quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Nauro escreve um livro de palavras

Nauro Júnior, segundo Paulo Rossi
Nauro Machado Júnior lança hoje (8) seu segundo livro, "Náufrago de um mar doce", uma novela breve de aventura, baseada em fatos ocorridos com pessoas de Pelotas.

A obra está disponível na Livraria Vanguarda (R$ 30), e terá sessão de autógrafos na Feira do Livro de Pelotas e, ainda este mês, em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro (leia notícia sobre este lançamento). Também haverá lançamento no Cassino (veja entrevista com a RBS Rio Grande).

O primeiro livro de Nauro, "A noite que não acabou", foi uma grande reportagem com palavras e fotos, escrita em parceria com Eduardo Cecconi. O "Náufrago...", ainda que pareça estranho dizê-lo, é um livro de palavras, escritas por um observador da vida e do universo, que até agora se valia principalmente das imagens fotográficas para transmitir suas mensagens.

Hoje o fotógrafo se sagra escritor ou, em outras palavras, tradutor das imagens visualizadas no pensamento. Já não se apoia num parceiro jornalista nem sequer na sua grande habilidade como fotógrafo; agora ele exerce a literatura como tal, ou seja, relata fatos (reais e imaginados) com apoio em recursos de ficção, dá aparência de verdade a detalhes inverossímeis e preenche com lembranças pessoais o que a realidade não lhe pôde informar.

Outra característica literária do escritor iniciante é que sua narrativa se inspira em obras específicas de autores consagrados: "Relato de um náufrago", de Gabriel García Márquez, "O velho e o mar", de Ernest Hemingway, "Riacho doce", de José Lins do Rego, entre outros.

Leia abaixo um dos trechos mais dramáticos e decisivos do texto, em que o personagem inicia um seminaufrágio, sem afundar seu barco nem seu próprio corpo, vivendo uma angustiante paralisia existencial. Nesta quase-tragédia, o homem perde a capacidade de navegar e tenta a proeza de sobreviver.


Quando Nico cruzava sobre as redes tropeçou no cachorro que tentava entender o que estava acontecendo. Desequilibrado, agarrou-se com a mão esquerda na cadeira giratória, de onde timoneava o Tatuapú, e tentou espichar a mão direita para segurar a cana de leme completamente torcida para fora do barco, a bombordo. Na tensão de se manter dentro do barco, Nico pegou o leme para colocá-lo no rumo.
Neste instante o barco não navegava mais no rumo leste/oeste, tinha trocado para sul/norte e por isto as ondas entravam de través, fazendo o Tatuapú balouçar. A cada solavanco, Nico pedia a Deus para não se render à fúria do mar. Seria morte certa, desabar naquela água gelada de outono. Pensou em voltar e desligar o motor, porém mais da metade de seu corpo estava inclinado para fora do barco. Precisava agarrar aquela cana de leme e trazer Tatuapú ao rumo. Precisava voltar a ter paz.
O barco subiu novamente de lado em uma onda e quando estava no alto ele enxergou toda a Lagoa. Foi neste ínfimo instante que ouviu o desvario de Tchuco latindo, e o barco descendo novamente. Nesta hora a cana de leme voltou com a força de uma flecha em direção a suas mãos. Nico esperou aquela madeira que ele mesmo falquejou com a palma da mão direita aberta. A esquerda ainda se sustentava na cadeira giratória e instável que insistia em lhe jogar para a água. Quando a ponta da cana de leme chegou a suas mãos, deu um estalo e Nico empurrou a força de seu corpo para se afirmar. Calculou mal seu vigor, e seus olhos viram a cadeira giratória dando voltas, com o corpo voando pela borda em direção à água. Conseguiu agarrar a ponta da cana de leme com as duas mãos e começou a ser arrastado pelo velho Tatuapú. Com o leme todo torcido para a esquerda, o barco começou a navegar em círculos para a direita. Tchuco latia desvairado com as patas na borda do barco, como se quisesse trazer Nico de volta.
The Beach at Dusk, Mitchell Jamieson, aquarela e lápis, 1945
Dependurado do lado de fora, tentava caminhar com as mãos pela cana de leme para se aproximar da beirada do casco e assim voltar a bordo. Com o peso das botas cheias d’água não conseguia. Resgatou toda a força da juventude e espichou uma das mãos em direção ao casco, mas estava a mais de dois metros.
— Por que eu navego só com este cachorro desgraçado que não pode fazer nada por mim? Se ele desligasse o motor, salvaria a minha vida — pensou.
Pisou com a ponta de uma das botas no tornozelo da outra e se viu livre de uma tonelada que lhe puxava para baixo. Tentou tirar a outra, mas não conseguia. Sua cabeça dava voltas e o barulho da água, misturado ao som do motor mais os latidos de Tchuco enlouqueciam-no.
 Cala a boca, cachorro desgraçado, e faz alguma coisa! Se eu tivesse um proeiro como todos os pescadores, me soltava na água e esperava ele voltar e me buscar.
Quando o barco subia na onda conseguia ver a Lagoa, mas quando descia, entrava de lado e Nico mergulhava completamente n’água, mantendo apenas as duas mãos agarradas à cana de leme.

Nenhum comentário: