sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Vandalismo de bêbados ricos ou de marginais?

Não somente alguns marginais pobres, talvez por ressentimento social, destroem patrimônio público ou privado. Também pessoas de classe média ou alta, talvez com fortes raivas e frustrações pessoais, se transformam em vândalos, em horas da noite, quando não há guardas nem olhares que testemunhem os delitos e bandidagens.
Mas os rastros ficam, e de dia se observam, com vergonha do cidadão médio, que não sabe como explicar aos turistas ou às crianças, que perguntam o que aconteceu ali e se isso é normal.
Somente um veículo motorizado poderia ter entortado uma haste metálica tão grossa (acima). Marcas de barro no meio-fio (esq.) sugerem que o veículo provinha da zona suburbana e entrou pela Gonçalves Chaves, com a expressa intenção de destruir o sinal de trânsito. Ou teria entrado por engano na contramão e errou a "pontaria" ao virar?
O dano aqui é justamente no trecho histórico onde todos os prédios se conservam como foram construídos, desde o século XIX. Mas há marcas de destruição por toda a cidade, inclusive nos brinquedos das praças e na iluminação pública da estrada ao Laranjal (leia nota).
Só podemos inventar a hipótese - para tranquilizar os turistas ou as crianças - de que alguém estava tão bêbado que não viu o sinal, e que apesar disso a prefeitura logo consertará o dano. Por seu lado, o chefe de gabinete tem a teoria de que se trata de opositores políticos (leia).
Mas como explicar as lixeiras chutadas, extraídas (dir.) e até queimadas (esq.), defronte ao Teatro Guarani?
Vista grossa não podemos fazer, parece ser a primeira mensagem da violência. Após abrir os olhos, também não servirá de muito horrorizar-nos ou suplicar piedade aos vândalos, como já fez o secretário municipal de Cultura mais de uma vez (veja notícia de terça 28), denotando desconhecimento das funções da autoridade.
As tarefas principais tomam tempo e dinheiro, mas é melhor enfrentá-las: estabelecer responsabilidade municipal, educar o povo, apoiar medidas de prevenção à violência, vigilância constante, punições dentro da lei, reabilitação, pesquisa social e comportamental sobre o vandalismo.
Fotos de F. A. Vidal
POST DATA: Em 1 de janeiro, o sinal estava entortado em outra direção. Mas dia 3 já estava consertado.

Sítios de Pelotas que dão link a este blogue

Alguns sítios produzidos em Pelotas já em 2009 começaram a listar este blogue entre seus hipervínculos. Em 2010 somaram-se alguns outros. Achei 15 ativos, mas pode haver mais. Todos eles têm relação com a cultura e a arte.

Ainda em 2009, o Amigos fez postagem especial sobre o surgimento deste blogue (leia a matéria), publicou o link mas o retirou pouco depois. Após isso, eu segui colaborando ali por mais um ano.

Em 2010, o ClicRBS Pelotas tem incluído, em algumas postagens, hipervínculos para o Pelotas, Capital Cultural.


Agape, Espaço de Arte, notícias da Galeria de Arte JM Moraes

Arte de Carmen Garrez, da artista plástica Carmem Garres

Conheça Pelotas, de blogueira divulgadora da área turística (assinava como Manu, hoje "Plenitude do Ser")

Dêiticos, de Aleksander Aguilar (análise política e cultural)

Entre a Loucura e a Arte, de Janaína Brum (poesia)

Eterno Conflito, do blogueiro que assina como Splash (crítica de atualidades)

Galeria do I.A.D., notícias da Galeria do Instituto de Artes e Design da UFPel

Imagens & Fatos, de Carlos Sousa (notícias)

Meu Universo in foco, de Lu Albuquerque (notas culturais)

Moviola Filmes, blogue da produtora de cinema de Cíntia Langie e Rafael Andreazza

O Universo Ingênuo e Primitivo de Manoel Soares Magalhães (pintura naive) e S.O.S. Planeta Terra (notas de ecologia), blogues do escritor Manoel Soares Magalhães

Pensamento Ampliado, de Anderson de Mello Reichow (crônicas)

Rádio Com, blogue conduzido pelos jornalistas da Rádio Comunitária

Tear dos Sentidos I, de Teresinha Brandão (notas sobre linguística e literatura)

Taurus et Cancer, de Isabel Nogueira (crônicas, poesia e notas pessoais)

POST DATA (março 2011): Acrescentam-se três sítios locais:

Efeito cascata faz a farra dos vereadores (ainda não em Pelotas)

A Câmara de Vereadores de Porto Alegre confirmou segunda (27) um reajuste de 74% em seus rendimentos: irão de 8561 reais para 14837 - segundo já se esperava (leia notícia no Correio do Povo). No mesmo dia, a Câmara devolveu ao Executivo 1,5 milhão por uma redução bem-sucedida de gastos, quantia impressionante mas bem menor que os gastos desta farra delirante (veja no Jornal do Comércio a mesma notícia, muito mais enfeitada).

Mas isto não será - segundo eles - na próxima legislatura, e sim daqui a 30 dias, em fevereiro de 2011. Isso desrespeita o espírito da lei (segundo a qual os aumentos somente valem para a legislatura seguinte), além de ser uma burla contra todo o povo. Em tom de comédia, Steve Martin e Michael Caine (dir.) mostraram quanto um homem pode ser safado, no filme de Frank Oz (1988) que em Portugal se chamou elegantemente "Ladrões e Cavalheiros". Safadez é universal.

Segundo o presidente da Câmara porto-alegrense, o único que existe é o automatismo do reajuste, regulado por norma deles mesmos, de 2008 (quando o salário dos deputados estaduais sobe, o dos vereadores deve subir automaticamente, na mesma data). Se essa manha desvergonhada se aplicar, eles serão os únicos que legislarão em benefício próprio, o que nem sequer ocorreu com deputados federais, senadores, presidente da república etc.

Em 2008, os vereadores de Joinville (SC) iam presentear-se "somente" 36%, e um cidadão (esq.) protestou vestindo-se de Batman (veja a notícia). Se eles entenderam que estavam sendo chamados de ladrões, simplesmente aprovaram o aumento.

Em Sorocaba (SP), na segunda-feira passada (20), os vereadores em apenas 30 segundos aprovaram o aumento de quase 100% para 2011 (de 7800 para 15 mil). Contra a norma de esperar a próxima legislatura. Dos cidadãos presentes, um ficou só de cuecas, em indignado protesto (leia a notícia).

Em Pelotas, o Diário Popular tem publicado diariamente pequenos artigos de opinião com fortes críticas a essa verdadeira bandidagem legalizada (veja, por exemplo, Os assaltantes de Brasília), mas até agora nenhuma alusão foi feita aos vereadores locais. Esperemos até que a Câmara se pronuncie sobre os aumentos que certamente virão.

Ante tal fome de poder dos empobrecidos representantes (lobos em pele de ovelha) que o povo elegeu, o que o novo presidente da Câmara de Pelotas, de somente 25 anos de idade, poderá fazer?

A nova mesa assumiu ontem (30) à noite (veja o mau agouro na foto oficial da posse, publicada pelo Amigos 1). Seus integrantes têm entre 39 e 60 anos (ou seja, já perderam toda ingenuidade), mas esperamos que o vereador Eduardo Leite (dir.) - com maior nível educacional que o resto - possa impor alguma saída ética que não nos envergonhe tanto no futuro. Em 2011 melhores notícias virão.
Fotos de S. Duarte (RBS) e M. Ávila (DP)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Amigo recorda inícios de Nelson Nobre

O pelotense Huberto Luiz Paiz Machado (64 anos) comentou em julho passado, desde Santa Maria (RS), num post do Pelotas Vip, sobre sua amizade com o jovem Nelson Nobre Magalhães. Oferecemos o seu testemunho para que os leitores comentem e questionem.

Conheci-o por volta de 1965. Eu tinha 18 anos. Ele, 19 – estava no quartel. Estudávamos no Colégio Diocesano [atualmente, o campus II da UCPel].
Mais tarde, lá por 1968, eu atuava no Movimento Estudantil Secundarista, onde divulgava textos de estudantes no jornalzinho da União Pelotense de Estudantes Secundários – UPES [veja a lei 847, que declarou a utilidade pública da UPES].
Estimulei Nelson a começar a escrever, pois vi que ele gostava de discutir sobre as letras das canções populares. Nelson padecia de falta de autoconfiança, mas insisti: disse-lhe que ele seria um POETA, bastando pra isso que desenvolvesse algumas técnicas, pois não lhe faltava senso crítico e sensibilidade. Trouxe-lhe gramáticas sobre métrica e versificação… Pois não é que deu certo…

Sua primeira poesia, meio ingênua, iniciava assim:
Se eu canto em serenata,
com a voz cheia de ardor,
É em homenagem à ingrata
que ignorou o meu amor…
Até aqui o comentário de Huberto Machado.
Nelson assumiu-se como poeta (sem sair das clássicas quadrinhas) e ficou conhecido como pesquisador da história recente de Pelotas (leia sobre o Pelotas Memória e sobre seu Quiosque).

Ganhou autoconfiança para escrever e difundir suas ideias, mas nunca perdeu a extrema sensibilidade e a timidez na área amorosa. Mesmo assim, segue sendo um modelo de como podemos - sem esquecer nossos sentimentos - enfrentar a dor e dar um passo positivo na vida.

Arthur Silva, outro pesquisador de nossa zona, lhe fez uma homenagem quando de sua morte, no inverno de 2007 (leia).
Imagens: UCPel e DP

Trio VIP convida saxofonista

A tecladista rio-grandina Cláudia Braunstein estreou em 2008 como vocalista, no palco da Feira do Livro de Pelotas. Em 2009, ela e dois músicos pelotenses amigos criaram o Trio VIP, com esta formação: Cláudia no teclado e como solista vocal, "Vézo" Campos no baixo e Renato "Popó" na bateria (leia nota).

Ao unir-se, o grupo foi batizado com bom humor por Vezo ao observar a boa qualidade do repertório de Cláudia e a longa experiência dos colegas em MPB: músicos VIP tocando e cantando para um público VIP. As iniciais "V e P" (que soa como V.I.P.) - casualmente, de Vezo e Popó - podem ter ajudado nessa identificação, pois o nome pegou bem e o público pegou força.

O repertório se manteve na linha geral do pop adulto (canções melódicas, de todas as épocas, para cantar e sonhar), mas a voz de Cláudia ganhou o protagonismo que ela desejava e ao qual estava capacitada naturalmente.

Em 2010, Cláudia investiu mais na consolidação do coro feminino Linguagem de Emoções do que no seu projeto solista dentro do Trio VIP. Mas, neste fim do ano, ela voltou a mostrar o desenvolvimento musical de que é capaz, e o fez mediante leves ajustes nos dois ingredientes principais da sua fórmula: estilo romântico, temperado com a alegria dos festivos ritmos brasileiros.

O encontro foi no Sete ao Entardecer da segunda 6, na Fábrica Cultural. Numa primeira parte, formou-se um trio instrumental (piano, violão e sax) em torno a duas canções: "Amar Demais" e "Coração do Agreste". A primeira é obra do próprio grupo (letra de dona Darli Moreira e música de Leon "Vezo" Campos), enquanto a segunda, de Moacyr Luz e Aldyr Blanc, fez parte da novela Tieta, da Globo (veja a história).

Logo, Cláudia chamou o baterista e todos passaram a uma parte superior do cenário. O piano ficou no meio, entre os músicos e a plateia, marcando uma distância maior com o público. Vieram mais quatro músicas românticas (como Horizonte, e Amor I Love You) e outras sete fizeram o segmento final, mais animado (como Estrada do Sol, Corcovado, Canção da Meia-Noite e Roda-Viva).

Nessa combinação própria do grupo, o aspecto romântico foi enriquecido com um novo instrumento, o saxofone contralto de Douglas Vallejos. O timbre elegante que foi popularizado pelo norte-americano Kenny G se move com flexibilidade dentro do repertório do Trio VIP (na verdade, um quarteto): servindo de fundo repousado, envolvendo sedutoramente a melodia central, ou sendo ele mesmo um protagonista eventual.

O ingrediente da alegria é de costume introduzido por Cláudia como um complemento ao lado romântico, geralmente numa segunda parte do show, destinada às palmas do público e ao canto coletivo catártico. Ela mesma o assumia, cantando ou fazendo brincadeiras.

Desta vez, esse elemento se liberou totalmente, como já era de se esperar que acontecesse: por primeira vez ela deixou o teclado e de pé cantou animadamente, usando agora também de seu movimento corporal, num contagiante dinamismo que fez o público querer mais e mais.

No momento, o crescimento do Trio VIP está ocorrendo em torno a esses dois aspectos - o acompanhamento melódico, que ganha autonomia e expressividade, e a expressão da vocalista, cada vez mais solta e contagiante. As pequenas falhas, já apontadas há um ano, se referem a detalhes técnicos mal ensaiados e ao pouco trabalho de concentração e entrosamento que podem levar - no futuro - à perfeição total.
Fotos de F. A. Vidal
Vídeo de C. Braunstein


domingo, 26 de dezembro de 2010

Maestro Adão Pereira, pianista e violinista

O destacado músico pelotense Adão Pereira faleceu este ano, em 21 de julho, sem maiores homenagens nem reconhecimentos. Formado no Conservatório de Música, o talentoso maestro animou e enriqueceu a vida cultural de Pelotas e foi violinista da OSPA por 25 anos. Somente a coluna do Espeto mencionou sua morte, em duas linhas, uma semana depois (leia).

Adão Pereira iniciou a formação musical em 1938, ainda criança, e prosseguiu no Conservatório estudos de violino e, paralelamente, de piano, nos anos 40 e 50. Ainda como estudante, organizava concertos e turnês com a Federação de Alunos de Pelotas.
Formou-se como violinista em 1953 e como pianista em 1955, tendo como professores de piano: Milton de Lemos, Benedicto de Souza Lima e Darry Prietto da Silva. O excepcional fato de dominar dois instrumentos tão diferentes pode considerar-se como um indicador de alto talento musical.
Com a aposentadoria de Olga Fossati como professora de Violino, seu aluno Adão Pereira passou a lecionar os dois instrumentos no Conservatório, ainda que por curto tempo. Criou e dirigiu grupos de câmara, coros e orquestras em Pelotas. Em 1958, foi bolsista no Curso Internacional de Férias, hoje chamado Seminário de Música Pro-Arte de Teresópolis (RJ).
Nesse ano, a convite do regente da OSPA Pablo Komlós, transferiu-se para Porto Alegre, onde se desempenhou como violinista por 25 anos. De volta a Pelotas, dirigiu a nossa Orquestra Sinfônica em sua segunda fase, de 1978 a 1984 (tinha sido o spalla, na primeira fase).
Como na internet não se encontra informação sobre ele, pesquisamos os dados acima em dois livros, ambos da doutora em Musicologia Isabel Nogueira:
  • "El pianismo en la ciudad de Pelotas (RS, Brasil) de 1918 a 1968", p. 157 (UFPel, 2003);
  • "História Iconográfica do Conservatório de Música da UFPel", p. 150 e 190 (Palotti, 2005).
Um artigo editorial homenageou o Maestro na edição de julho do Jornal da Lagoa (fundado em 2010, no Laranjal). No breve texto, a dra. Iria Pureza Duarte destaca que o professor Adão também foi dedicado organista.

