No Brasil se fez costume pedir bifes a cavalo, a pé, à milanesa e...
a la minuta? ou
à minuta? Ninguém sabe ao certo. Considerando a falta de acordo, até parece que não existe uma forma correta. Há quem acentue (
à la minuta), mesmo sem saber o que é uma crase. Em francês existe crase? Essa expressão será, talvez, francesa? Investiguemos este mistério exclusivo do idioma português.

No nosso Café Aquários, por exemplo, o próprio cardápio-mural (não é qualquer restaurante que tem um cardápio-mural) duvida entre um "á la minuta carne" e um "à la minuta frango" (
acima). Segue-se o que os fregueses mandam, e todos dizem "quero uma alaminuta". Vejam só que aí o termo ficou substantivado (com elipse do bife).
Mas como isso se escreve? Junto, ou separado? Com ou sem acento? À italiana ou à francesa?
Cada restaurante usa uma forma, dependendo do ouvido, da boa vontade ou dos conhecimentos do idioma. Este é um daqueles casos de pergunta pega-ratão para vestibulares e concursos. É brasileirismo e não está na Wikipédia (ainda). E mesmo que estivesse todos discordariam e apagariam a página.
Agrava-se o caso quando buscamos o plural (essa é para professores de cursinho): são duas minutas, ou duas a la minutas, ou alaminutas? Será com hífen? E o gênero? Quero "uma minuta", ou "um (bife) alaminuta"? Juntando todas as possibilidades, acharíamos dezenas de formas.

Um restaurante da Rua Tiradentes (próximo da Álvaro Chaves) pintou com ousadia na fachada o plural:
alaminutas (
dir.). Portanto, o singular se deduziria: uma "alaminuta", ou um "bife alaminuta". Mas isso seria escrever de ouvido, colocar por escrito o uso oral.
Resposta do Aurélio
A palavra
minuta já existe no português há alguns séculos. É o feminino latino de
minutus. Os dois provêm de
minus (menor), que origina muitas outras palavras nossas: menos, minuto, miúdo, minúcia, minúsculo, miuçalha, diminuir, diminuto, esmiuçar. Como substantivo, significa: rascunho, algo feito com rapidez, no minuto.
Assim, o latim
minutus se traduz ao português como: miúdo, diminuído, diminuto. Esse adjetivo denominou, em vários idiomas ocidentais, uma das divisões
menores do tempo (virando então substantivo): o minuto (miudinho, pequeninho). Uma coisa breve, feita rapidamente, também se chama "minuta".
Seguindo o velho Aurélio de 1960 (também o Novo, conhecido como Aurelião, editado em 1975), "à minuta" é a expressão que deve aplicar-se aos pratos de restaurante feitos no momento, na hora do pedido. Assim como encomendamos bifes à milanesa (ao modo milanês), também pediremos filés
à minuta (ao modo de uma minuta, de um rascunho, de algo rápido).
A forma inventada no Brasil "a la minuta" saiu por influência do francês:
à la minute (feito no minuto). Para quem não sabe francês,
minute é feminino. Aurélio (em 1960) já tentava corrigir essa cópia literal, registrando somente "à minuta", forma não usada pelo povo brasileiro. Ele escreveu, no verbete "minuta 2", que a forma feminina afrancesada seria "absurda", nessa expressão gastronômica. O dicionarista sugeria, assim, que a tradução mais correta seria "ao minuto", ainda mais distante do uso popular, mas não a registrou nem mencionou.
Apareceram, no caminho, outras versões ilógicas e deselegantes: a variação aglutinada "alaminuta", a italianizada "alla minuta", a afrancesada "à la minuta" e a mais absurda "ala minuta". Portanto, temos duas opções possíveis, com o mesmo significado:
- ou dizemos em francês: à la minute,
- ou em português: à minuta.
Ambas formas se aplicam tanto no plural como no singular: um bife à minuta ou vários bifes à minuta. Quando se tratar do substantivo "minuta", pode aplicar-se o gênero feminino, mesmo que os bifes ou filés estejam subentendidos ("quero uma minuta", ou "uma minuta de filé").
Se a coisa a ser comida estivesse no feminino, a expressão se manteria a mesma: uma sardinha à minuta, vários linguados à minuta, uma ou duas fatias de presunto à minuta. Foi a omissão desses deliciosos substantivos que nos levou à confusão: eles é que devem ser flexionados - os ingredientes (o filé, a picanha, o frango) - e não o modo de prepará-los.
Fotos de F. A. Vidal