terça-feira, 30 de novembro de 2010

Bicicleta na calçada: divertido mas perigoso

Não se costuma esquecer o perigo que os ciclistas sofrem nas ruas e até mesmo nas ciclofaixas (espaço dentro de ruas, como em nossa Andrade Neves), mas ninguém lembra o risco de que as bicicletas usem o espaço dos pedestres. Em Pelotas, é habitual que ciclistas invadam calçadas, e muitos pedestres não ficam por menos: também gostam de uma ciclovia (espaço afastado das ruas, destinado somente a bicicletas) para caminhar e correr (incrível, mas aqui em Pelotas é o que ocorre na Duque de Caxias e na Dom Joaquim).

Buscando incentivar o uso saudável da bicicleta, especialistas aprovam a insólita aplicação de ciclovias dentro das calçadas para pedestres (foto à dir.). Já existe uma em Blumenau (leia nota). Os tais especialistas devem ser europeus que não conhecem o Brasil, onde nem a lei nem o pedestre são respeitados.

Em nosso país a lei proíbe pedalar nas calçadas, a não ser que exista sinalização de ciclovia sobre ela (artigos 58 e 59 do Código de Trânsito). Os guardas municipais devem advertir sempre e, em caso de acidente ou agressividade, podem remover a bicicleta e até estabelecer multa (artigo 255). O DETRAN paranaense dá sugestões educativas para ciclistas, tanto adultos como crianças.

No Rio de Janeiro, há casos de pessoas feridas em atropelamentos na calçada por ciclistas (leia nota). O cronista Rubens Amador nos traz um conto de sua lavra que ilustra de forma dramática esse estranho dilema: de um lado do meio-fio a bicicleta é uma vítima; do lado de cá, pode ser uma assassina.

A velha senhora

Era uma mulher de idade, passara recentemente dos oitenta anos! Jovial e simpática, todos no edifício lhe queriam muito. Prestativa e conselheira; quando lhe solicitavam uma idéia sobre determinada coisa, ela ouvia pacientemente e opinava. Fisicamente era frágil, o que a deixava muito elegante. Dizia, brincando, “se tivesse 20 anos menos, seria modelo”. Embora usasse uma bengala como auxílio nas suas caminhadas diárias, aquele instrumento lhe dava um ar de nobreza e distinção.

Muito independente, preferiu morar só, desde que ficara viúva. O seu filho único fizera de tudo para que ela fosse viver com ele e sua família. Mas ela dizia que um casal tem de viver sua vida sem interferência física de outras pessoas, pois assim perderiam a espontaneidade nas naturais discussões. Jamais seria um empecilho, dizia, e tratava sua nora e netos com o maior carinho. Tinha uma rotina implacável: todas as manhãs, pelas 10 horas, inverno ou verão, saía para “ver as vitrines”, e percorria muitas quadras, cada vez para um lado diferente.

Pois em certa manhã, ao transpor a porta do edifício onde morava, bem no centro da cidade, abanando para o porteiro como fazia todos os dias, logo nos primeiros passos que ganhava a calçada, é violentamente atropelada por um marmanjão pedalando uma bicicleta sobre a calçada, e a jogando no chão. Quase juntos, chegam seu filho, chamado às pressas, e a ambulância. Com o burburinho estabelecido, o sujeito atropelador fugiu rapidamente. Quando pensaram nele, depois que a ambulância partiu para o hospital, já não havia mais sinal dele ou do instrumento que usou para levar à infelicidade a pobre senhora. Um dos que assistiram tudo, no grupo, falou com raiva: “Se esse desgraçado atropela meu filhinho de quatro anos que costuma sair do interior de casa correndo para a calçada, eu o mato”!

Já no hospital, examinada e radiografada, a acidentada teve um diagnóstico terrível após aquele atropelamento em cima da calçada, por aquele indivíduo mau-caráter e mal-educado: fraturara a bacia de forma irreversível. Ficara condenada a ficar para sempre deitada no leito. Realmente, o destino — aliado à irresponsabilidade daquele homem que a atropelou pedalando por sobre o passeio — trouxe-lhe o pior dos sofrimentos, pois a partir daquele dia nunca mais pôde ser independente, passear e visitar os seus amigos no edifício e fora dele. Isso sem referir a que também jamais poderia visitar, com os próprios pés, a seu filho, nora e netos que a adoravam. Aquele aparentemente pequeno acidente, mas tão irregular, porque seu causador infringiu uma norma fundamental: adultos têm de pedalar na rua e jamais nas calçadas, onde as pessoas, como aquela velha senhora confiou, e sentia que estava segura, por estar caminhando sobre o passeio.

Meses depois, a velha senhora teve interrompida sua vida, pois tornara-se uma pessoa muito infeliz. Jamais se conformou com a inutilidade que lhe foi imposta por aquele imbecil da bicicleta sobre a calçada, que sequer prestou-lhe qualquer socorro. Mas assim mesmo, até seu fim, em suas orações por si e pelos seus, ela sempre pedia, piedosamente, pelo ciclista assassino.

Rubens Amador
Imagens da web

Um comentário:

Francisco Antônio Vidal disse...

Uma orientação do blog Pedal Curticeira sobre andar na calçada:

www.pedalcurticeira.com.br/bicicletas-nas-calcadas-pode/