Recém iniciado o quarto ano de existência, o blogue realizou, por primeira vez, uma cobertura mais detalhada de um acontecimento cultural, o Festival de Cinema e Animação Manuel Padeiro. Além das notas escritas pelo editor, sobre o evento em geral e alguns dos filmes, o estudante de Cinema Nathanael Anasttacio gravou entrevistas que revelam aspectos dos bastidores do Festival.
O material editado rendeu três vídeos de 20 minutos cada um, que serão postados aqui no blogue. O primeiro, que será publicado esta semana, traz a visão de professores do curso de Cinema, como Liângela Xavier (acima) e Ivonete Pinto (dir.). Os seguintes mostram os testemunhos de cineastas e do público.
Mantendo o objetivo de mapear o capital cultural de Pelotas, mediante notas informativas e críticas, o blogue também pretende estimular o pelotense a participar e atuar na vida de sua cidade, não só presenciando os eventos mas também compartilhando sua opinião sobre o que aqui acontece.
Assim, com os 200 anos de Pelotas, iremos mostrando mais detalhes de nossa vida cultural para envolver os habitantes e visitantes com esta cidade que tem, desde suas origens, fama de riqueza criativa e de adiantar-se a sua época. Os historiadores registraram os avanços culturais do século XIX, e nós registramos aqui os avanços atuais, que a história reconhecerá no futuro. Fotos: F. A. Vidal
O Festival Manuel Padeiro de Cinema e Animação premia curtas-metragens nacionais em diversas categorias. O evento é realizado pela Gaia Cultura & Arte, com financiamento da Lei Rouanet, patrocínio do BANRISUL e da empresa Sulgás e apoio da UFPel e da Prefeitura Municipal de Pelotas.
Segundo o regulamento (leia), o júri oficial utiliza os critérios de Originalidade, Qualidade Técnica, Capacidade de Expressão e Clareza Narrativa. Os premiados da 3ª versão são os seguintes (clique nos nomes para ver a ficha de cada filme).
Prêmios nas categorias principais
Ficção (R$ 7000): Premonição, de Pedro Abib (Salvador/BA).
Documentário(R$ 7000): Braxília, de Danyella Proença (Brasília/DF).
Melhor Atriz (R$ 2500): Mariana Coutinho, por Sobre o Resto dos Dias (Belo Horizonte/MG).
Melhor Ator (R$ 2500): João Carlos Castanha, por Gaveta (Porto Alegre/RS).
Melhor Roteiro (R$ 2500): Henrique Filho, por A Fórmula (Itabuna/BA).
Melhor Trilha Sonora (R$ 2500): Marcos Campello, por Furico e Fiofó (Rio de Janeiro/RJ).
Melhor Montagem (R$ 2500): Marcos Póvoas, por Premonição (Salvador/BA).
Melhor Fotografia (R$ 2500): Pedro Semanovisky, por Premonição (Salvador/BA).
Prêmios especiais
Júri Popular (R$ 5000): Furico e Fiofó, de Fernando Miller (Rio de Janeiro/RJ).
Júri da Crítica (R$ 2500): Quilombo da Família Silva, de Sérgio Valentim (Porto Alegre/RS) e I-Juca Pirama, de Elvis Kleber e Ítalo Cajueiro (Brasília/DF).
Melhor Vinheta Universitária (R$ 1500)– Ponteiros, de Felipe Fontes Delfino.
Confira abaixo uma das vinhetas do 3º Manuel Padeiro, produzida em Pelotas por Carolina Monteiro e Danielle Menezes (música La Minor Improv, de Balkan Balagan).
O curta de animação "Furico e Fiofó em: Molecagens e Sucessagens" participou da Mostra Competitiva do 3º Festival Manuel Padeiro. A ficha técnica informa o seguinte: direção, roteiro, animação e edição de Fernando Miller; produção executiva, efeitos e finalização de Érica Valle; som e trilha sonora de Marcos Campello.
Trata-se de uma imitação dos desenhos do cinema mudo dos anos 20 e 30, inclusive com supostas falhas na projeção e edição, dizeres descritivos e música de fundo ao estilo norte-americano. O conteúdo foi adaptado à realidade atual brasileira, especificamente no Rio de Janeiro. É tal o realismo que o relato mais parece um documentário tragicômico do que uma ficção, sempre sem perder os traços de humor negro do cinema mudo. Há um título em português, mas para concursos internacionaiso filme ficou como: Flea & Fly in: City Troubles.