Nascido em ambiente musical, desde cedo Adão Pereira acompanhava - ao órgão da capela da Beneficência - sua irmã, a soprano Suzana Pereira. Mais tarde, fez curso de Violino e de Piano, foi músico da OSPA e, em Teresópolis, fez curso de Regência com o Maestro Koellreutter [1915-2005].
Em Pelotas, Adão foi o primeiro organista a dedilhar o órgão que até hoje está na Catedral São Francisco de Paula. Nos áureos tempos da primeira Orquestra Sinfônica de Pelotas [1949-1963], maestro Adão foi o spalla (primeiro violino). O músico exerceu também atividades didáticas no Conservatório Municipal e, paralelamente, criou vários grupos musicais sob sua regência.
Descanse em paz, Maestro Adão Pereira! A Princesa do Sul comovida agradece a este filho ilustre que fez vibrar com seus acordes a alma pelotense.
Íria Machado Pureza Duarte
Imagem tomada de I. Nogueira (2005)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Crônica de fim de ano

Clima de Natal
Rubens Amador

Aproxima-se o Natal. Não sei por que começa a me assaltar uma certa angústia. Até aquele dia em que toda a casa já está pronta, passo por um período de aflição. E os cartões? Comprar selos, envelopes e cartões. Depois endereçá-los. E os presentes? O ter de andar em lojas. Ainda bem que não escolho nada para ninguém. Não sei. Sou capaz de oferecer um jogo de damas para um adulto e uma camiseta para uma criança. Depois vêm as lampadazinhas. Tem as que acendem e as que não acendem mais. E a árvore? Está firme ainda? Ano passado lembro que ela estava guenza, de um lado. As lâmpadas, será preciso testar uma por uma, exaustiva e pacienciosamente. Que vamos comer: Peru ou Chester? Fábio gosta de lombinho. Galinha? Nem pensar, cisca para trás! Ah, a lentilha, para que o ano seja pródigo em dinheiro. Põe 1 quilo! E a bebida? O que vai ser? E os enfeites da árvore? Vários estão quebrados. O camelo da manjedoura está de pescoço quebrado.

O carteiro está chegando e trazendo cartões de amigos. Chi! Este aqui me faz lembrar do pessoal de Porto Alegre, não estava na lista. Inclui! Alguém lembra que talvez seja melhor mandar pela Internet. Mais barato, direto e com menos trabalho. Mas é uma coisa fria e impessoal, retrucam. Acho o fim da picada pela máquina, diz outro. Olha, faltam apenas 15 dias. Nesta época o tempo voa.

Um dos netos telefona lembrando uma lista de quase 12 presentes só para ele, que ficarão em dois ou três. Depois a gente explica por quê esta época é uma época em que se divide, e não será possível desviar tudo para um só. Oxalá ele acredite. Duvido, o garoto tem opinião. Mas vamos conversar com ele.

As ruas estão cheias de pessoas indo e vindo, cada um contribuindo para que o Natal seja mesmo uma festa já no ir e vir das ruas. Como é? Vai ter Papai Noel ao vivo? Vou saindo de mansinho antes que alguém sugira a mim. Suportar aquele calor embaixo de uma fantasia, será dose! Júnior vem? Vitor vem? Fernanda vem? Hoje fiquei com pena de não ter bastante dinheiro, argumenta uma sobrinha. E eu respondo: esta é uma das minhas velhas penas! Mas por quê, logo hoje, ficaste com pena de ter pouca grana? É que nas lojas, penduradas nas vitrines, vi muitas crianças pobres desejando com os olhos as coisas expostas. Acho que estas deveriam ser como os altares na Sexta-feira Santa, cobertos com pano pesado e cor lúgubre para que os infantes carentes nunca vissem a festa bonita de que não poderão participar intensamente, logo eles que são os legítimos donos! Alguém gritou: Sempre tem um Urubulino para toldar a alegria alheia!

Batem à porta. Era uma criança pedindo. Gritei: deixem comigo! É que naquele momento me lembrei de um colégio católico em que havia estudado em minha infância, e que na época do Natal houve uma representação em que um menino pobre e doente que sofria fortes dores, chamava em vão por Jesus. Sua mãe lhe dizia: “O Rabí da Galiléia não vai vir em nossa modesta choupana, pois agora está em Nazaré distribuindo presentes aos ricos.” O menino chorava de dor, e repetia em desespero: Jesus! Jesus! Nisto ouvem-se batidas secas na porta da modesta morada. A mãe do menino deixa-o sob um monte de trapos, abre a porta e alguém segurando um longo cajado apenas diz : “Aqui estou!”

Sem que ninguém visse, fui no monte de presentes que estavam chegando e peguei dois, que eu sabia se destinavam às meninas e dei para aquela criança que, na sua felicidade, abaixou-se e pegando os seus tamanquinhos saiu correndo sem dizer nada. Claro que não seria preciso. Agradeci-lhe, eu, antes de fechar a porta, por ela me ter ensejado ter brincado de Nosso Senhor, naquela data tão bonita.
Fotos de F. A. Vidal (1-2)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Cinismo legislativo chegou ao Estado em só 6 dias

Como era previsível, os deputados estaduais gaúchos aprovaram gordo aumento de salário para a próxima legislatura. A notícia está na capa do Diário Popular de hoje (dir.) e em todos os jornais do Estado.

Ontem terça (21), somente seis dias depois de os deputados federais e senadores aprovarem um escandaloso e hipócrita aumento para eles e para o Executivo, o sítio da Assembleia gaúcha noticiou com elegância: Plenário aprova novo subsídio para deputados estaduais.

Votaram 47 dos 55 membros da Assembleia, sendo que 36 votos aprovaram a futura remuneração de 20 mil reais (obedecendo o teto de 75% dos federais). Os 10 petistas e um petebista se opuseram. Hoje os estaduais estão ganhando 11,5 mil (fora os benefícios).

O representante de nossa zona - que já foi vereador em Pelotas - estava presente e apoiou o aumento (veja a lista dos votantes). Resta a semana final do ano para que as câmaras municipais de todo o Brasil reajustem os vencimentos que a lei autoriza, a valer desde 2013, no seguinte mandato. Em quantos dias esta onda de sem-vergonhice chegará a Pelotas?

Se nossos vereadores não o fizerem agora, esperamos que não o façam nunca. Mas se o fizerem antes deste ano-novo, como se prevê, verificaremos suas votações e seus argumentos. Não poderemos expulsá-los já de suas poltronas, mas toleraremos a reeleição dos vaidosos que quiserem autoinflar suas banhas inertes?

Os doentes psicóticos não percebem sua alienação, e acreditam de boa fé estar agindo no mais correto realismo. O comportamento dos políticos é bem mais perigoso tanto quanto à ética como nas finanças, com o agravante de que ninguém pode corrigir a insanidade, pois estão no controle do poder estatal. Só cabem denúncias satíricas e poéticas; as reportagens já não surtem efeito na população.

