Luís Augusto Fischer, “o tempo vai consagrar como uma das maiores experiências estéticas que o Rio Grande do Sul já teve”.
A 8ª Festa Literária de Porto Alegre abre formalmente na próxima segunda (15-6) às 19h, no Bar Ocidente, destacando o escritor homenageado este ano, o pelotense Vítor Ramil, que fará show dia 16 no Teatro CIEE. O grande evento dura até o dia 23 de junho.

Luís Rubira é professor da UFPel e já publicou, como autor: "Nietzsche: do eterno retorno do mesmo à transvaloração de todos os valores" (2010), "Sepé Tiaraju e a Guerra Guaranítica" (2012) e, como organizador, os 3 volumes do Almanaque do Bicentenário de Pelotas (2012-2014).


Fonte: Facebook

domingo, 24 de maio de 2015

O grito de Tarzan, nosso herói ingênuo

Nos filmes, o amor e o heroísmo garantindo a felicidade.
No mundo real, a perigosa e implacável lei da selva.
Não faz muito, evocava com amigos os dias dourados de Johnny Weissmuller (1904-1984), o único e verdadeiro Tarzan das telas, que lotava os cinemas de Pelotas, como de resto os de todo o país.

Há muitos anos, guri ainda, lembro-me quão difícil era adquirir o ingresso para se assistir a mais uma aventura de Tarzan, Jane e Chita [1932-1948]. Pouco mais tarde, como convinha à lei da vida e da selva, a família se completou com a chegada de Boy (O Filho de Tarzan, 1939).

Foi na época em que não se havia descoberto a fila e a irracionalidade imperava: tirava primeiro o ingresso quem tinha mais força. Assim como na "lei da selva", as pessoas se empurravam, competindo, e ganhava o mais forte.

Só com a Segunda Guerra Mundial [1939-1945] as pessoas passaram a se organizar em filas: o último a chegar entrava na cauda. Assim os alimentos eram distribuídos nas zonas de conflitos. E o mundo passou a usar a fila como mais uma coisa da civilização.

Mas Tarzan valia esperar-se por longos minutos para se retirar o ingresso, na fila dos cinemas. Era quando aconteciam as "enchentes", como se dizia na época toda vez que surgia um grande filme, sucesso de bilheteria. E Tarzan e Jane eram sempre sucesso garantido.

O amor modelo de Tarzan e Jane (1934),
uma forma de driblar a tragédia social.
Me Tarzan, you Jane, balbuciava o Rei das Selvas com seu limitado vocabulário, apontando o dedo ora para si, ora para a mocinha. Foi o primeiro audiovisual das selvas. Tempos bons em que as pessoas se comoviam e vibravam com coisas simples. Criado por Edgar Rice Burroughs nos anos 1920, Tarzan representou toda uma época. Ainda não havia Superman, Hulk, Homem Aranha e muito menos a Mulher Maravilha.

Com profunda nostalgia evoquei aquele mito, que serviu de paradigma aos meninos de minha geração. Quem não subia nas árvores ou deixava de imitar o grito de guerra do inesquecível personagem?  Os meninos e o público de então "se amarravam" naquele homem destemido, de físico formidável (o ator era campeão olímpico de natação), que vencia os inimigos andando de cipó em cipó [v. filmografia de Weissmuller].

A família macaco nos cipós (1942):
na Guerra, os filmes de Tarzan eram anuais.
Tarzan era ingênuo e puro e assim amava sua Jane. Lutava contra os malfeitores que queriam destruir, aproveitando-se das riquezas naturais dos nativos, usando a sua ignorância. Bastava ele bradar seu grito que o tornou famoso e inigualável, e os animais da selva vinham correndo em seu socorro. Parece que podemos afirmar com tristeza: "Já não se fazem heróis como antigamente!".

Então evoquei o que alguns da roda também tinham assistido: certo dia, há alguns anos, a televisão apresentou Johnny Weissmuller, já velho, como recepcionista de um hotel famoso [trabalhou em 1973 e 1974 no Caesars Palace de Las Vegas; v. história completa, resumo no sítio DW, e vídeo abaixo de 1969, em inglês]. O repórter que o entrevistava pediu-lhe que repetisse o grito de guerra, que todos lembram, do personagem que encarnou como ninguém, desde os anos 30.

