segunda-feira, 29 de abril de 2013

Zequinha de Abreu dedicou valsa a Yolanda Pereira


O compositor Zequinha de Abreu (1880-1935) escreveu a valsa "Glorificação da beleza", provavelmente em 1930. O que pouco se conhece é o porquê desse título. O portal Choro Music, de Daniel Dallarosa, informa que a partitura tinha como dedicatória:
À fascinante beleza da Senhorita Yolanda Pereira, Miss Universo de 1930.
A pelotense Yolanda Pereira ficou famosa nacional e mundialmente, pois ganhara para o Brasil, em 7 de setembro daquele ano, o primeiro concurso internacional de beleza feminina. Obteve, assim, a admiração eterna das brasileiras e dos brasileiros. Mais informação histórica sobre Yolanda Pereira no blogue Espaço Gótico, de Xico Júnior.

Filme conta a vida do compositor.
A primeira gravação desta valsa parece ter sido em 1931, com a Orquestra Tabajara (segundo o Dicionário Cravo Albin). Também foi incluída na trilha do filme de 1952 "Tico-Tico no Fubá" (veja o longa-metragem completo), biografia romanceada de Zequinha de Abreu, ou seja, não totalmente fiel à realidade (v. sinopse e ficha completa).

Em 1985, um primo de Zequinha, o carioca Luiz Antonio de Almeida, cantou a valsa ao modo lírico, sem saber que na plateia se encontrava a própria Yolanda Pereira (leia entrevista, Revista João do Rio nº 42, abril/maio de 2010).

A expressão "glorificação da beleza" foi o título dado no Brasil a um filme de 1929 (Glorifying the American Girl, v. sinopse), com Mary Eaton [disponível completo no Daily Motion, sem legendas]. O assunto e as canções desse musical (v. nota da Wikipedia em inglês) devem ter sido inspiração para o compositor brasileiro. Adaptando o título em inglês, deveria ter surgido a expressão "glorificando a mulher brasileira".
Alguém sabe o porquê do nome Tico-tico no fubá? Em 1917, Zequinha de Abreu apresentou a música de improviso num baile e, ao ver o entusiasmo com que as pessoas dançavam, disse: "Até parece tico-tico no farelo". Esse nome ficou até 1931, quando o Tico-Tico ganhou letra, o título definitivo e a primeira gravação (v. detalhes na Wikipédia). Nos anos 40, já falecido o compositor, a música ficou famosa mundialmente (v. a história completa no portal Choro Music; leia também a explicação de Luís Nassif). 
Gravações disponíveis O YouTube registra somente uma interpretação da valsa "Glorificação da Beleza", com o pianista Ilton Jardim (vídeo abaixo). O áudio dessa gravação está no sítio JUZP. Confira uma versão orquestrada no TV Sinopse. Não foi encontrada a letra.


O filho mais velho de Yolanda Pereira, Homero Pereira Souto de Oliveira, esteve em Pelotas em 2002, quando a ex-miss foi homenageada na 10ª FENADOCE, entre dez personagens históricos em destaque. A caracterização de Yolanda, falecida em 2001, foi feita por Francine Dias, da equipe do Grupo Pelotense de Cultura e Turismo (GPTur).

Aeronauta aposentado, radicado no Rio de Janeiro, Homero Oliveira mantém laços com Pelotas, aonde vem esporadicamente. Ele contou, na ocasião, que sua mãe sempre se sentiu ligada emocionalmente à cidade, apesar de estar longe por muitos anos. Na última vez que esteve em Pelotas, Yolanda disse que se sentia revivendo o passado, tantas foram as homenagens: vitrines decoradas com fotos suas, flores e abraços carinhosos de pessoas nas ruas (v. nota completa no Diário Popular, 3 de junho de 2002).
Imagens: Eliza Andrade e TVSinopse

A médica que cuida do coração

A médica e artista plástica pelotense Carmen Araújo compartilha no Facebook mensagens espirituais junto a imagens otimistas, de pinturas suas ou de outros artistas. Seus quadros são de mulheres, pois ela aprendeu a ciência da ginecologia, e passou a cuidar do coração das mulheres, incluindo ela mesma. Ela já expôs suas obras em uma dúzia de países, mas não deixa de vir a Pelotas e mostrar seus últimos trabalhos, a cada certo tempo. Ontem (28) ela escreveu o seguinte.


Olá gente do coração...!!! Uma grande semana de fé, garra, coragem, paz e amor...!!!

CORAGEM= Cuore + Agir= Agir com o CORAÇÃO...!!!

É preciso ter "CORAGEM"... Sempre, pois é assim que nosso poder se manifesta, poder de amar, estar vivo, ser feliz, ser em plenitude...

Muitas serão as lutas e também as amarras que nos prenderão ao estado de MEDO... Mas, é preciso enfrentar, mais cedo ou mais tarde, os MEDOS que habitam nossos porões, sótãos, ruas e, a vida... Se não, nada fará sentido.

Sei que é difícil enfrentar Medos, e o maior deles, que continuará a assombrar, vez que outra, é o "Medo de voltar a sentir MEDO ...!!!

Tudo é muito dinâmico, e precisamos enfrentar, sim, várias batalhas no cotidiano nosso de cada dia. Mesmo que a pessoa mais perto de você não saiba, são essas batalhas internas e, por vezes, desenfreadas, que nos mantêm vivos e em crescimento.

Vivemos cercados de seres humanos, mas as batalhas internas são nossas... Experienciá-las faz parte do contexto de estar no Mundo e estar VIVO...!!!

Mil "VITÓRIAS" em nossas Batalhas...!!!
Carminha

domingo, 28 de abril de 2013

Festival de Jazz 2013


Durante 3 dias (9, 10 e 11 de maio) Pelotas verá 15 apresentações de jazz em 3 palcos. Músicos brasileiros consagrados internacionalmente tocarão no Teatro Guarani (com entrada franca ao público, prévia retirada de senhas) e ao ar livre (no centro da Praça Coronel Pedro Osório e na calçada da Lobo da Costa defronte ao Guarani). Todos os espetáculos serão gratuitos.

A partir de amanhã (30), as senhas (só para o Guarani) estarão disponíveis no SESC e nas lojas Tim e Multisom, dia por dia (clique no cartaz acima). Somente duas entradas por CPF serão entregues, e elas perderão validade na hora de entrada ao show (após 20:30, poderão entrar pessoas sem senhas, se houver lugar). Acompanhe no Facebook ou no sítio do Festival (link abaixo).

Em 2010, o 1º Festival de Jazz de Pelotas reuniu apreciadores desse gênero, no Teatro Guarani. Desta vez, com o nome de Pelotas Jazz Festival, a iniciativa se amplia, promovendo o turismo, a criação artística e a cultura local. Em 2014, haverá eventos paralelos em Porto Alegre e Rio Grande, numa rota turística do jazz. A intenção é internacionalizar o festival e colocá-lo como o mais importante da América Latina.

Duo Peranzzetta /Senise, "Bala com Bala" (Bosco/Blanc), SP 2010

Os seguintes músicos estão no programa:
  • Quinta 9 de maio: Popó e Trio (19h, na rua), Hamilton de Holanda Trio (20:30, no teatro) e Delicatessen (22h, teatro). V. o post Delicatessen, jazz de exportação.
  • Sexta 10 de maio: Nós 3 (15h, praça), Luciano Maia (16h, praça), Juan Prada Trio (17h, praça), Duo Finlândia (19h, rua), Gilson Peranzzetta e Mauro Senise (20:30, teatro), Yamandu Costa Trio (22h, teatro).
  • Sábado 11 de maio: James Liberato Quarteto (15h, praça), Marcelo Corsetti (16h, praça), Raul de Souza (17h, praça), Blue Grass (19h, rua), Toninho Horta e Orquestra Fantasma (20:30, teatro) e João Donato (22h, teatro). 
No vídeo abaixo (São Paulo, dezembro de 2010), "Bananeira", de João Donato e Gilberto Gil, com Donato no piano e no vocal (aos 76 anos), Ricardo Pontes na flauta, Robertinho Silva na bateria e Luiz Alves no contrabaixo. Com essa mesma formação, o grupo fechará o festival no Teatro Guarani.

sábado, 27 de abril de 2013

A última missa de Dom Joaquim

Dom Joaquim tem monumento
na avenida que leva seu nome.
Era junho de 1940 quando D. Joaquim Ferreira de Melo, segundo bispo da Diocese de Pelotas, presidindo a missa na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Matriz do porto) sofreu um mal súbito e desmaiou, no início da Liturgia Eucarística. Levado ao hospital, faleceria três meses depois, aos 67 anos.

O Irmão Francisco Maria, lassalista alemão residente em Pelotas, testemunhou o fato e redigiu uma crônica relacionando os momentos da liturgia católica com a vida do bispo. Esse irmão era o padre Carlos Johannes, então com 27 anos. Seu centenário foi lembrado em Pelotas (v. Padre Carlos, cem anos de vida).

Aquela crônica de 1940 foi publicada em "Polianteia", antologia de elogios fúnebres de D. Joaquim. O professor Jonas Klug Silveira enviou o texto a este blogue, a modo de homenagem ao Padre Carlos. Conforme as pesquisas do professor, a crônica também se encontra na biografia de D. Joaquim escrita por Monsenhor Francisco Silvano de Souza (imprimatur de D. Benedito Zorzi, década de 1950). A grafia foi atualizada.


Chegamos ao Ofertório. O querido Bispo empalidece, sua respiração torna-se ofegante. Tomando da Hóstia branca e imaculada eleva-a aos céus, suplicando:
— Recebei, Pai Santo, Deus onipotente e eterno, esta Hóstia imaculada que eu, vosso indigno servo, Vos ofereço, Deus meu, vivo e verdadeiro, por meus inumeráveis pecados, ofensas e negligências; por todos os presentes e por todos os fiéis cristãos vivos e defuntos, a fim de que a mim e a eles aproveite esse sacrifício para a salvação e para a vida eterna. Amém.
Com face lívida, mãos trêmulas, mas com voz clara e inteligível,  benze o Bispo a água misturada com o vinho  simbolizando assim a união dos fieis com Cristo  e reza:
— Ó Deus, que maravilhosamente criastes a dignidade da natureza humana, e mais prodigiosamente a remistes, concedei-nos pelo mistério desta água e deste vinho, que participemos da divindade d’Aquele que se dignou revestir-se da nossa humanidade, Jesus Cristo, vosso filho e Nosso Senhor. Amém.
As forças parece quererem abandonar o venerando Celebrante. Hesita um instante... e depois, violentando-se a si mesmo, continua, erguendo também o Cálice para o céu:
— Senhor, nós Vos oferecemos esse Cálice da salvação, suplicando a Vossa clemência, para que suba com suave odor à presença da Vossa divina Majestade, para salvação nossa e de todo o mundo. Amém.
O Altíssimo olha complacente para o sacrifício de D. Joaquim. Mas já não se contenta com a oferta da Hóstia e do Cálice: quer mais. Quer o próprio sacrificador: seu corpo, sua alma, seu sangue, sua vida... Ele há de ser a vítima que será imolada em “propiciação pelos nossos pecados”.

O sacrifício é duro... mas a vítima está preparada e contente. D. Joaquim diz generosamente a palavra mais sublime que os lábios humanos possam proferir: Sim! Fiat!

No mesmo instante um suor gélido inunda-lhe a face venerável. Enfraquece de mais a mais. Já não pode continuar a celebração dos santos Mistérios, mas...cambaleia... desfalece.

A vítima está imolada.

O próprio Jesus completou a Missa que seu Servo e Ministro iniciara na Matriz do Sagrado Coração. O Ofertório foi comprido: três longos meses passou D. Joaquim entregue às mais cruciantes dores, na Santa Casa.

Às 11 horas e 2 minutos do dia 22 de setembro anunciava o dobrar lento e lúgubre do grande sino da Catedral, que chegara o momento da Consagração: A alma do santo Bispo voara para os tabernáculos eternos.

E a Comunhão há de durar eternamente. Na sua ação de graças, D. Joaquim não se esquecerá de nós que tanto lhe queríamos e a quem ele tanto amava, que não hesitou em sacrificar tudo, até a própria vida, constituindo-se deste modo “vítima dos nossos pecados”.

Irmão Francisco Maria 
(Pe. Carlos Johannes)
Lembrança da missa de 30º dia rezada em 22-10-40 pela alma de Dom Joaquim Ferreira de Melo

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Duo Ímpar começa a publicar


O Duo Ímpar disponibilizou ontem (25) em seu novo blogue as primeiras obras em serem gravadas e publicadas pela agrupação: as Três Peças Pelotenses (Milonga, Singela Canção e Rondó), composição até então inédita do violonista Ivanov Basso. Escute a primeira delas (abaixo). O trabalho é feito em Pelotas por gente da terra, e tem em vista levar o nome da cidade para lugares distantes.

O violonista Maurício Mendonça e o flautista Gil Soares apresentam-se como um par único. Não há contradição, pois este duo não tem par. O curioso é que eles conseguem soar como uma unidade e, ao mesmo tempo, sugerir uma multiplicidade sonora além das aparências. Vemos dois tocando, mas ouvimos algo mais: por especiais efeitos técnicos, às vezes se pressente um segundo violão ou uma segunda flauta. Portanto, o Duo é ímpar porque não são simplesmente dois.

Em preparo de um CD ou EP, o grupo também oferece, com as Peças Pelotenses, uma quarta faixa: Nubes de Buenos Aires (ouça aqui), segunda parte de Dos Aires Candomberos, do compositor e violonista argentino Máximo Pujol. Nesta peça, o Duo se assume como Trio, com o apoio do percussionista Nando Barcellos (do A Vapor Estúdios).

O artista Pablo Conde (v. no Flickr), autor da figura acima, é quem ilustra visualmente os trabalhos do Duo. Leia mais sobre Maurício e Gil no post Duo Ímpar, um coquetel musical.

Sarau destaca Vinicius

Poesia e música na Biblioteca Pública Pelotense
Vinícius, segundo
William Medeiros
O Sarau Poético-Musical na Biblioteca inicia o ano de atividades homenageando o emblema máximo da poesia musicalizada: Vinícius de Moraes. Este ano comemora-se seu centenário, pois ele nasceu em 1913, mais precisamente em 19 de outubro.

Foram convidados a este 29º Sarau, como declamadores-autores: Jandir Zanotelli, Katherine Conceição, Ligia Monassa Farias e Luís Artur Borges. Xana Gallo traz a música ao vivo, centrada precisamente no poeta da bênção e da paixão.

A psiquiatra Catherine Lapolli falará sobre a vida e obra de Vinícius. Em 2010 ela escreveu um artigo psicanalítico e proferiu palestra sobre o autor (v. a nota Vinícius ao Som de Freud). Sobre o escritor-cantor, pode ser visto na internet o documentário completo Vinicius, de 2h de duração.

Os coordenadores do Projeto Sarau Poético BPP – que está por iniciar seu quarto ano – são Daniela Pires de Castro, Getúlio Matos, Mara Agripina Ferreira e Pedro Moacyr Pérez da Silveira. Todos os encontros têm entrada franca ao público.

O Sarau do Poetinha é na terça 30 de abril, das 19h30 às 22h, no salão térreo da BPP. No final, os presentes também podem inscrever-se para uma declamação.

No vídeo abaixo, escute o "Monólogo de Orfeu" na voz do autor carioca, em gravação de 1968, realizada em casa de Amália Rodrigues (CD Amália-Vinicius).

Betty Blue, diário de um fracasso


"Betty Blue", de Jean-Jacques Beineix, é o filme desta sexta (26) no ciclo "A Filosofia e o Cinema Existencial", iniciado em 15 de março.

A obra é de 1986, e seu roteiro se baseia no livro de Philippe Djian "37,2 de manhã" (temperatura de uma mulher grávida ao despertar). Os atores são Jean-Hugues Anglade como Zorg e Béatrice Dalle como Betty. Todos são franceses, assim como a produção e as locações.

O autor do livro diz que pensava num personagem único com um lado masculino e outro feminino, enquanto o filme descreve dois personagens bem distintos, um casal de namorados que parece concordar em tudo (v. citação em inglês). O que mantém o fator subjetivo no filme é o narrador homem em primeira pessoa, em forma de diário de vida.

Como reflexão sobre o casamento, o relato mostra como uma bela relação amorosa se transforma em tragédia, a medida que aparecem os distúrbios comportamentais sem controle. Não bastaria a concordância interna; também se requer a adaptação a códigos sociais. Como pura introspecção individual, a história quer mostrar como o ser humano descobre a loucura dentro de si mesmo e tenta eliminá-la por não saber como integrá-la à sua vida. Às vezes os instintos de morte podem ser canalizados e sublimados; às vezes devem ser contidos e proibidos.

Betty e Zorg: bondade e maldade não sobrevivem juntas.
Apesar de ser totalmente francês, o filme tenta parecer um road movie norte-americano, com elementos universais e outros dos Estados Unidos dos anos 80, mas não deixa de ser europeu no conteúdo (abstrato e trágico). Veja abaixo um trecho, onde se ouve a música minimalista new age de Gabriel Yared, autor de conhecidas trilhas sonoras (O Paciente Inglês, O Amante, Cidade dos Anjos).

Até dezembro deste ano, a série de debates no Centro de Integração do Mercosul se centra no tema filosófico "o homem a sós ante si mesmo". Os ciclos prévios analisaram conteúdos políticos (2010), religiosos (2011) e psicológicos (2012).

A intenção deste Ciclo é radicalizar a abordagem do homem-no-mundo para além da política, da religião e da psicologia. "Trata-se, agora, do valor e do sentido da existência, das vivências que imprimem singularidade e autenticidade, da finitude humana, bem como dos caminhos para romper com a solidão existencial", informa o prof. Luís Rubira, coordenador do projeto de extensão do Dep. de Filosofia da UFPel (v. programação 2013).
Imagens da web


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Perguntas que Neruda não fez

Aquele que vê o mar por primeira vez... 
o que está vendo realmente?

Como seria o mundo se a lua
irrompesse no lugar do sol?

Onde perdi parte de
mim que o poema achou?

O sol dissolve no chão favos de mel
para atrair a abelha rainha?

À noite sonhamos
ou brincamos de morrer?

A andorinha solitária que fez verão
tem ninho assegurado no outono?

Os pés não se cansam de andar
quando a vontade é de voar?

O que pode ser mais ingênuo
que sonhar de olhos abertos?


O que revela a raiz da árvore à terra que a protege?
Os caminhos que conduzem a Deus são os mesmos do arco-íris?
Por que sonhar grandes sonhos, e desprezar os pequenos que se realizam?
A chuva chora de tristeza ou quer apenas regar a terra?

Quantos pingos tem a chuva?
Haverá mais estrelas no céu?
A felicidade das nuvens será a mesma da chuva?
Por que os dias sombrios não roubam as cores do arco-íris?

O silêncio que se ouve na natureza é o som de Deus ao dormir?
É um condor que voa no azul do céu ou negra nuvem a sonhar?
A verdade sobreviverá se as mentiras morrerem?
Que lembrança terá a chuva da nuvem onde foi gerada?

Para quem brilham as estrelas quando brincamos de morrer?
O que mata mais: o tédio ou o canto da sereia?
O velho que dorme de olhos abertos é um menino soltando pipa?
Dentre todas as solidões a da alma doente é a mais nociva?

O amor do poeta pelos versos é o mesmo da flor pela brisa?
Há mais perguntas a serem feitas que respostas a serem dadas?
Que diálogo existirá entre a luz e a sombra?
No vácuo entre o silêncio e o som irrompe a semente da música?


Quanto dura um rinoceronte depois de ser enternecido?  (Livro das Perguntas)

Manoel Soares Magalhães homenageia Pablo Neruda (1904-1973) escrevendo um segundo Livro das Perguntas, seguindo o estilo do poeta chileno. O original em espanhol foi publicado postumamente, em 1974. 

O escritor e artista plástico pelotense vem publicando as perguntas no blogue Cultive Ler desde junho de 2012. Todas as desta postagem são de autoria dele, exceto as das imagens; a do mar (1ª imagem acima) é minha, autor deste post; a do rinoceronte e a da rosa (abaixo) são de Neruda. 

Os epigramas interrogativos são frases tão concisas que o leitor não chega a perceber se se trata de prosa ou verso. A brevidade e o sabor sonoro exigem uma leitura vagarosa e em voz alta, como o versículo final de um salmo. 


Veja no blogue de Soledad Cifuentes algumas perguntas de Neruda, traduzidas e desenhadas, e na página Libro de las Preguntas alguns trechos originais.

Imagens: Garatujas fantásticasRecreio e Eu e meu chapéu

terça-feira, 23 de abril de 2013

Luísa Almeida Lopes, jovem compositora pelotense


Aos 20 anos, Luísa Almeida Lopes é estudante de piano, compõe música para seu instrumento e cursa Psicologia na UCPel. A música sempre esteve presente em sua casa e em sua vida; seus pais são músicos e inclusive se conheceram num concurso musical. Mas foi somente aos 17 anos que seu talento se manifestou, quando, ao achar um teclado em casa, já saiu tocando de ouvido e compondo melodias próprias.

Depois disso, a jovem se apaixonou e não parou mais. Buscou aulas de piano, frequentou recitais e desde 2011 estuda com o professor Júlio Machado, da Piano Class.

Luísa ainda não estudou composição como disciplina, mas sua capacidade criativa não para de brotar, pois já compôs 14 músicas. Sua preferida ela batizou precisamente com o nome de "Favorita", a conferir no seguinte vídeo (gravação ao vivo no XVI Piano Class in Concert, em 11 de julho de 2012, num Piano Yamaha GC-1, na sala da escola Piano Class).

sábado, 20 de abril de 2013

Central de Conciliação e Mediação recebe obras do MAPP

Sala de atendimento da Central de Conciliação e Mediação da Comarca de Pelotas
Sete telas das artistas Elenise de Lamare, Leniza Coelho, Maria Cristina Leonardo, Graça Antunes e Paula Battipaglia estiveram expostas de 20 de fevereiro a 3 de abril no Espaço de Arte da Central de Conciliação e Mediação, localizada na sala 706 do Fórum de Pelotas.

A sala de atendimento da Central se transformou numa galeria de arte e se fez mais ampla e mais acolhedora para seus frequentadores. A inauguração do Espaço de Arte será na próxima sexta-feira (26), com presença de autoridades e de alguns artistas.

Detalhe de "Rosa" , de Graça Antunes,
PVA sobre tela com colagem, 60x30cm
A parceria com o MAPP (Movimento dos Artistas Plásticos de Pelotas) começou em dezembro de 2012, por proposta do Juiz de Direito Marcelo Malizia Cabral, Coordenador da Central de Conciliação e Mediação da Comarca de Pelotas.

Cada exposição está durando de quatro a seis semanas, e atualmente pode ser vista a terceira mostra, que irá até 2 de maio, com obras de Arlinda Nunes, Grupo Superfície, Maria Medeiros, Olga Halfen e Tânia Bellora. A visitação está aberta ao público em geral.

Os objetivos principais do projeto parecem ser a humanização do lugar de trabalho e contribuir à pacificação dos espíritos desde que as pessoas chegam à Central. A arte transforma os lugares sociais e as atitudes das pessoas dentro deles.

Como a ideia está dando certo, não se descarta que este Espaço de Arte se amplie ou se multiplique em outras salas do Foro de Pelotas. Uma das possibilidades é que utilize o lugar de espera ante os elevadores, que inclui também amplas e iluminadas janelas com vista do sétimo pavimento para a avenida Ferreira Viana e o novo Shopping Pelotas.

Detalhe da obra de Paula Battipaglia,
acrílica sobre madeira, 50x77cm
A Central de Conciliação e Mediação foi criada pela Resolução n.º 872/2011 do Conselho da Magistratura, órgão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e instalada em 1 de julho de 2011. Seus objetivos são promover a solução de conflitos por meio de conciliação e mediação, bem como educar para a cultura da paz.

Para tanto, os juízes podem encaminhar à Central os interessados numa solução amigável ao conflito com a participação de um facilitador – o conciliador ou o mediador. A via de chegada pode ser por iniciativa dos juízes ou por solicitação dos interessados (leia a nota Forum de Pelotas investe em conciliação).

Em novembro de 2012, seis conciliadores da Central realizaram palestras para 173 crianças na escola municipal Dona Maria Antônia, do bairro Três Vendas, dentro da Campanha de Educação para a Paz, com o lema "Conversando a Gente se Entende" e temas como tolerância, direitos e deveres, bullying e construção da paz (v. nota no Flickr do CNJ).
Fotos: F. A. Vidal

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Os Bacharéis, opereta pelotense de 1894

Instituto João Simões Lopes Neto foi criado em 1999.
Sua casa foi inaugurada em 9 de dezembro de 2005.
A comédia opereta “Os Bacharéis” – com música de Manuel Acosta y Olivera, sobre o libreto de João Simões Lopes Neto e José Gomes Mendes – foi “reestreada” ante uma plateia de convidados na sexta-feira 9 de dezembro de 2005, no Teatro Sete de Abril, mesmo cenário da estreia (v. reportagem do Diário Popular Os Bacharéis continua atual). A apresentação anterior havia sido em 1914, e a motivação central do grande esforço (de pesquisa e de interpretação artística) foi abrilhantar a inauguração, naquele dia, da Casa do Instituto João Simões Lopes Neto.

Não foi meramente uma nova apresentação, mas uma reconstrução de toda a obra, fruto do trabalho esmerado de especialistas do Conservatório de Música da UFPel. Como só se dispunha do texto escrito e de algumas partituras para piano, houve que fazer uma reconstituição, encaixando as falas com as melodias, e uma orquestração de acordo com a original e no estilo da música que se usava nos teatros. Foram assim recuperadas 13 peças dentro da obra completa de 20 canções. Por outro lado, o texto também foi abreviado, para ficar na duração de 90 minutos, sem intervalo.

Se hoje já não é fácil constituir orquestras em Pelotas, em 1894 – sem um Conservatório de Música – deve ter sido uma proeza para o maestro uruguaio Manuel Acosta compor, reger e promover o trabalho orquestral desta obra, além de outras que fazia. Naquele ano, o sucesso de “Os Bacharéis” foi tal, que houve até um convite para levá-la ao Rio de Janeiro.

A esta reestreia que muito honrou Pelotas assistiram altas autoridades estaduais, municipais e do Conservatório, além de artistas como Tarcísio Filho, descendente de pelotenses, e a atriz Carmen Silva, nossa conterrânea. O Sete de Abril não cabia em si de tão orgulhoso; dezenas de cadeiras extras foram necessárias, nos corredores laterais. O público sorria, surpreendido por delicados detalhes – como o programa, por exemplo: um livrinho de 88 páginas, trazendo artigos, documentos gráficos e o libreto completo.
"Os Bacharéis" no Sete de Abril, dezembro de 2005
A história se centra em Pombinho e Caricina, dois jovens que são impedidos de casar, por arte de um bacharel, apaixonado pela moça. A razão aduzida pelo advogado é um enredo de parentescos, abrindo-se então um leque de motivos para satirizar os costumes da época, que ainda são da nossa: a fofoca e a hipocrisia, a malandragem de políticos, a relação de domínio entre marido e mulher, a Igreja “em cima do muro” etc. Passam os anos, Pombinho estuda Direito e termina descobrindo, como “doutor”, que não havia impedimento legal para casar... Que retrato do nosso Brasil!

A linguagem original, cheia de rimas e trocadilhos, foi conservada em grande parte mas se compreendia bem, especialmente com a excelente pronúncia e projeção vocal dos atores, todos gaúchos, dirigidos por Elcio Rossini, que também se ocupou da cenografia e da adaptação do texto. Quando surgia alguma palavra desusada, a expressão cênica, vocal e gestual, muito bem pensada, ajudava a entender e a se identificar com as personagens.

Também pareceu adequado que os atores não fossem cantores líricos, por tratar-se de música ligeira, com o sentido de aproximar ao espectador a mensagem do texto. Daí o seu sucesso tão grande, ontem e sempre.

O maestro Cláudio Ribeiro, que também domina bem a expressão cênica, foi a batuta firme que manteve a agilidade e o interesse em todo momento, conduzindo a sintonia dos doze atores no palco com os dezenove músicos no fosso, imprimindo graça, solenidade ou malícia às mazurcas, valsas, marchas, tango e outros ritmos.

Esperamos que todos os apoios institucionais e os talentos pessoais que temos em Pelotas e no Rio Grande do Sul nos sigam proporcionando joias como esta versão d'Os Bacharéis e o orgulho de ser gaúchos e pelotenses!
Fotos: UFPel (1),  M. Vasconcellos (2)

Pelos artistas da terra!

Vitrine da Pompeia homenageou doceiras e FENADOCE.
O tema da Feira em 2001 foi a cultura gaúcha (v. nota).
Com o título acima, o Diário Popular publicou, nos Instantâneos de 22 de junho de 2001, um texto de Luíza Ferrugem, transcrito abaixo. 

Era o último fim de semana da 9ª Feira Nacional do Doce, uma das primeiras a ser organizada pela CDL, num antigo pavilhão da CICASUL, e já com frequência anual. 

Doze anos depois, o mesmo comentário da leitora vale para a 21ª FENADOCE, que promete 5 "shows nacionais", modo de referir-se às atrações musicais mais caras, de fora do Estado. Os artistas locais não despertam a mesma atração no grande público. A diferença pode estar na inversão em marketing.


Fico impressionada com as pessoas que parece que necessitam de espetáculos nacionais para valorizar um evento como a FENADOCE.

Quantas vezes, no Carnaval da Bahia, em trios elétricos os artistas não são baianos? Quantas vezes, no sambódromo, ouvimos baterias de escolas sem cariocas?

Mas, em Pelotas, queremos assistir somente shows nacionais. Cheguei a ouvir comentários do tipo: "Ah! Este ano não vai ter graça. Não tem nenhum show grande!"

O que seria um show grande? Além de ser de grande qualidade musical, ter poetas reconhecidos, músicos da maior qualidade e que são da nossa terra. Isso não os desvaloriza, até porque tentam - ainda que com pouco apoio - engrandecer o nosso Rio Grande do Sul.

Se não dermos valor ao que é nosso, não teremos jamais idéia da grandeza de um evento que vem crescendo e que, por competência e consciência dos organizadores, não será mais um castelo de areia que se desmanchará ao primeiro temporal.
Luíza Ferrugem
junho 2001

POST DATA 19-4-13
A FENADOCE anuncia cerca de 200 apresentações com artistas da região, muitas das quais são de música nativista.
Atrações nacionais deste ano (ouça música nos links abaixo):
1 junho Só Pra Contrariar, pagode mineiro
7 junho Oba Oba Samba House, pagode paulista
junho Lulu Santos, pop-rock carioca
15 junho Sambô, samba-rock paulista
16 junho Guri de Uruguaiana, humorista gaúcho

terça-feira, 16 de abril de 2013

A arte desde um olhar geométrico (e natural)

Esta quinta-feira (18), às 19h, a galeria de arte JM. Moraes inaugura a exposição "A arte sob um olhar geométrico", de Deborah Blank Mirenda, artista natural de Erechim que mora em Pelotas há muitos anos.

Graduada em Artes Plásticas e Pedagogia, e pós-graduada em Orientação Educacional e Arte-Educação, hoje Deborah dedica-se em tempo integral a seu ateliê.

Tem participado em mostras individuais e coletivas; uma das últimas foi em 2012, no Corredor Arte, junto à irmã Esther Blank, quando expôs trabalhos geométricos (v. nota).

Segundo o texto de divulgação, o português João Aires é o curador da mostra. Ele declarou que a artista "projeta na tela seu cotidiano através de pinceladas sutis e uma imensidão de cores". Falando como crítico de arte, ele percebe uma ligação entre a arte de Deborah, que desabrocha segundo os ciclos da natureza, e o "tempo das plantas que a rodeiam, onde existe o tempo de plantar, de crescer e de florescer".


É verdade que a artista introduz alguns traços geométricos em suas pinturas, como sugere o título da exposição, mas a tonalidade viva das flores e outros seres naturais de Deborah transmitem puro sentimento.

Quadrados, círculos e triângulos estão aqui e ali, como se fossem flores especiais, em meio a várias outras. De fato, a composição visual dos quadros lembra um jardim, cheio de elementos diversificados e superpostos, sem um ordenamento claro.

As cores das plantas lembram frutas e caramelos, e a simplicidade dos traços também remete à infância, despertando sabores, saudades e sensações quentes e frias. Num clima quase mágico, ora se vê a criança que começa a expressar-se, ora se pressente a mulher madura ao resgate da menina interna.

Não parece tratar-se, portanto, de um olhar geométrico e, sim, de uma visão naíve que inclui ingredientes geometrizados. Tal inesperada variedade prende o espectador pelo lado racional e pelo infantil, enriquecendo também o conceito "naíve", entendido habitualmente como expressão de ingenuidade e primitivismo. O jardim de Deborah pode ser visitado até a sexta 11 de maio no Ágape, Espaço de Arte (Anchieta 4480).

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Cultura e periferia, tão longe e tão perto

A cultura se espalha como a população, mas o capitalismo econômico pretende concentrá-la nas capitais.

peraí ... periférico ???
necessário ... inédito

iniciado ... em torno do térreo
necessitamos do mérito

centro ... e seu inverso
ocupando ... em torno ocupado

façamos um acordo
atualmente não existe parâmetro

minha linha dividida/divisória
... meu espaço
digo-te ... centro da existência

tua presença ... não diz-me mais nada

a vida leva/lava ...


São Paulo é centro urbano, comercial e industrial, mas a cultura é criada em toda parte.

É considerado periferia tudo o que está ao redor dos centros produtivos. Periférico, utilizado no sentido pejorativo, indica distância da efervescência/abundância.

Distanciamento implica menos acessos ... menos produção. Não pertencer ao meio, ou dele estar à margem. Ir/estar margeando a linha invisível da produção.

Mas se entendermos que a cultura não tem uma única raiz, então estes conceitos evaporam no ar/somem.

Todos os grandes centros produzem mais, por serem maiores. Excesso de produção/produtividade não implica em maior qualidade. O entorno tem suas regras próprias e formas de produção adequadas às suas necessidades específicas.

Estar nos arredores nos torna mais focados nas necessidades cotidianas, aliando a isso nossa cultura de imprimirmos nosso jeito no que fazemos.

Exposição de fotos, vídeos e objetos criados em periferias mostra a inventividade do brasileiro.

Ao conhecer outros ares, noto que, mesmo tímida, nossa cultura pelotense é forte e articulada. Mesmo longe dos grandes centros, produzimos/criamos cultura de qualidade.

Há poucos dias fui à exposição Design da Periferia no Pavilhão das Culturas Brasileiras, localizado dentro do Parque Ibirapuera, cidade de São Paulo. O parque por si só já é uma obra ao ar livre e dentro do pavilhão vi um pouco da brasilidade, do “jeitinho brasileiro” de criar, adequando-se às particularidades/necessidades/hábitos (v. nota com fotos).

Com imenso bom gosto e ótima seleção, foram montadas várias peças cotidianas/ regionais sobre blocos de concreto azul-escuro; estes representando/sintetizando as moradias populares, comuns ao longo do nosso extenso país. A exposição tem curadoria de Adélia Borges, figura presente/citada nas aulas de Design que frequentei na UFPel.

Aos viajantes/turistas que percorrem o nosso país fica a dica. A exposição estará aberta até 29 de julho, aqui em São Paulo.
Nathanael Anasttacio (SP, SP)
Fotos: Prefeitura SP (1), N. Anasttacio (2-3)

domingo, 14 de abril de 2013

Os mestres e a mística do Ginásio Pelotense

Segundo prédio do Ginásio Pelotense, utilizado desde 1903 até 1961 (foto anterior a 1912)

Colégio Municipal Pelotense foi fundado em 24 de outubro de 1902 pela Loja Maçônica Antunes Ribas, com o nome de Ginásio Pelotense. As aulas começaram em 1903, no casarão da rua Miguel Barcelos nº 563; ante o aumento das matrículas, a escola mudou-se, no mesmo ano, para o imponente palacete da Félix da Cunha nº 520 esquina Tiradentes, que já existia desde 1835 e segue de pé (hoje em uso pela UFPel). Municipalizado na década de 1920, o Pelotense recebeu denominação de Colégio em 1943. Permaneceu nesta sede por 58 anos, até 1961 (v. histórico escrito em 2001). 

O artigo Os professores como um diferencial competitivo, de Neves, Amaral e Tambara, realizou um mapeamento de professores do ensino privado em Pelotas no período 1875-1910 (Cadernos de História da Educação, vol. 11, nº 1, 2012, p. 165-188).

O ex-gato-pelado Rubens Amador não perdeu contato com sua turma do Ginásio egressa em 1946, e recorda os nomes dos professores que ajudaram a fazer a boa fama intelectual do Colégio. O texto abaixo compila recordações feitas por ele em artigos no Diário Popular, Diário da Manhã e Amigos de Pelotas. Veja outros dados históricos no post Figura do Gato-Pelado foi criada por Aldyr Schlee.


O Ginásio Pelotense que cursei
Um velho colega do então chamado “Gymnasio Pelotense” perguntou-me se eu não estava exagerando, quando lhe comentei, no café, que o nosso Pelotense era considerado uma das escolas de maior prestígio no País. Naquele tempo nós achávamos que só o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, famoso por seu corpo docente, se igualava ao velho Pelotense. Logo lhe perguntei se ele se lembrava dos nossos mestres naqueles distantes dias, e lhe refresquei a memória com um desfile de alguns dos professores que tivemos.