Ontem um bispo emérito representou a voz da decência moral: condecorado como defensor dos pobres, ele se viu forçado a rejeitar o prêmio, somente para destacar que os senadores haviam esquecido os direitos humanos do povo (leia a notícia).
Imagens da web

O boi que passou pelo Aquários, na contramão

Em seu "Balaio de Causos" (Pallotti, 2010, p. 42-43), A. B. Silveira homenageia o amigo Lino de Jesus Soares, hoje com 80 e poucos anos, destacado professor e grande contador de histórias engraçadas. O livro saiu há uma semana (veja nota).

Nos anos 50, o então jovem arroio-grandino trabalhava em pequenos empregos para custear seus estudos. Mário Pianaldi, seu patrão na fábrica de papel Etri (zona do Porto), havia comprado um boi na Zona Norte e precisava levá-lo até a empresa, na Rua Benjamin Constant, e de lá a sua fazenda, atravessando o São Gonçalo pela balsa (na época ainda não havia ponte).

Nenhum empregado se atreveu a levar o animal a cabresto cruzando toda a cidade, uns 6 km. Lino soube da oferta e — como tinha experiência na lavoura, quando criança — enfrentou o inusual desafio, para conseguir os trocados.

Foi buscar o bicho (que provavelmente era um touro), colocou-lhe o buçal e empreendeu a caminhada: Avenida Argentina (hoje, Fernando Osório) até a Curva da Morte, Avenida Bento Gonçalves e a longa Quinze de Novembro.

A insólita dupla passou tranquilamente pelo coração da cidade, inclusive ante o Café Aquários (ou talvez fosse na fase em que tinha o nome de Café Nacional), onde tempo depois Lino trabalharia como garçom, ainda naquele admirável esforço de ganhar a vida humilde e honestamente.

A Rua Quinze tinha já mão única, mas o jovem professor ignorou as normas de trânsito e fez o trajeto na contramão, chamando assim a atenção dos pelotenses duplamente: não se viam animais de grande porte sendo levados a cabresto (as pedras do calçamento eram as mesmas de hoje) e muito menos na contramão.

Fui assim cumprida a grande missão e o pagamento ajudou a engordar o magro salário daquele tempo de vacas magras.
Foto: W. Sanders, 1946 (LIFE)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Contos Gardelianos dão terceiro Açorianos a Schlee

Um mês depois de ser reconhecido com o troféu Fato Literário - categoria Personalidade (leia nota), prêmio dado pela RBS a escritores do Rio Grande do Sul (ou aqui radicados), o escritor Aldyr G. Schlee recebeu - também em Porto Alegre - uma premiação para seu recente livro "Os limites do impossível" no concurso Açorianos de Literatura - categoria conto.

O Prêmio Açorianos distingue artistas e obras em diversas áreas (teatro, dança, música, literatura e artes plásticas), buscando a conexão com Porto Alegre, pois pertence à Secretaria Municipal de Cultura. O nome do prêmio já é uma homenagem aos casais portugueses que iniciaram a freguesia em 1772.

Essa relação pode ser pela origem do autor ou da editora, como diz o Conselho de Cultura da Capital do Estado (leia post). No caso de Schlee, jaguarense de 76 anos radicado em Pelotas há 62, o vínculo é pela editora ARdoTEmpo. O Açorianos já o havia premiado duas vezes como escritor: pelos Contos de Futebol (em 1998) e pelos Contos de Verdades (em 2001). Como destacou o Diário Popular na época, os prêmios eram três até 2001 (acrescenta-se um Açorianos como tradutor de "Facundo").

Cada um dos livros de Schlee já recebeu algum prêmio e ele mesmo como criador já foi destacado várias vezes. Há pouco mais de trinta anos ele vem escrevendo contos, ensaios, traduções e glossários. A obra longa viria somente em 2010, com "Don Frutos".

Os Contos Gardelianos são o coroamento dessa obra complexa de relatos breves, que concentra e enriquece os traços formais e os conteúdos de sua escrita.

São eles ("Os Limites do Impossível") uma série de relatos que se complementam, um coral de vozes de mulheres que giram ao redor de um homem com características heroicas, quase divinas: o cantor Carlos Gardel, tragicamente engendrado e tragicamente desaparecido. Uma leitura para espíritos maduros e capazes de suportar uma sucessão de tragédias.

Parecida fórmula foi utilizada em "El día en que el papa fue a Melo" (1991), também um contraponto de vivências, atraídas pela chegada em pessoa do Vigário de Cristo à cidade de Melo. Crua realidade de um povo necessitado de amor e de proteção divina, lúcido diagnóstico da confusa vida interna do ser humano.

Esse conjunto teve a particularidade de ser escrito em espanhol, o que definiu Schlee como um autor uruguaio, nascido no lado brasileiro, mas reconhecido (por essa obra) somente do lado castelhano. Esta é sem dúvida a obra maior de Schlee (no gênero conto), que provavelmente nunca será vista como tal no Brasil. Os conflitos de fronteiras ainda são muito recentes e os ódios não foram totalmente sanados, mas estas histórias oxigenam um pouco a ferida da História.

Por outro lado, os contos (cantos) para Gardel - também situados no Uruguai - usam o português (e o portunhol, já sem pudores nem delimitações idiomáticas) para referir-se a uma realidade essencialmente castelhana/gardeliana: a tragédia de nascer pela violência mais brutal e de morrer sem poder ter elaborado a tragédia da vida, exceto pelas letras e pelas emoções dos tangos.

El día que me quieras poderia simbolizar a falta desse amor, esperado em vão toda a vida, e recordado - não se sabe por quê - numa viagem de chegada a Buenos Aires. É também o elo sugerido por Schlee com seus contos do dia da chegada do papa.

Será esse desamor uma tragédia simplesmente pessoal, de todo o povo platino, ou de toda a humanidade? Cabe a um leitor adulto pensar - ao longo da leitura, e ao longo de sua própria vida, pois respostas claras não há.
Imagens: CMC POA (1) e Ardotempo (2-3)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Preservamos os prédios mas os tapamos com fios

Esta é uma imagem que não deveria ser publicada, se quiséssemos valorizar nossa cidade e os visitantes que por ela se interessam. Todo fotógrafo, do mais especializado ao menos profissional, busca um registro do melhor ângulo, de modo a ter uma lembrança para si ou para outros, para quem já conhece Pelotas ou para quem pode vir a conhecê-la.

No entanto, é somente fazendo uma denúncia explícita que as autoridades e o público podem dar-se conta de uma de nossas falhas. A popular "igreja cabeluda" é nosso cartão turístico mais emblemático, cujos coloridos muitas pessoas observam segundo a estação do ano. Mas, ainda que o céu azul colabore, não é nada fácil ter esse souvenir visual do ângulo certo para que nenhum fio de eletricidade apareça.

Esta fotografia do centenário templo anglicano não foi rebuscada para mostrar o seu lado feio. Ao contrário, é essa a visão que se tem da calçada oposta. Melhores imagens podem ser tomadas do meio da rua - mas sob perigo de atropelamento - ou desde algum edifício próximo.

Este problema se repete por todo o centro histórico de Pelotas, justamente o lugar de maior interesse turístico e onde a fiação elétrica também se encontra num estado histórico, da época em que as casas com eletricidade ainda eram minoria.
Foto de F. A. Vidal

As bicicletas existenciais de Leyla Lopes

Em setembro de 2010, cinco telas em tinta acrílica de Leyla Lopes foram a segunda mostra a ocupar o novo Espaço Arte do Hospital São Francisco de Paula, idealizado e coordenado por Orayl Barcellos.

A artista empregou o simbolismo das rodas de bicicletas para sugerir imagens da infância e de mudanças de etapas na vida, como nos quadros "Partindo" e "Triciclo com cereais".