Solícito, o ex-ator resolveu atender o pedido e, num visível esforço, tentou repetir aquele grito cheio de vida, juventude e força que o fez único nas telas. Mas ouviu-se apenas um lamentável grunhido, que matou, naquele momento, desapiedadamente, dentro de muitos como eu, um herói que ainda estava vivo em minhas reminiscências. Nunca mais esqueci aquele grito triste e alquebrado que representou, para todos os saudosistas, o Canto do Cisne de um Herói, que levou consigo um tempo glorioso que não vai voltar nunca mais.
Rubens Amador
Diário da Manhã, 24-5-15

Brincando, Weissmuller tenta repetir o grito de Tarzan...
em vão, pois se tratava de um efeito de áudio, fabricado em estúdio.
Fotos: Pinterest

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Depois da chuva, as pessoas iam para o céu

Quando eu era criança, ao ouvir barulho nas alturas, entre carregadas e negras nuvens, minha mãe dizia: "Deus está arrumando a casa". Eu olhava para cima apurando o olhar, ansioso para ver alguma coisa se destacando no céu. 
Quando a tormenta passava, fixava-me nas nuvens brancas que se ofereciam à vontade de Deus. Meu pensamento nelas plasmava imagens de santos, anjos e de pessoas que, apressadas, punham escadas que se erguiam em direção às nuvens, nelas se perdendo.
Manoel Soares Magalhães
Facebook 30-1-15
Na ilustração (dir.), pintura naïve de autoria de Manoel, representando uma dessas visões do menino imaginativo que já pensava na vida e na morte, e no papel divino em relação às culpas e à dor humana. Como seria a casa de Deus? Quem estaria convidado a visitá-la?

O escritor e jornalista recorreu às artes plásticas como forma de narrar a história sentimental de Pelotas, que aos pesquisadores custa descrever. Há cerca de uma década, ele pinta, ao modo ingênuo, o lado escondido do sofrimento escravo no século XIX e o lado trágico da riqueza que deu fama à assim chamada Princesa do Sul.

Em 2015 Manoel se encontra em produção de novas pinturas, agora mostrando o universo literário simoneano, também alusivo a uma realidade social do século XIX pouco estudada pelos historiadores. Veja algumas de suas telas neste álbum de fotos, na Série Aparições, no álbum Obras à venda e em postagens deste blogue.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

IV Seminário sobre Fotografia

O programa do 4º seminário Fotógrafos Históricos aborda, além dos autores históricos (europeus, russos e norte-americanos), outras relações entre a história e a arte da fotografia. A primeira edição deste evento acadêmico realizou-se em junho de 2011 (v. cartaz). O segundo foi em julho de 2013 (v. programa) e o terceiro, em junho de 2014.

Um dos trabalhos de 2015 se refere à nossa cidade: "Fotografias dos Almanaques de Pelotas (1913-1935): indícios da condição feminina naquele contexto", de Paula Garcia Lima, professora da UFPel que publicou recentemente, na revista do Centro de Artes Paralelo 31, o artigo Memórias do gênero feminino e do trabalho a partir dos Almanachs de Pelotas 1913-1935 (clique no título para ler). Hoje mestre e doutoranda em Memória e Patrimônio, Paula já havia apresentado, no seminário de 2011, um estudo sobre fotografias do Parque Souza Soares.

Inscrições gratuitas no Centro de Artes (sala 301, Alberto Rosa 62) ou na hora do evento, 18h (Museu Leopoldo Gotuzzo, General Osório 725). O cartaz com o programa deste ano usou uma foto de 2009 da retratista americana Annie Leibovitz (v. Wikipédia).


Fonte: Facebook

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Veterano relembra guerra, 70 anos depois

O pelotense de 91 anos João Pereira da Silva é veterano do Exército brasileiro na Segunda Guerra Mundial. Em 1941, com 19 anos de idade, ele se inscreveu para o combate e foi enviado de trem para Rio Grande, de navio para o Rio de Janeiro e depois até a Itália. Diz que não matou ninguém, mas viu muita gente morta (v. reportagem de Diego Queijo para o Diário Popular, com fotos de Jô Folha; abaixo, vídeo de Leandro Lopes).

Dois conterrâneos nossos morreram nos combates de 1944, um dos quais foi homenageado com o nome da rua Pracinha Hortêncio Rosa, no bairro Areal (v. blogue da Academia Pelotense de Letras). De acordo ao jornal acima citado, Rosa era natural de Canguçu.


Na hierarquia militar, os "praças" são os suboficiais ou tropa sem graduação (v. Wikipédia); antigamente, a expressão se referia aos soldados que lutavam por contrato, fora da carreira militar (talvez por estarem ligados a uma zona ou "praça"). Os 25 mil brasileiros enviados à Segunda Guerra Mundial foram apelidados com o diminutivo "pracinha" (que fora daquele contexto poderia parecer pejorativo). A maioria eram simples recrutas, jovens, pobres e sem formação militar alguma.

