Na ocasião, ele já planejava expor essa primeira produção, que tem crescido em quantidade, sempre no estilo conhecido como arte naïve (veja uma definição), que desenvolveu com a artista plástica Carmen Garrez, precursora da arte ingênua no Rio Grande do Sul (leia nota sobre seu trabalho).
Chegou a hora, afinal: ontem (25) Manoel levou ao Corredor Arte dezoito telas em acrílico, estreando formalmente como artista plástico, com sua primeira mostra individual: "No tempo das charqueadas".

Os quadros de Manoel são crônicas visuais, mas não são somente isso: elas têm um olhar paternal, ao mesmo tempo crítico e amoroso, sobre a sociedade e seus dramas. Se bem sabemos que a riqueza de Pelotas dependeu das charqueadas, nem sempre enxergamos a tragédia humana contida nesse processo; somente os resultados bonitos, que ficaram por cima do tapete. Com as gerações, foram-se dissipando lentamente as dores e as flores, e o pintor aqui nos faz percebê-las. O drama é nosso, mas também é universal, tanto nas épocas como na geografia. Como é nosso, toca-nos resolvê-lo; como é universal, podemos evadi-lo ad eternum.

O estilo de traços ingênuos, cores infantis e conteúdos naturais - conhecido como naïve - serve ao artista para dizer coisas complexas com simplicidade, sem ligar-se a teorias ou procedimentos acadêmicos (clássicos, modernos ou contemporâneos). Equivale a um jogo de cintura para driblar os formalismos da intelectualidade e da arte universitária.
Sua mensagem é pessoal e atemporal, e seu método quer ser um testemunho próprio de Pelotas. Na pintura assim como na literatura, a voz do artista se confunde com as vozes dos habitantes da cidade, especialmente os que a sociedade marginalizou, ao longo da história. Os excluídos são protagonistas e falam claro, por este mediador. A arte cumpre sua função redentora, como linguagem de libertação.

Na tela "Matadouro" (abaixo), vemos a impiedade do trabalho de abate e carneação à beira do rio, verdadeira evocação do inferno na terra: vítimas animais e humanas, operários da morte, um campo verde (como atualmente se pintam os cemitérios). Os beneficiários do charqueio não estão visíveis nem tomam conhecimento da origem de seus manjares e saraus. Com o tempo, os saladeros fecharão, e o sofrimento será elaborado, mas novos motivos aparecerão para o ódio e o amor: na violência sádica, na exploração injusta, no serviço dedicado, na criatividade artística.
Pode-se dizer que “No tempo das charqueadas” se mostra ingênua na forma e crítica no conteúdo, estimulando uma necessária reflexão sobre um período de riqueza e, ao mesmo tempo, de crueldade da vida dos pelotenses, sem deixar de sugerir ideias sobre nosso presente e futuro como sociedade cheia de erros e confusões.
Imagens: F. A. Vidal