"Bicicleta antiga " e "Ciclo azul" (dir.) evocam épocas mais distantes, talvez de nossos bisavós, o que implicitamente nos leva a pensar nos movimentos cíclicos além de nossa pessoa, aqueles fenômenos que não vemos mas que vieram antes de nós e sobrevirão depois de nossa morte.

Traços rápidos e cores azuladas nos transportam a um tempo de inverno, quando a água fria e a escuridão nos recordam que a vida às vezes dói ou angustia, mas nunca pára nem se dissolve; somente se transforma.

Alice Ávila, 1º lugar infantil no Top Mirim

A pelotense Alice Farias Ávila (dir.), de apenas quatro anos, foi a ganhadora do concurso Top Mirim, lançado em novembro pelo programa TV Xuxa da Rede Globo. A notícia foi dada neste sábado (18) pelo Diário Popular (leia) e pela agência de casting infantil Guri e Guria, ao qual pertence a pequena.

A final foi ao ar pela Globo (veja o programa), reunindo as 3 finalistas por categoria. Alice estava na mais jovem, de 3 a 5 anos, e já havia passado por várias fases prévias. As outras categorias eram de 6 a 8, e de 9 a 11 anos. A semifinal que definiu 3 meninas por categoria foi dia 11 de dezembro (veja o programa).

Alice conquistou o público e os jurados com sua graça para sorrir, seu grande cabelo afro e seu gosto para desfilar como gente grande, tudo reunido numa pessoa de somente 4 anos, que não teve (ainda) preparação como modelo.

A animadora Xuxa deu uma aula privada às 9 meninas, mostrando como caminhar, como descer uma escada de lado, como entrar no mundo das belas aparências e das pobres palavras. No programa, a gaúcha de 47 anos parecia mais nervosa que as próprias candidatas.

O julgamento da beleza das meninas foi feito por Fernanda Tavares, Solange Meneghel, Eli Hadid e a apresentadora Angélica Ksyvickis Huck, que também aos 4 anos foi escolhida "a menina mais bonita do Brasil", num programa do Chacrinha (e ainda repetiu a façanha no ano seguinte). A intenção do programa foi justamente resgatar aquele quadro do Chacrinha, da década de 1970 (leia nota).

A escolha de pequenas misses é típico da mentalidade triunfalista norte-americana, como se satiriza em Little Miss Sunshine, mas no Brasil as virtudes das meninas já parecem mais congruentes com uma vocação de vida do que a simples realização de uma fantasia.

Aqui em Pelotas, desde a pré-seleção Alice começou a ser reconhecida por fãs como a “menina da Xuxa”. Nem pondo tranças e boné a minicelebridade deixa de ser identificada pelas pessoas, segundo Geneci Ávila, a mãe de Alice.

Em 1930, a pelotense Yolanda Pereira ganhou o primeiro concurso de beleza no país, importado dos Estados Unidos. Na época, a beleza nacional se distribuía entre louras e morenas, mas hoje já não surpreende que uma mulata ou negra seja Miss Brasil.

O que talvez possa chamar a atenção dos pelotenses é que a cidade saia da sensação de anonimato e inferioridade mediante o talento pessoal de alguém que não conta com riquezas e bens, nem conhecimentos culturais, nem sequer o plano voluntário de sobressair ou "chegar às estrelas".

Vale como lição para quem deseja sair da decadência social ou da depressão emocional.
Fotos: R. Vicente (1) e Jô Folha, DP (3)

domingo, 19 de dezembro de 2010

Motoristas sem educação nem castigo

Há uma semana (sexta 10), o diário porto-alegrense Correio do Povo publicou a seguinte nota sobre o problema do trânsito em Pelotas: desordenado, criminoso e impune. Em seu estilo diplomático e conciso, o jornal da Rede Record denuncia nossa mentalidade sem respeito e literalmente atropeladora.

Com 141,6 mil veículos e 327,7 mil habitantes, Pelotas tem um carro para cada dois moradores.

A relação entre motoristas e pedestres, contudo, é tumultuada e um dos maiores problemas está no desrespeito às faixas para transeuntes.

Nos últimos 20 dias, duas pessoas morreram atropeladas no Centro. Uma das vítimas atravessava a faixa de pedestres.

Na tentativa de frear o aumento das estatísticas (...), o secretário de Trânsito, Jacques Reydams, pretende reforçar o trabalho educativo com os motoristas (além de) iniciar fiscalização eletrônica em cinco avenidas de fluxo intenso.

Para 2011, Reydams planeja a aquisição de novos radares, pardais e dispositivos de gravação de imagem instalados nas sinaleiras. Em áreas problemáticas, como a rua Professor Araújo, as faixas deverão ser elevadas e transformadas em lombadas, a fim de forçar os motoristas a reduzir a velocidade antes desses pontos.
Foto de Carlos Queiroz (CP)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A. B. Silveira denuncia, mas fica por isso mesmo

Esta terça-feira (14), o jornalista Assis Brasil Silveira lançou o livro "Balaio de Causos", uma coletânea de centenas de anedotas reais, recolhidas ao longo de sua vida profissional, em Pelotas e outras cidades do Rio Grande do Sul.

Os "homenageados" são vereadores, intelectuais, religiosos, empresários, artistas e várias figuras conhecidas, em episódios engraçados, inocentes ou até mesmo vergonhosos, que a imprensa nunca se atreveu nem se atreveria a noticiar (exceto o A. B. Silveira). Alguns deles vão sair aqui no blogue.

Quando os protagonistas já são falecidos, os relatos ganham aquele valor histórico que nos faz ver o presente com outros olhos. Perpassando todo o livro, aquele sabor de Brasil, onde não só os corruptos e bandidos ficam impunes, mas também aqueles que os denunciam sem papas na língua. Em nosso país, ninguém é castigado; o que importa é aparecer, mesmo que seja na página policial.

Como se sabe pelo periódico Poucas e Boas, o A. B. é implacável para denunciar e não mede palavras para elogiar quem merece. No entanto, quando ele acha que a dignidade de alguma figura deve ser preservada, prefere omitir ou trocar os nomes. Muitos dos personagens ainda estão vivos, o que faz os casos interessantes para o leitor de hoje.

A propósito da honestidade dos políticos, há o caso do vereador-radialista e presidente da Câmara que abusava da retirada de diárias. Segundo o relato (pág. 12), Nelson Harter Filho (esq.), hoje deputado estadual, foi o vereador que mais insistiu com esse assunto na década de 90. Pesquisou as irregularidades e quando leu o relatório se referiu abertamente a seu colega Ivan Aune (abaixo):

— Observem os senhores da imprensa de Pelotas que o vereador Ivan Aune tem 69 viagens para Brasília e só encontramos 4 passagens aéreas. Como se explica essa discrepância?

Foi aí que Ivan, que estava furioso com Harter, resolveu se explicar:

— É que as outras 65 eu fui de carona...

A explicação arrancou gargalhadas e as irregularidades na retirada de diárias continuaram livres e ninguém foi punido, para o bem de todos e a felicidade geral da irmandade, organizada em grupos muito compactos.

Até aí um dos causos recordados pelo A. B. Silveira, que devem ser perto de 400, no "Balaio". Este livro e uma antologia do Poucas e Boas (R$ 30 e 25) podem ser pedidos diretamente a ele pelo email anunciado no seu jornal, antes que se esgotem (no lançamento, ele fez os dois por 50).
Fotos: sítio da Câmara

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Corrupção do Congresso chegará a nossa Câmara Municipal?

A notícia circula pelo país e já nos envergonha pelo mundo afora: em menos de cinco minutos, o Senado aprovou nesta quarta-feira (15) o projeto que aumenta o salário máximo do Legislativo e do Executivo Federal, nivelando-os com os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, teto do funcionalismo público (leia notícia).

Desde 1 de fevereiro, os novos deputados e senadores, presidente e ministros ganharão R$ 26,7 mil por mês (cerca de 15 mil dólares) — sem contar os benefícios. Eles não tinham aumento há 3 anos, mas nesse tempo a inflação foi de 20%, enquanto o aumento é entre 60 e 130%. Só uma hora antes do Senado, a Câmara Federal já havia aprovado o mesmo projeto. O palhaço eleito Tiririca achou "bacana" o aumento (leia).

A lei limita esses abusos de certas formas: por exemplo, os aumentos de salário só podem aplicar-se para o mandato seguinte. Nos Estados, o teto dos deputados é de 75% do salário federal. Nas cidades, o teto dos vereadores é variável mas também fica supeditado ao aumento em Brasília. Assim, o efeito cascata pelo país custará até 2012 mais uns 2 bilhões ao ano para pagar palhaços como o Tiririca (veja notícia).

Na votação de quarta, 13 deputados gaúchos não estavam presentes, uma deputada se absteve e 15 votaram a favor (veja a lista). O representante de nossa zona votou pelo aumento e ainda achou justo nivelar-se com os juízes do Supremo, para uma "harmonia entre os três poderes", um argumento puramente narcisista e delirante. O mesmo deputado defendeu em 2009 um plebiscito para levar Lula ao terceiro mandato (leia). Seguirá ele merecendo o respeito e a votação de quem ganha 500 reais por mês?

Aqui em Pelotas os vereadores assumirão esse argumento megalomaníaco? A Câmara já funciona num palacete reformado, inaugurado segunda (13). Os novos móveis, feitos por contrato, custaram meio milhão de reais (leia).

Ficará a praga nacional da corrupção instalada no casarão da Quinze de Novembro nº 207? Parece que teremos que usar de certa força para fiscalizar os fiscalizadores, ou nossa passiva tolerância nos afundará na miséria moral.
Charge de Bessinha; foto de F. A. Vidal

Final do I ciclo de cinema político na UFPel

Após seis meses de encontros semanais, o ciclo "A Filosofia e o Cinema Político" exibe o 28º e último filme da série: "O Ódio", dirigido em 1995 pelo francês Mathieu Kassovitz.

Cheios de intensas emoções e de ideias revolucionárias que agitaram os maiores conflitos da humanidade após a Revolução Francesa, os filmes escolhidos pelo professor Luís Rubira, do mestrado em Filosofia da UFPel, provocaram reflexões e autorreflexões, sociais e filosóficas.

Este primeiro ciclo começou com "A batalha de Argel" (veja nota), tematizando a França como país colonizador. Abrindo um Segundo Ato do ciclo, seguiu com a questão da Revolução Francesa ("Danton") e agora finaliza oTerceiro Ato, novamente com a França como foco.

Em preto-e-branco, como se fosse um documentário, "O Ódio" mostra o subúrbio de Paris (banlieu) na atualidade, e nos faz pensar sobre as raízes da intolerância a partir de uma perspectiva política, social, cultural e econômica. Duzentos anos após a Revolução que pretendia estabelecer um regime de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", continua atual a máxima escrita por Chamfort, filósofo e moralista francês: "Os pobres são os negros da Europa".

Mathieu Kassovitz dirigiu 6 longas e 4 curtas, e atuou como produtor em 4 filmes, mas é mais conhecido do público como ator secundário (O Quinto Elemento, Amélie Poulain, Munich), inclusive em alguns dos seus filmes, como "O Ódio", em que aparece como o skinhead neonazista que é espancado. No vídeo abaixo, o personagem Vinz imita o taxista de Robert DeNiro em "Taxi Driver".
Após a sessão de 1h 40min, haverá debate, como de costume, e, para encerrar o I Ciclo de Cinema e Filosofia (espera-se a continuidade em 2011), um coquetel de confraternização. O coordenador agradece o valioso apoio da reitoria, do Centro de Integração do Mercosul, dos alunos e professores da Filosofia, dos que colaboraram na divulgação e de todo o público.
Imagens da web

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Os astros sobem, decaem e retornam

Esta segunda (13), a meia-lua em quarto crescente apontava ao tempo de natal, quando ficará cheia dos raios do sol, para logo minguar em direção a 2011. Há cem anos, Pelotas ainda crescia, com a fundação da Diocese, do Colégio São José e de clubes de futebol e carnavalescos que brilham até hoje; em 1910 também nasceram Yolanda Pereira e a carreira literária de João Simões Lopes Neto.

Em despedida da fase decrescente, esperamos o bicentenário em 2012 e o ressurgimento de muitas iniciativas que nos façam rebrilhar a vocação. No pátio da Catedral, a grande árvore parecia querer abraçar ansiosa essa luz cíclica, para que esta vez não escape por mais cem anos.
Foto de F. A. Vidal

Joe e as baratas no cinema

Artigo de um leitor publicado segunda-feira (13) pelo Diário Popular (leia completo).

Fui semana retrasada ao Cine Art com minha namorada para ver Harry Potter. Estávamos ansiosos para ver o filme e logo que entramos fomos às pressas para a fila do fundo (a última) onde sempre prefiro ficar. (...)

Lá pela metade da sessão, (...) minha namorada praticamente salta da cadeira e começa a se estapear. "Um bicho, um bicho passou em mim!" Olhamos para as paredes e não avistamos nada. Mas, ao usarmos o celular como fonte de luz, lá estavam três ou quatro baratas movendo-se rapidamente na parede.

Foi bastante nojento e desconfortável, mas ainda assim continuamos a assistir a nosso filme na companhia daqueles insetos detestáveis. No final, obviamente reclamamos ao pessoal do cinema, que, disse, daria um jeito.

Apesar do desconforto e da revolta que o fato nos causou, eu não o tornaria público se nessa semana, ao voltar ao cinema para rever o filme, (...) o mesmo não tivesse se repetido.

Desta vez havíamos ido ver o filme em outra sala e isto me deixou tranquilo, pois não esperava que lá também tivéssemos a companhia das baratas. Por isso mesmo, quando minha namorada reclamou de ter sentido um bicho passar sobre seu pé, eu ri, chamando-a de traumatizada. No entanto, ao fim da sessão, ao se acenderem as luzes, lá estavam as baratas. Desta vez a revolta foi ainda maior, tornei a reclamar e espero numa próxima vez não ter de passar por isto novamente.

Com o perdão da ironia cínica, o melhor seria que repassassem o filme Joe e as Baratas... elas poderiam se sentir ainda mais à vontade por lá. O pior de tudo é não haver outros cinemas na cidade, nenhuma alternativa. Assim, ou esperamos o lançamento do DVD [Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1] ou acompanhamos as baratas.
Carlos Alexandre Mota Gomes, estudante


XIII recital da Escola Piano Class

A Piano Class é a escola de música dos professores Fernanda Castilho, Júlio Machado e Maurício Mendonça. Seus alunos apresentam hoje (15) às 20h um movimentado recital de fim-de-ano, na Fábrica Cultural Música pela Música (Félix da Cunha 952).
Fundada em 1998, a instituição ministra aulas particulares de piano e de violão, musicalização para bebês e pais, recitais e diversas atividades educativas, que fazem parte do Sistema Castilho-Machado de Aprendizagem Musical.
Os inovadores docentes seguem um sistema europeu de ensino musical - diferente do acostumado em conservatórios tradicionais - e, desde 2010, oferecem também um curso de Especialização em Aprendizagem, organizado com o professor Sean Adam, do Alphalearning Institute, de Lugano, Suíça.