Nosso professor de Português era o grande Francisco de Paula Alves da Fonseca, inesquecível por sua didática. O nome Paula Alves é uma legenda no ensino do nosso idioma. Na matemática, seu irmão, o marcante professor Joaquim Alves da Fonseca, talento raro para ensinar. Ambos, exímios nas suas matérias.

Quem nos ensinava Francês era um parisiense, o Dr. Jules Delanoy, engenheiro civil. Até hoje lembro como nos fazia repetir exaustiva e frequentemente: “In” em francês faz “Am”; “O-U” em francês faz U; na terminação E-T, o T é sempre mudo. E assim por diante.
Pintura do palacete Ribas nos anos 40, de autor desconhecido
No Inglês tivemos o professor Adolfo Souza, que trabalhara por 18 anos na Academia Militar de West Point, nos Estados Unidos. Era conhecido como Mister Souza, o brasileiro que falava inglês sem sotaque. Inclusive nosso professor de Educação Física era um suíço, chamado Roberto Müller. Outro estrangeiro era nosso professor de Canto Orfeônico, o maestro espanhol Valeriano Olivares, formado em Barcelona e autor de várias peças para piano.

No Latim, eram nossos mestres dois egressos da famosa Universidade de Coimbra: o Dr. Antônio Augusto Pinto, advogado português, que considerávamos homem da maior cultura, e, igualmente lusitano, Dr. Salvador Balreira, médico. No naipe brasileiro, o professor Felisberto Machado, que costumava falar em aula só em latim, explicando-nos os textos. O professor Machadinho, como o chamávamos, também era notável latinista.

Profissional de grande conhecimento técnico, o professor de Desenho, Dr. Benjamim Gastal, possuía curso em Seattle, nos Estados Unidos, aonde foi se aperfeiçoar na matéria, e lá esteve por um ano. Nos ensinou tudo sobre as colunas gregas, fazendo-nos desenhá-las. Nosso professor de Geografia era o Dr. João Mendonça, advogado, que tinha todos os mapas, com minúcias, em sua cabeça.

Havia ainda um mestre, professor Gregório Romeu Iruzun, advogado que servira na Marinha Mercante Britânica, na qual viajou pelo mundo, por vários anos. Nós o chamávamos carinhosamente de “Coringa”, porque, toda vez que faltava um professor, ele assumia seu lugar onde parara seu colega, na matéria que fosse: inglês, francês, história do Brasil ou universal, latim, ciências, geografia, português. Como poliglota que era, ensinou-nos que o habitante de Cádiz, na Espanha, é uma exceção; diz-se "gaditano".

Depois, no Curso Científico [Ensino Médio] encontrávamos, na matéria de Química, o Dr. Ceslau Maria Biezanko, cientista polonês que figura nos compêndios de entomologia por ter descoberto um inseto único, aqui no Rio Grande do Sul, que leva o nome científico de “Biezankóia Brasiliensis”, em homenagem a seu descobridor.
O Colégio Salis Goulart funcionou neste prédio por cerca de 40 anos.
Lembro ainda do Dr. Vicente Russomano, advogado, que lecionava História, homem de vasta cultura. Outro advogado que nos dava aulas de História era o Dr. Apody de Oliveira, grande conhecedor da matéria.

Em Ciências, dois então jovens, de vocações natas para o magistério, o doutor Francisco Louzada Alves da Fonseca e o doutor Afonso Motta da Costa, os mais recentemente falecidos desta lista de docentes de um período dourado da história do hoje Colégio Municipal Pelotense.

É com emoção e gratidão que evoco os nomes desses homens notáveis – médicos, advogados, engenheiros, músicos – que, embora fossem formados em áreas bem diversas, que não a pedagogia, achavam um tempo – dentro de suas profissões, que exerciam também – para serem professores por vocação, porque amavam a arte de ensinar.

O professor é como uma composição ferroviária: é preciso que passe, para que se tenha uma noção da sua grandeza! Com seus carismas e talentos intelectuais, esses mestres imprimiram ao nosso educandário uma marca registrada que se mantém viva até hoje! O que gera a mística em uma escola é sempre seu passado de glórias e a lembrança dos mestres inesquecíveis, por sua bondade e saber.

A mística do Pelotense atravessou os anos e, ainda hoje, continua viva naquela casa, atualmente na rua Marcílio Dias. Os professores de hoje por certo serão lembrados também, pelo amor com que ensinam aos seus alunos e por sua competência, quando o futuro chegar...Com isto desejo prestar homenagem aos professores e à direção de hoje, que receberam o bastão, no revezamento histórico do Pelotense e têm se saído tão bem.

Do Pelotense de que falo saíram grandes cabeças, conterrâneos que se destacaram nacionalmente pelos cargos importantes que exerceram, ou pelos livros reconhecidos que escreveram, nomes incorporados à história de uma Pelotas que sempre se destacou pela sua cultura. Esses vultos todos sintetizo no destacado nome do Dr. Mozart Victor Russomano, um antigo Gato Pelado, que teve como seus mestres no Velho Pelotense todos esses nomes que citei acima – segundo confirmou-me ele, em inesquecível conversa que entretivemos pouco antes de sua morte.

Os remanescentes da turma do Ginásio de 1946 já firmaram um pacto: o último, haverá de comparecer, de smoking, num derradeiro 24 de outubro, em um restaurante fino e – em silêncio – deverá beber uma taça de champagne relembrando em seu íntimo a cada um dos colegas que se foram, dos mestres e do Gymnasio Pelotense, sem dúvida o templo da mística, para nós.
Rubens Amador


O ex-gato-pelado José Duarte Bacchieri (1925-2005) passou a juventude em Pelotas, dos 9 aos 22 anos de idade. Começou sua carreira no Diário Popular e na Rádio Pelotense, foi vereador em nossa cidade (1952-1955), vindo a destacar-se em Porto Alegre como político, jornalista, empresário e historiador (v. uma biografia). No vídeo abaixo, trecho de entrevista com Flávio Alcaraz Gomes em 2004, em que menciona alguns dos professores do Ginásio Pelotense na década de 1940.


Fotos da web

sábado, 13 de abril de 2013

Por uma SECULT estimulante e participativa

Movimento Vigília Cultural

Há três anos, Eduardo Leite era, entre os vereadores pelotenses, o mais interessado pela área cultural. Na época, o blogue Amigos de Pelotas abriu uma coluna política semanal para ele e para um vereador do PT, que optou por não participar. Hoje esses textos não estão mais disponíveis na internet.