Em janeiro passado, Miller declarou o seguinte ao blogue Cartoon Brew(veja a nota completa):
Tive a idéia para o filme faz uns 12 anos. Eu estava num ônibus, no Rio, minha cidade-natal, e havia um bando de meninos de rua dentro dele, rindo aos gritos, batendo uns nos outros, chamando as pessoas pela janela, e tudo o que as crianças fazem quando se divertem. Mas as outras pessoas no ônibus pareciam aterrorizadas, como se aqueles meninos, de 10 ou 11 anos, estivessem a ponto de matá-los ou algo assim.
Todo mundo andava tão assustado com a violência na cidade, e com o problema das crianças abandonadas nas ruas, que ninguém percebeu, especialmente naquele momento, que somente se tratava de crianças agindo como crianças normais. Por outro lado, essas mesmas pessoas achariam graça dessas mesmas coisas se as vissem em desenhos animados antigos – como os Sobrinhos do Capitão – pensando como as crianças eram inocentes naquele tempo!
Então, eu quis mostrar que atualmente as coisas não são tão diferentes do passado, e tentar criar a mesma simpatia com as crianças de hoje, apesar da situação terrível em que vivem. A igreja que aparece no começo e no fim é a da Candelária, onde em 1993 a polícia matou seis crianças de rua. Todo brasileiro sabe dessa chacina terrível.
POST DATA: 14.04.12, 23h Furico e Fiofó ganhou duas premiações no 3º Festival Manuel Padeiro: Melhor Trilha Sonora e Prêmio Júri Popular.
Com a milésima postagem do blogue, convido o leitor a escolher a matéria que mais o marcou, e que escreva ao editor (email : "sotovidal" no yahoo) contando os motivos dessa preferência. Pode recorrer à lembrança ou à pesquisa dentro do blogue (por meses ou por seções, na coluna da direita).
O primeiro testemunho chegou antes mesmo deste chamado, há uma semana. É um qualificado leitor que relata como encontrou o post Manuel Padeiro, líder quilombola e o que significou para ele (leia abaixo), o que nos enche de orgulho e alegria. É um agrado e uma honra saber as vivências que o blogue suscita e, se o leitor quiser participar, poderemos compartilhar essas impressões pessoais com o público.
O Festival Manuel Padeiro, desde sua primeira edição, é cercado de sincronicidades fantásticas, mas também de adversidades que fazem de sua produção um verdadeiro teste de resistência. Produzir arte e cultura não é nada fácil... Dependemos de uma série de apoios e de trabalho constante para que possamos garantir um evento bonito, feito com amor, que é a forma com que a gente trabalha.
Neste ano, ou melhor, nesta 3ª edição do Festival, tivemos uma série de dificuldades que, de certa forma, tentaram nos convencer a levar o Festival para outra localidade ou mesmo cancelá-lo. Numa tarde de reunião de extrema urgência e importância, achei no blog Pelotas Capital Cultural uma matéria muito linda, com o resgate da personagem Manuel Padeiro, o escravo, um traço histórico que o linckava à origem do Festival, e lembramos que a garra e a fé estavam em nós...
O excelente texto do Vidal nos emocionou, a todos, e decidimos, após este resgate, que, a partir daquele momento, seríamos novamente leões... e o Padeiro está aí, novamente, pra Pelotas, pra nossa comunidade também resgatar sua auto-estima, conhecer a sua história, ressignificar sua essência cultural e, principalmente, trazer alegria e esperança entre as janelas dos casarões.
Duda Keiber Produtor executivo do Festival Manuel Padeiro de Cinema e Animação
O casal Diniz ( à esquerda, de pé) representou os pais do neto travesso.
O diretor Francisco Santos (de barba) fez o avô de seu próprio filho (Mário Santos).
Oscar Araújo ( de chapéu) foi o médico (cena gravada em 1913 no Parque Souza Soares).
O mais antigo filme de ficção brasileiro é o curta-metragem mudo Os Óculos do Vovô, produzido em Pelotas em 1913. Fragmentos do filme foram resgatados na década de 1970 e hoje (11) a comunidade pelotense poderá vê-los, por primeira vez em 99 anos (veja nota do 3º Festival Manuel Padeiro).
Mário Ferreira dos Santos como o neto
(cena gravada no casarão da Marechal Deodoro).
Na virada do século XX, o português Francisco Dias Ferreira dos Santos (1873-1937) chegou ao Brasil numa turnê de teatro e apresentou-se ao longo do país durante anos. Em 1909 chegou ao extremo sul, e aqui concebeu uma pioneira empresa de cinema.