O XIII Piano Class in Concert incluirá apresentações de piano, violão, canto e flauta, a cargo de 15 alunos, dos professores da escola e de dois músicos convidados: a flautista Rafaela Grazziotin e o tenor Sérgio Maestrini.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Teia Ecológica, defronte ao Central Park pelotense

Em setembro de 2008, o Amigos de Pelotas publicou minha segunda crônica de gastronomia assinando como Slow Food (veja o post). Esta pauta e a anterior (Croasonho Café) foram sugeridas pelo editor Rubens Filho. O pseudônimo foi escolhido por mim, para escrever com liberdade sobre quatro temas diferentes, que com o tempo ficaram em somente dois (cultura e restaurantes).

Slow Food é um movimento gastronômico europeu, contrário à fast food.
Pioneira em Pelotas na crítica de restaurantes, a coluna durou dois anos, até julho passado. Em 2009 apareceram outras duas: o Papo na Mesa – que durou um ano no Diário da Manhã – e o blogue Vigília Gastronômica.


Pelotas tem poucas opções vegetarianas (e todas elas são para almoçar). A única totalmente natural é o restaurante da Cooperativa Teia Ecológica, que não usa ingredientes artificiais nem tipo algum de carne. É, portanto, um ovolactovegetariano, pois só inclui: produtos vegetais sem agrotóxicos, leite natural e ovos. Os únicos adoçantes aqui utilizados são: stevia em pó e açúcar mascavo.

O buffet do “Teia”, como é conhecido, desmente os preconceitos de que a comida natural não seja gostosa ou de que não deixaria a pessoa satisfeita.

Para começar, por exemplo, junto às saladas mais típicas (tomates, cenoura, beterraba), encontramos a original mistura de trigo com passas e uma salada de crutons de pão integral – de sabor forte, bem equilibrado com vegetais. Combinação preferida deste colunista é o trio verde: alface, rúcula e agrião.

Dos pratos quentes, os clientes preferem o arroz integral com brócolis – consistente, agradável à vista e ao paladar. Pode ser acompanhado com nhoques de cará (tubérculo parecido ao inhame), tão ou mais saborosos que os de batata.

Um manjar a ser desfrutado diariamente é o pastel de cenoura com castanha. Também há “carne vegetal”, à base de soja. Entre os sucos, o de butiá tem uma acidez bem suavizada, semelhante à da laranja. No momento da sobremesa, arroz-cateto não integral, leite de vaca e açúcar mascavo fazem um convidativo arroz-doce, cremoso e de aparência acaramelada. Em vez de café, sugere-se o banchá, um tipo de chá-verde envelhecido.

Em nossa visita, gastamos até menos que num restaurante comum: 8 reais, incluído o suco em copo grande, mais a sobremesa na balança (R$ 2,80), somando R$ 10,80.

O estilo do Teia é natural em tudo, em coerência com seus princípios ecológicos. Os móveis são semi-rústicos, as mesas são decoradas com azaleias, o atendimento é gentil e simples. As bananeiras do jardim (à direita, foto de 2008) também alimentam o cardápio [foram retiradas em 2009; abaixo o aspecto atual].

A coerência é máxima no biológico e no social: às 15 horas, indigentes esperam na porta a entrega da comida sobrante do dia.

Nesta ocasião encontramos pequenos detalhes negativos (pratos quentes não identificados, cadeiras meio incômodas) que consideramos parte do clima semi-rural. O sal, não refinado, é servido em colherinha, talvez uma forma de desestimular seu uso; pode-se optar pelo gersal (ou gergessal), condimento salgado à base de gergelim.

O Teia Ecológica abriu em 1997, e funciona desde 2000 defronte ao Central Park pelotense (Praça Osório, 63). As funcionárias recordam que, quando da filmagem de uma série da Globo, alguns atores vinham almoçar todo dia no restaurante vegetariano de Pelotas.

O almoço é servido das 11h às 14h30, de segundas a sábados. No mesmo local, a Cooperativa vende pão, cereais, bebidas e outros produtos agroecológicos.
Fotos: F. A. Vidal

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Gatos guardam o velho casarão

Enquanto o antigo casarão da família Maciel espera as restaurações prometidas, os gatos ocupam o território abandonado pelos humanos. O prédio é conhecido pelo nº 8, sua numeração ante a Praça Coronel Pedro Osório.

Alheios e desinformados das intervenções que a Universidade Federal planeja para esta recente aquisição do patrimônio, os habitantes passeiam dia e noite, sem Deus nem lei, pelo palacete que há um século alojou senhores e escravos.

Sem saber ler as placas, eles não desconfiam que este mesmo prédio foi inaugurado há 130 anos, em 7 de setembro de 1880, para residência do Conselheiro Francisco Antunes Maciel, o Barão de Cacequi, primeiro diretor do Liceu de Agronomia ( fundado este em 1887 e depois batizado com o nome de Eliseu Antunes Maciel, pai de Francisco).

Os felinos do século XIX seriam mascotes dos dominadores, ou dos sofredores? Os gatos e gatas se aliavam a alguns somente, ou a todos sem distinção, ou a ninguém? Ou, muito pelo contrário, teriam espírito imparcial, observador das vicissitudes humanas?

A propriedade seguiu em mãos da família Maciel até dezembro de 2006, quando passou à UFPel, segundo anota o Dicionário de História de Pelotas (Loner, Gill e Magalhães, 2010). Desde então existe a ideia de ali se formar um centro cultural ou coisa parecida, mas a estrutura segue degradando-se, mesmo com uma restauração aprovada (leia).

As complicações foram denunciadas pelo Amigos de Pelotas em 2008 (leia nota), que o apelidou Casa dos Espíritos, em alusão ao livro de Isabel Allende, sobre uma família que teve importância política, mas que deixou um casarão em ruínas, cheio de fantasmas históricos, nunca bem decifrados.

Sobre a ocupação dos casarões pelos gatos, o escritor Manoel Magalhães escreveu em julho passado a crônica A nobreza que anda de quatro.

A foto desta nota foi tomada na tarde quente e úmida deste sábado (11). As hortênsias pareciam bem cuidadas, mas o preto guardião não soube o que pensar, pois ali já não se veem humanos, nem trabalhadores braçais, nem pesquisadores, nem amos senhoriais.
Foto de F. A. Vidal

"Nenhum de Nós" canta Beatles (dizem eles)


Esta terça (14), o grupo gaúcho de pop rock Nenhum de Nós cantará Beatles, num programa com esse mesmo nome lançado em 2009, o primeiro da banda dedicado ao repertório de outro artista (veja um comentário com vídeos). O espetáculo foi apresentado este fim-de-semana, de 9 a 12 de dezembro, no Teatro São Pedro. Foi em Porto Alegre que o grupo se formou em 1986 (veja histórico); em 2011 terão suas bodas de prata.

O Nenhum de Nós está formado por Thedy Corrêa (vocal e violão), Sady Homrich (bateria e percussão), João Vicenti (acordeom, piano e teclados), Veco Marques (violão, sitar e guitarras) e Carlos Stein (nos violões e guitarra), com participação de Estevão Camargo, no baixo. Serão tocados sucessos de todas as fases dos Beatles.

No vídeo acima, Sady Homrich é um Papai Noel que dá um tom ainda mais festivo ao Submarino Amarelo. O Nenhum de Nós, apesar do nome, mantém sua personalidade artística ao tocar as músicas inglesas: ao mesmo tempo respeita o repertório beatle e o seu próprio estilo nenhum.

