sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Bilhete (III)

O cronista Rubens Amador escreveu em 1979 um conto longo, que agora este blogue reedita na forma de um folhetim em capítulos diários. Cada postagem sairá às 10h da manhã. 

A série começou anteontem (31) e terminará no próximo domingo 11. Acompanhe hoje a terceira parte do conto "O Bilhete". 

Se perdeu o capítulo de ontem, leia aqui.


III O diretor francês

Não restou alternativa ao nosso herói a não ser juntar suas coisas e retirar-se daquele hotel de onde estava sendo enxotado por causa daquele já estranho bilhete.

“Meti-me em alguma encrenca onde há homem casado e ciumento envolvido... Ora vejam só: ganhar férias em Paris, para acabarem assim desta maneira!”, pensava o frustrado “felizardo”, ganhador daquela viagem ironicamente chamada de “férias”.

"Sous le ciel de Paris" (1951)
Já bastante preocupado, tomara uma resolução: iria procurar a alta direção da firma, lá mesmo em Paris, e pô-la ao corrente de tudo que estava acontecendo.

O Diretor já trabalhara vários anos no Brasil, na década de Trinta. Tratava-se de um fino cavalheiro que saberia ser compreensivo e seria o tradutor ideal – pensou – para aquela carta e, além do mais, ainda não perdera de todo a esperança de encontrar aquela bela francesinha que lhe trouxera tantas complicações.

Da ideia passou à ação.

Comodamente instalado no confortável escritório do senhor Diretor, narrava-lhe os últimos detalhes de tudo o que lhe havia acontecido. Seu chefe pediu-lhe a carta, mecanicamente, gesto próprio dos grandes executivos. Prontamente a folha de papel branco, dobrada, lhe foi passada.

Apesar de tudo, havia em sua expressão, embora fosse comedido em palavras, muita compreensão e uma inescondível curiosidade.

O dono da mensagem sentiu-se tranquilo. Finalmente iria chegar ao fim daquela meada intrincada. E por certo ficaria sabendo da francesinha. Ah, aquela francesinha – remoía em seus pensamentos.

Suas divagações foram interrompidas quando notou que a face do senhor Diretor enrubescia, ao mesmo tempo que seu cenho se franzia.

"Stranger on the third floor" (1940)
O dono da carta, estupefato, se mexeu na cadeira, traindo seu nervosismo.

Lentamente, o executivo dobrou o papel, alcançou ao funcionário a carta de volta, aquela maldita carta-bilhete, e, baixando os olhos, disse com energia:

— Suas férias terminam aqui e agora. Volte ao seu hotel imediatamente, faça suas malas e regresse ao Brasil no primeiro avião.

— Mas, senhor Diretor... — tentou falar em vão, sendo atalhado com estas derradeiras palavras:

— Parta imediatamente sem dizer palavra! Se não, serei forçado a demiti-lo da Organização.

No avião, voando de volta, não conseguia esquecer aqueles terríveis acontecimentos por que passara. Ainda tirou do bolso aquela misteriosa mensagem e olhou-a com um misto de raiva e de mórbida curiosidade.

Continua amanhã (parte IV). 
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