O empreendimento já era ousado para a época, e mais ainda por situar-se longe dos grandes centros urbanos. Os estúdios da Guarany Fábrica de Fitas Cinematográficas (ou Guarany Filmes) ficavam numa casa da Rua Marechal Deodoro (esquina com General Teles), em Pelotas.
No primeiro filme da produtora Guarany, um menino pinta os óculos de seu avô, que ao acordar pensa estar cego, dando lugar a cenas cômicas (veja comentário no portalIMDB).
Antônio Jesus Pfeil
Um antigo poema do norte-americano Leroy Freeman Jackson (1881-1958), Vovô perdeu os óculos, relata um caso muito parecido, mas de posterior publicação ao filme pelotense (leia o original de 1918 Granpa dropped his glasses).
Além de produzir a obra, Santos é diretor e roteirista, e atua como o avô; seu próprio filho, Mário Santos, faz o garoto travesso. As cenas externas foram rodadas no Parque Souza Soares, no bairro Fragata. Mais detalhes sobre a história de Santos e as produções da Guarany Filmes no artigo de Liângela Xavier Francisco Santos: um ilustre desconhecido.
Uns sessenta anos depois, restos dos Óculos do Vovô foram achados em São Paulo pelo pesquisador canoense Antônio Jesus Pfeil (dir.), em poder de Yolanda L'Huillier, neta de Francisco Santos. O material foi recuperado na Escola de Comunicações e Artes da USP, ganhou trilha sonora própria, e foi exibido em 2009 no Festival de Gramado (veja notícia).
O antigo filme poderá ser visto somente na abertura do 3º Festival Manuel Padeiro, no Teatro Guarani (veja histórico), associado à mesma produtora de Francisco Santos que há cem anos iniciou a criação cinematográfica no Rio Grande do Sul.
Sede da produtora foi usada como locação (Deodoro com Teles).
POST DATA Junho de 2013 Ricardo Villas-Boas publicou em abril passado os restos do filme resgatado, com a trilha sonora por ele composta em 2006 (vídeo abaixo).
Agosto de 2013 O documentário "As Memórias do Vovô" foi apresentado no Festival de Gramado (v. nota neste blogue), homenageando o cineasta Francisco Santos e os cem anos de seu curta "Os Óculos do Vovô".
Nesta quarta (11), inaugura-se a 3ª edição do Festival Manuel Padeiro de Cinema e Animação. Já pela tarde, às 15h 30min, inicia a Mostra Paralela. A abertura oficial é às 19h, com a Mostra Competitiva, que concorre aos prêmios (totalizando 61,5 mil reais) nas categorias ficção, documentário, animação, videoclipe e vídeo universitário. Pelas manhãs, debates sobre cinema, no Auditório do Centro de Artes (veja a programação).
O 3º Manuel Padeiro é realizado pela Gaia Cultura & Arte, financiado pela Lei Rouanet e patrocinado por Sulgás e Banrisul, com apoio da UFPel e da Prefeitura Municipal de Pelotas. Siga o evento no formato Facebook e no portal Twitter.
A 2ª edição do Festival Manuel Padeiro realizou-se de 1 a 4 de dezembro de 2010 no Parque da Baronesa (leia nota neste blogue). No vídeo acima, com narração de Duda Keiber, veja como a equipe de produção avaliou o evento.
No vídeo abaixo, o relato dos bastidores da mesma edição, segundo Ana Pessoa e Eduardo Porto (veja o documentário da 1ª edição, de 2009).
O 3º Festival Manuel Padeiro (veja no Facebook) transcorrerá de 11 a 14 de abril próximo, com todas as exibições (competitivas e paralelas) no Teatro Guarani e um ciclo de palestras no Centro de Artes da UFPel. Mais informações neste blogue, em postagens diárias a partir de hoje.
A 2ª edição do Festival Manuel Padeiro de Cinema e Animação, que começa amanhã quarta (1), movimenta a cidade até o fim do sábado (4), por meio da presença de 21 cineastas oriundos de várias partes do Brasil. A população pelotense será posta à prova quanto a sua capacidade de acolher e orientar os possíveis turistas que o Festival atrair.
A produção fez um longo e organizado trabalho, não esquecendo de detalhes como gravar as entrevistas coletivas em áudio, revitalizar o Parque da Baronesa com lixeiras (dir.), pagar passagens e hospedagem para os selecionados, divulgação mediante uma revista impressa e pela internet. Somente faltou colocar cadeiras ao ar livre no Parque, e por isso cada um deverá levar a sua. O financiamento, obtido mediante a Lei de Incentivo à Cultura, contribuições de empresas e parcerias locais, projetou 25 mil reais em prêmios, para atrair o interesse dos cineastas brasileiros e manter um alto nível de qualidade nas obras e nas projeções dos filmes.
