Nesta colaboração, a Professora Loiva Hartmann recomenda dois gigantes da literatura latino-americana, propõe uma comparação entre eles e sugere que a leitura dos clássicos contribui ao desenvolvimento mental e ao progresso da sociedade. Os dois autores citados mostram como a riqueza espiritual dos mais frágeis fica exposta ao abuso dos corruptos, seja no sertão da vida ou na solidão da sociedade.
O grande caminho e a grande solidão Grande Sertão: Veredas, do brasileiro João Guimarães Rosa, e
Cien Años de Soledad, do colombiano Gabriel García Márquez, põem a nu a prostituição do Homem desamparado ante o poder e a corrupção.
Em
Grande Sertão (escrito em 1956), as autoridades estão sempre à margem esquerda do rio por ocasião dos conflitos (na Bíblia, os filhos diletos estão à direita do Pai), mostrando situação atual. A travessia é a busca de valores a que todo ser humano procede a partir do estado de solidão.
Riobaldo, personagem central, diz que "o sertão é dentro da gente". Ponto central da travessia, Diadorim — homem/mulher? — é o núcleo da
viagem circular de Riobaldo para dentro de si mesmo, em busca do eu. O
sertão por fora é a luta com os Hermógenes e
por dentro é luta com Diadorim, mistério impenetrável que planta nele a inquietação permanente.
É na arte que as formas pulsionais que movem o ser se apresentam de forma mais contundente, e a literatura é o espaço sagrado que permite compreender, através de representações (Carl Jung), a plenitude da vida. Lévi-Strauss vincula o estudo da narrativa à revelação do fundo ideológico do texto. E então se está a um passo da História e da sociedade.
Cem Anos de Solidão (1967) — aclamado pela crítica internacional como o "romance do século" — é o
check-up do desmantelamento e da corrupção de um grupo social por alienígenas, iniciado no século XVI com a colonização da América pelos espanhóis. Denuncia uma situação peculiar, na qual a prostituição moral, cívica, econômica, política e cultural é permanente!
Em CAS há um pilar:
la tatarabuela ignorada, testemunha onisciente das ruínas de uma civilização. Através da sabedoria secular dessa mãe-prostituta, García Márquez recria o mito do
tempo circular, o mesmo tempo circular da viagem de Riobaldo em
Grande Sertão.
ComparaçãoCremos que a obra de Rosa lhe é superior: contestando a sociedade que prostitui o indivíduo, pela corrupção do que nele há de mais intocável — sua intimidade e dignidade humanas. Diante desta sociedade, Rosa não capitulou e, para exprimir a necessidade de revirilização do Homem, nos deu
Grande Sertão, a apologia da coragem. O sertão lhe pareceu o único espaço do mundo moderno em que a vida não é impessoal.
Obra impregnada de determinantes filosóficos, éticos, psicológicos, políticos, além da genialidade na recriação linguística, em J. G. Rosa — como em Beethoven, Goethe, Rembrandt, Bach, Mozart — as coisas são eminentemente estéticas, acontecem
sub species religionis (sob aspecto da religião). Buscavam a beleza eterna, perenidade ideal que lhes saciasse a sede de infinito.
Nesses exponenciais da cultura ocidental, a inserção do feminino permite observar o essencial: a comunhão irredutível dos princípios masculino/feminino. E que as deformações havidas em seus papéis históricos, tiveram sempre em seu bojo interesses ideológicos de poder.
Importância social da leituraA função social da literatura se manifesta na experiência do leitor, na expectativa da prática de sua vida: pré-forma sua compreensão de mundo, resultando nas várias formas de comportamento social. Portanto, o professor de Literatura é agente essencial à construção de uma consciência crítica e democrática.
Participar de uma Feira do Livro significa ter tido professores de Língua e Literatura semeando conhecimento em mentes ávidas do mesmo. A existência mesma de uma feira dedicada à escrita é uma homenagem a esses seres ainda não valorizados por muitos agrupamentos humanos, pequenos em si mesmos.
Professora Loiva Hartmann
Especialista em Metodologia da Leitura e Produção Textual