A denominação nasceu ingenuamente, quando eram um trio (Sady, Carlos e Thedy) e buscavam algo que tivessem em comum, e que idealmente apontasse à sonoridade do grupo. Foram dizendo: Nenhum de nós enxerga bem, nenhum de nós pegou quartel, nenhum de nós isso e aquilo, e pegou.

Algum deles canta Beatles?

domingo, 12 de dezembro de 2010

Escola de Música Beatriz Rosselli volta à cena

Amanhã segunda-feira (13) às 20h, no auditório do IF Sul, os jovens talentos da Escola de Música Beatriz Rosselli apresentam o espetáculo “Palco”, que marca o retorno da instituição ao cenário cultural da cidade e os 45 anos de sua fundação. Serão dezenas de alunos - a maioria abaixo dos 18 anos de idade - cantando e tocando guitarra, violão, baixo, teclado e bateria, como mostram as fotos abaixo, tomadas num ensaio geral.

A professora de música Beatriz Rosselli fundou a Escola nos anos 60, propondo um método próprio de aprendizagem do violão. Em 1983 passou às mãos de Lídia Rosselli, sem perder as características originais de amizade, criatividade e alegria familiar.

Desativada há uma década, a entidade foi retomada este ano pelas filhas Lídia e Lúcia, seguindo os mesmos critérios criativos e valendo-se dos avanços tecnológicos disponíveis hoje.

Além dos cursos de cantos e instrumentos, a Escola faz musicalização infantil, desenvolvendo habilidades auditivas e cognitivas a partir dos 3 anos de idade. Também dá aperfeiçoamento a profissionais e adultos em diversas áreas musicais e técnicas.

No time de professores, estão o guitarrista Felipe Rotta, o baixista Eduardo Simões, o baterista Nathaniel (os três da banda Soul da Silva), Clayton Chiesa (tecladista do Tholl), Giovanni (vocalista da Johnny’s Joy) e a própria Lídia Rosselli.

O show "Palco" apresenta um repertório variado, com releituras de músicas de Pink Floyd, Toquinho, The Beatles, Eagles, Tim Maia, Cidade Negra, Lulu Santos, Adriana Calcanhoto, Los Hermanos, Balão Mágico, Gilberto Gil e Jota Quest. Canções que são sugeridas pelos próprios alunos, que estão, em sua maioria, no primeiro ano de estudos musicais na Beatriz Rosselli.

Mesmo aposentada da docência musical, Beatriz torce junto com as filhas, para o sucesso de mais um espetáculo. Entusiasmada com “Palco”, ela diz: “A minha alegria é ver minhas filhas unidas trabalhando pela Escola de Música e ver o meu sonho se perpetuar”.

Ingressos para o show: na própria Escola (rua Pinto Martins, 327) ou com os alunos. O último ensaio geral poderá ser presenciado hoje domingo (12) no IF Sul, das 20h30 em diante.
Fotos de F. A. Vidal

sábado, 11 de dezembro de 2010

O Simões do folclore e o Simões da ficção

O pesquisador Luís Artur Borges Pereira publicou, no número de dezembro do jornal da Academia Pelotense de Letras (O Mundo das Letras, ano 10, nº 103, p. 4) um artigo sobre o "Cancioneiro Guasca", a primeira obra literária de João Simões Lopes Neto.

O livro de Simões (leia biografia) foi editado em 1910 pela Livraria Universal, hoje extinta (ficava defronte ao Café Aquários, na esquina da Doçaria Pelotense). Sobre a Livraria, leia a nota deste blogue Edição de livros em Pelotas

Esta edição do periódico da Academia traz principalmente literatura natalina em prosa e verso, textos apresentados num encontro recente dos acadêmicos.

É de se notar, na capa colorida (acima à esq.), o logo em que os prédios tradicionais da cidade (a "igreja cabeluda", o Mercado e seu relógio alemão, à direita) parecem soletrar uma frase do mundo pelotense. Leia abaixo o artigo de Luís Borges.



Uma teoria sobre o Cancioneiro Guasca
Luís Borges
Comemora-se em 2010 o centenário da obra considerada o "patinho feio" da produção de Simões Lopes Neto. Diz-se assim porque não é livro autoral, tratando-se de uma recolha folclórica. Desta maneira, quando o Cancioneiro é comparado à ficção do autor, evidentemente, fica menor.

Tentando conciliar estes aspectos, algumas abordagens procuravam mostrar que Simões era um escritor cuja literatura valia como o repositório das tradições gauchescas, da representação de aspectos do ser moral do gaúcho, da descrição de costumes, hábitos e folclore. Assim, certas dificuldades na compreensão vocabular e estilística da arte literária de Simões Lopes Neto foram superadas através de um artifício: sua valorização como repositório de outros significados sociais.

Reconhecido tardiamente como escritor, de inegáveis méritos, talvez só pôde sê-lo plenamente, na medida em que seu projeto originário fracassou: dedicar-se de várias formas às questões educacionais, fosse no exercício do magistério, propondo reformas ortográficas, escrevendo livros didáticos, empenhando-se em campanhas cívico-educacionais, participando dos Tiros de Guerra ou propugnando atenção à higiene.

Na proporção em que foram se esboroando seus ideais, sonhos e até ímpetos de empreendedor, foi o Velho Capitão direcionando-se para o campo literário. Fez compilações do folclore regional gauchesco e dava a seus contos um caráter de registro histórico, sociológico e linguístico do pampa. De tal modo o Simões folclorista/historiador ficou ligado ao Simões literato, que ele saiu em prejuízo tanto na condição de homem dedicado aos estudos folclóricos e históricos quanto à estrita atividade de escritor.

Quer-se dizer com isso que o popularium recolhido por Simões Lopes Neto apenas aparenta ser obra menor, pois, dependendo da abordagem, vê-se quão meritório é esse paciente trabalho de compilador. Do mesmo modo, vale lembrar que [na fábula] o patinho feio acaba por transformar-se num belo cisne.

Assim também acontece com o segmento aparentemente menos relevante de sua literatura, enfeixada no Cancioneiro Guasca (1910). Ao levarmos a cabo uma avaliação mais profunda desse livro, podemos perceber em quê e por quê os intelectuais do período se preocupavam tanto com o folclore e a cultura popular.

(...) Se compulsarmos as datas de composição do Cancioneiro Guasca e das Lendas do Sul (1913), por exemplo, podemos ser tentados a não associá-las com a fase mais intensa de sua atividade cívico-educacional, isto é, entre 1904 e 1906, quando realizou suas famosas conferências por diversas cidades do Estado. Ora, 1906 é exatamente o ano em que ele compôs um de seus textos mais famosos, considerado uma de suas obras-primas, o Negrinho do Pastoreio, incorporado indelevelmente ao acervo folclórico.

Enfeixada de modo profundamente artístico, a literatura de Simões Lopes Neto pode revelar o ethos do povo, através do qual se identificará o seu "gênio", sua verdadeira alma. Esse conceito é essencialmente romântico; porém, sobrevive em Simões Lopes Neto e Sílvio Romero e outros expoentes da chamada geração de 1870, justamente aquele grupo que mais se insurgiu contra as concepções românticas. Esse aparente paradoxo só pode ser compreendido se entendermos, tanto em Romero quanto em Simões Lopes Neto, o papel do conceito de "gênio", soterrado sob uma retórica cientificista.

Nesse sentido, o Cancioneiro (no qual estavam quase todas as lendas que apareceram no livro de 1913) é o mapeamento do gênio popular gauchesco com fito de estabelecer um projeto lítero-ideológico, promotor de um civismo que possibilitasse um novo projeto de nação.

Patinho feio, que nada!