Cerca de 200 inscritos passaram por uma primeira etapa e foram selecionados 25 filmes de curta-metragem para a Mostra Competitiva, que entrega premiações por categoria (projeções dias 1, 2 e 3, na Baronesa, das 20h às 22h30). Há somente um classificado de Pelotas ("Do It", de Felipe Pires), que será visto na sexta-feira.
Outros 30 curtas ficaram para a Mostra Paralela (projeções dias 1, 2 e 3, no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, das 14h às 18h). Nesta série, há cinco trabalhos de Pelotas.
Para todos os filmes, as categorias são: Animação, Documentário, Ficção, Videoclipe e Vídeo Universitário. Veja a identificação de cada obra (categoria, origem, duração, diretor) no sítio da Programação. Há participantes de Porto Alegre e de outros Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba, Bahia).
Além dessas 6 sessões de cinema, foram programadas 3 entrevistas coletivas com os autores da mostra principal (no I.A.D., às 10h, dias 2, 3 e 4). A Cerimônia de Premiação será dia 4, às 19h30, no auditório da UCPel. Finalmente, às 23h, no foyer do Teatro Guarani, a Festa de Encerramento do Festival, com Jam Session de músicos locais e som mecânico.
Ao redor dessas atividades relacionadas com cinema, haverá ainda: show e oficina de capoeira (dia 2, às 19h30), dança africana com o Grupo Odara e 4ª edição do projeto Poesia no Bar (dia 3, às 19h30). No Parque da Baronesa (esq.), o público será recebido por integrantes do Grupo Tholl. Sempre a céu aberto, a estrutura montada inclui:
Espaço-Arte Manuel Padeiro, com esculturas de Zezinho dos Santos;
Praça de Alimentação com comida vegetariana;
Loja do Festival, com venda de artigos personalizados, camisetas e artesanato;
Iluminação cênica, aplicada no entorno do Parque;
Sessões de Massoterapia, com profissionais do Sítio Saracura;
Fogueira Simbólica, em homenagem e reverência à memória dos escravos, seguidores de Manuel Padeiro.
De 1 a 4 de dezembro de 2009, realizou-se a 1ª edição do Festival Manuel Padeiro. Os filmes da Mostra Competitiva foram projetados a céu aberto na zona rural de Pelotas, no 7º Distrito, onde ficava o Quilombo de Manuel Padeiro, formado em 1834 e destruído em 1848. O documentário registra aspectos do Festival.
Quando a equipe de Fernando e Duda Keiber, junto a professores da UFPel, projetaram um festival de cinema para Pelotas pensaram, como objetivos principais, em estimular a criatividade dos futuros cineastas e em que a cidade se beneficiasse desse foco cultural, também como centro econômico e turístico.
Já com tradição cultural e artística, Pelotas ainda precisaria desenvolver-se como referência regional e nacional na área cinematográfica. Foi em nossa cidade, há cerca de cem anos, que os primeiros filmes brasileiros foram rodados e a falta de recursos minimizou a criação de empresas e de novas obras. Ficamos como uma cidade de muitas salas de cinema, e hoje até isso mesmo chega à sua mínima expressão.
O projeto de um festival de cinema em Pelotas precisava de um traço próprio, diferente dos outros festivais que já existem, e isso devia apoiar-se também num nome de uma figura inspiradora ou patrocinadora da criatividade. O festival não seria numa sala de cinema moderna (em Pelotas só temos salas antigas e desativadas), mas usaria equipamentos modernos, com projeções ao ar livre, em espaços abertos.
O lugar escolhido foi o Instituto Trilha Jardim, no 7º distrito, denominado Quilombo, zona rural de Pelotas. Foi precisamente ali que apareceu a figura de Manuel Padeiro, um líder quilombola pelotense do século XIX (na grafia da época: Manoel Padeiro).
Manuel Padeiro foi escravo de Boaventura Rodrigues Barcelos (1776-1855), poderoso fazendeiro. Note-se, pelo nome, que ele se identificava mais com seu ofício (há registros que anotam "Manuel Pedreiro") em vez do sobrenome do patrão (em toda a América e o Caribe, os submetidos adotaram "filiação" portuguesa, espanhola, inglesa ou francesa). Em todo caso, tal nome não podia soar mais português, tanto pelo prenome como pelo ofício. À direita, escultura de Manoel Padeiro, feita por José Inácio Santos do Nascimento (blogue Sopapo do Padeiro), o Zezinho Santos.