Já finalizada a guerra, Vicente Celestino compôs a canzonetta romântica em dois idiomas "Mia Gioconda" (v. letra e música), dedicada aos pracinhas que haviam servido em território italiano, relatando o caso de um brasileiro que se apaixonou por uma loira da Toscana (e não napolitana como diz a letra). Em 1946 a música foi sucesso nacional, reeditado em 1996 como o tema de Jeremias (Raul Cortez) da novela "O Rei do Gado" (v. Wikipédia). Na vida real, o soldado apaixonado era o gaúcho João Pedro Paz, a noiva chamava-se Iole e o casamento já dura 70 anos (v. reportagem de Zero Hora em 2014).

A rendição da Alemanha em 8 de maio de 1945 nos lembra que o Brasil há 70 anos não participa em guerras com outros países. Desde então, só tem aumentado a violência interna, seja por motivos sociais, econômicos ou políticos.

POST DATA
29 maio 2015
O filme "Estrada 47", de Vicente Ferraz, tem como protagonistas (fictícios) alguns soldados brasileiros lutando na Itália, em episódio real nunca antes filmado. A estreia foi ontem (28-5) em Porto Alegre, no contexto dos 70 anos do fim da Guerra. Houve pré-estreia no Festival de Gramado 2014, onde obteve Kikito de melhor filme (v. nota de ZH).

terça-feira, 31 de março de 2015

Música pela Música celebra 25 anos

Detalhe de apresentação da Orquestra Filarmônica e Coro Música pela Música, dirigidos por Sérgio Sisto.
A Sociedade Pelotense Música pela Música apresentou, esta sexta (27-3), a programação para 2015, inaugurando as comemorações dos seus 25 anos. É a única entidade privada que difunde a música erudita em nossa região, mantendo para isso uma orquestra e um coro sinfônico.

A data precisa do aniversário da Sociedade é 30 de outubro, que marca a fundação em 1990. Nesse dia e no seguinte (sexta e sábado), no Teatro Guarani, a agrupação apresentará por primeira vez a ópera completa L'elisir d'amore. Confira no vídeo abaixo a interpretação de Luciano Pavarotti para Una furtiva lagrima, a ária mais famosa dessa ópera de Gaetano Donizetti, estreada em maio de 1832, em Milão, Itália.

A data tem uma curiosa aproximação com nossa cidade e com o Teatro Sete de Abril, pois justamente em 7 de abril de 1832 a Freguesia de São Francisco de Paula passou a denominar-se Vila de Pelotas, e o seu primeiro teatro já se encontrava em obras (seria oficialmente inaugurado em 1834). Confluem, portanto, três aniversários: do município de Pelotas, do seu teatro mais antigo e desta ópera italiana.

A maioria das seguintes 22 atividades da SPMM em 2015, ao ritmo de duas por mês, será realizada na Fábrica Cultural Música pela Música (Félix da Cunha 952, 3227 6601). Será um ano para estar atento e desfrutar da melhor música. Horários e locais serão anunciados pela imprensa.

Programação dos 25 Anos [links atualizados]

27-3 Lançamento para convidados (v. notícia oficial).

2-4  SESI Catedrais: Arroio Grande. No Centro Cultural Basílio Conceição, 19h (v. imagens)
25-4 Vozes Brasileiras: Elisa Machado (recital de canto).
26-4 Vozes Brasileiras: Elisa Machado (oficina de canto).

21-5 SESI Catedrais: Rio Grande.
24-5 Café com Arte.
30-5 Festival Doce Cultura (FENADOCE).

28-6 SESI Catedrais: Rio Grande.

12-7 SESI Catedrais: Canguçu.
18-7 Vozes Brasileiras: Juremir Vieira (recital de canto).
19-7 Vozes Brasileiras: Juremir Vieira (oficina de canto).
26-7 Almoço Musical.

10-8 SESI Catedrais: São Lourenço do Sul.
14-8 Clássicos Rio-Grandenses.
15-8 Clássicos Rio-Grandenses.

12-9 Vozes Brasileiras: Lício Bruno (recital de canto).
13-9 Vozes Brasileiras: Lício Bruno (oficina de canto).

30-10 Ópera L'Elisir d'Amore. Dia do aniversário da SPMM.
31-10 Ópera L'Elisir d'Amore.

14-11 SESI Catedrais: São Lourenço do Sul.
20-11 Recital de canto: Fernando Montini e Sérgio Sisto.

5-12  SESI Catedrais: Pelotas.
11-12 Concerto de Natal.

Para contato com a SPMM existe o sítio Música pela Música e uma página interna no Facebook (grupo para membros e amigos).

Atualização em 2 de abril:
Ontem foi criada no Facebook a página aberta Sociedade Pelotense Música pela Música, e já tem mais de 400 seguidores.


Foto: Facebook