Acredita-se que o líder africano tenha nascido na Costa do Ouro, de onde provinham muitos escravos. Transformou-se num Zumbi dos Pampas, formando grupos de resistência contra a escravidão, a 30 km do centro econômico de Pelotas. Os capitães-do-mato desistiam da caçada humana dos "fujões" ao adentrar a chamada Serra dos Tapes, terreno montanhoso compartilhado com os índios. Formou-se uma série de quilombos desde 1834, e o maior deles ficou conhecido pelo nome de seu líder, Manuel Padeiro, "considerado pelos seus o enviado de Oxalá" (citação do artigo de 2010 Remanescentes de quilombos pelotenses: paradigma emergente, dignidade humana e propriedade, dos autores Henning, Linhares, Gomes e Leal). Nesses redutos havia mulheres, mas a maioria eram homens (80% ou mais).
Como na região de Pelotas a população negra era muito mais numerosa que a branca, a hipótese de uma revolta em massa gerava muito medo nos fazendeiros e nas autoridades políticas, pois seria o fim do sistema escravagista. Os líderes negros eram vistos como criminosos, os escravos como perigosos e muitas vezes a rebeldia se transformava em uma espécie de guerrilha, com assaltos organizados, raptos, incêndios e assassinatos. Com a Revolução Farroupilha, iniciada em 1835, os senhores desviaram recursos para lutar entre eles, e muitos escravos fugiram. Pelotas era uma espécie de barril de pólvora prestes a explodir. A tensão relacionada com a rebeldia dos escravos se mantinha graças à comunicação solidária entre senzalas e quilombos. A informação provém do artigo de 2007 Pelotas na primeira metade do século XIX: uma cidade que a historiografia rotulou ou esqueceu, do historiador Caiuá Cardoso Al-Alam.
O trabalho citado acima (de Henning, Linhares, Gomes e Leal) conta que o término da Revolução Farroupilha, em 1845, possibilitou ao governo enviar militares ao quilombo de Manuel Padeiro, onde se estimava de 600 a 800 habitantes ("Memórias da Escravidão", Zênia de León, 1991). Em 1848, o Segundo Regimento de Cavalaria de São Leopoldo, composto de alemães voluntários, mais a guarda nacional e uma milícia local destruíram o quilombo, dizimando a população. A morte de Manuel Padeiro teria ocorrido naqueles dias. Hoje restam grupos quilombolas na região, estudados por pesquisadores, principalmente da UFPel.
Outros estudos sobre a história do quilombo de Manuel Padeiro:
"O Negro no Sul do país", de Mário Maestri (1997). Em: Joel Rufino dos Santos (Org.). Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Negro Brasileiro Negro nº 25.
"Pelotas e o quilombo de Manuel Padeiro na conjuntura da Revolução Farroupilha", de Flávia de Mattos Motta (1985). Em: Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre, v. 13, p. 111-115.
"Escravidão e Resistência: Quilombo na Serra dos Tapes", de Dilson Marsico (1986). Em: A. Barreto (Org.). Cadernos do ISP n°10. Pelotas: Ed. UFPEL.
"Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil", de João José Reis e Flávio dos Santos Gomes. Ed. Cia. das Letras (leia um trecho no blogue Sopapo do Padeiro).
Homenageando a história negra em Pelotas (das mais marcantes no Brasil escravocrata), a evocação do nome de Manuel Padeiro para um festival de cinema em Pelotas, em 2009, traçou uma linha paralela metafórica entre a reinserção deste "ídolo" – bom para uns, mau para outros – e o processo modernizador e democratizador do cinema, arte, técnica e modo de expressão de todas as camadas sociais. O antigo líder rebelde empresta, agora, seu nome a outro processo de libertação. Na arte, a dor e o sangue se transformam em coisas novas e reveladoras de um melhor ser humano, e a morte se transforma em vida, para que a humanidade não se destrua, mas sim se construa a si mesma.
A segunda edição do Festival Manuel Padeiro começa nesta quarta (1) e segue até sexta (3), com sessões de filmes às 14h no MALG e às 20h no Parque da Baronesa, ao ar livre (levar cadeiras e roupa de inverno). Às 10h dos dias 2, 3 e 4, coletivas com os cineastas dos filmes da noite anterior. Imagens da web