Em 9 de outubro de 2009, Leite assinou um artigo exclusivo para o Amigos, referindo-se a uma política cultural de Pelotas. Naquele momento, a reestruturação das secretarias municipais considerava a aglutinação da SECULT com outros setores administrativos, como o Turismo (o que não ocorreu, graças à manifestação comunitária, ao movimento Vigília Cultural e ao apoio desse vereador)

Considerando a atualidade de seu conteúdo, neste início de seu período como prefeito, reproduzo o artigo, incluindo 14 dos 20 comentários dos leitores (o último deles profetizou a ascensão de Eduardo ao poder executivo).


Pelotas Cultural

Permitam-me a comparação: uma Secretaria Municipal de Cultura está para Pelotas como deve estar uma Secretaria da Indústria para São Paulo.

Trata-se, como quero expressar, de imperativos dos fatos. Pelotas é uma cidade de brilhante tradição cultural. Houve tempo, inclusive, que chegou a ser o mais importante centro artístico do Rio Grande do Sul. Há registros de que o palco do Teatro Sete de Abril acolheu os mais destacados corpos cênicos do país, que preferiam a plateia pelotense à da própria capital do estado. Sabe-se, também, que Pelotas era incluída no circuito de apresentação de grupos operísticos que provinham de Montevidéu ou de Buenos Aires.

Diversas iniciativas pioneiras aqui tiveram lugar: o Conservatório de Música Municipal, a Escola de Belas Artes, a Biblioteca Pública, o Teatro Escola, a Orquestra Sinfônica, o Ballet de Pelotas, faculdades, clubes carnavalescos, centros de cultura negra e tantas outras, que souberam extrair do apogeu econômico da cidade os meios financeiros para cultivar e difundir o gosto pelas manifestações culturais.

Tholl, Imagem e Sonho
Hoje, quando a pujança econômica do Município não é mais a mesma, vemos registros físicos daquela época nas casas de espetáculo que ainda são mantidas, nas escolas de formação de artistas que foram incorporadas à Universidade Federal, na imponência da Bibliotheca, no casario neoclássico no entorno da Praça Coronel Pedro Osório, no Grande Hotel, entre outros.

A recuperação física de prédios que se constituem em monumentos à memória da riqueza econômica e cultural de Pelotas é, obviamente, uma tarefa meritória a que muitos particulares, a Prefeitura e a Universidade Federal têm se dedicado.

Não é tudo, porém. Não se pode pensar que a isto se resuma a tarefa de revivescer culturalmente a cidade de Pelotas. Há muito mais a fazer e há muito mais a esperar.

Louvando o que já tem sido feito, penso que haja muito a fazer e muito a esperar, ainda, das autoridades públicas, particularmente em um momento tão especial, quando, orgulhosamente, os pelotenses têm podido exibir ao estado e ao país algumas manifestações artísticas de primeira grandeza, como as que se revelam nas apresentações do Grupo Tholl, do coral e da orquestra da Sociedade Música pela Música, dos grupos de ballet, e de outros.

A nossa rica arquitetura, que tem sido prestigiada por volumosos investimentos em restauração, cria uma atmosfera charmosa e se constitui no grande cenário de um espetáculo, o qual é promovido pelos talentosos artistas que possuímos

Sem eles, o cenário torna-se frio e vazio. Uma política cultural dinâmica, com objetivos claros e duradoura, é fundamental.

Assim, a existência em Pelotas de uma Secretaria de Cultura atuante, incentivadora, apoiadora, aglutinadora, participativa é, sim, um instrumento indispensável para que se possa extrair a maior potencialidade das iniciativas que se têm manifestado de forma tão positiva no mundo artístico e cultural da cidade. Não contar com ela seria o mesmo que abdicar definitivamente de um passado que enche a todos nós de orgulho e que deve servir de inspiração para nossas ações atuais e futuras.

Eduardo Leite
Bacharel em Direito e vereador (PSDB)


Leite visitou o teatro fechado por Fetter, 14 dias após assumir (foto ZH).

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Paisagens/Passagens de Camila Hein

Trilha, trilhos, ponte, metáforas da vida pela qual passamos. A paisagem é que fica.

A artista Camila Hein criou a série de fotografias "Paisagens/Passagens", em exposição até 24 de abril no Espaço Arte Chico Madrid, da Sociedade Científica Sigmund Freud. Licenciada em Artes Visuais pela UFPel, Camila já expôs em salões e galerias de Pelotas, Porto Alegre, Montenegro e Belém. Em 2012, ganhou menção honrosa no III Prêmio Artes Visuais João Simões Lopes Neto.

Sua produção artística começou, há anos, com trabalhos em caráter intimista, usando objetos e materiais diversos, e agora ela explora a fotografia como forma de expressão pessoal, de registro da realidade e de criação artística. O material faz parte do acervo pessoal da artista, e foi colecionado nos últimos três anos, a maioria registros na região de Pelotas.

Nesta sua primeira exposição de fotografias, Camila propõe algumas experimentações formais com as imagens, juntando duas ou três delas, efeito que causa uma nova percepção, na vizinhança entre elas e relacionando-as com os conceitos de Paisagem e Passagem.

Surgem, assim, múltiplas leituras de um conjunto ou colagem fotográfica, cada uma delas sendo e contendo ao mesmo tempo paisagem e passagem. O espectador é levado sutilmente pela Paisagem/Passagem a uma viagem visual e a uma reflexão íntima.

A frase "Mude sua paisagem" faz os dois conceitos dialogarem: o passar e o ficar, o imóvel e o passageiro. Aí a linguagem é mais próxima à publicidade, interpelando diretamente o consumidor (veja isto, compre esta ideia, saia da cadeira, mude o imutável).

Sapatos são meio de passagem, como os pneus representam o caminho de um veículo. Mas colocados como parte de uma paisagem, eles se convertem em metáfora do ser humano, esse caminhante eterno que não tem onde jogar seus ossos.


Uma Paisagem pode conter trilhas a escala humana e trilhos ferroviários de longa distância, o que sugere transporte pelo espaço. É o caso da primeira foto acima, que mostra um caminho de ferro paralelo a uma ponte (sinônimo e metáfora de Passagem).

Por outro lado, a Paisagem pode ser uma descrição geográfica, o que convida a identificar-nos com elementos da natureza, como fazia Oscar Niemeyer quando via nas montanhas um desenho de curvas femininas feito por Deus à beira-mar. Nesse caso a Passagem fica assimilada ao espectador, que passa seus olhos pela imagem, ou ao fotógrafo, que passa pela paisagem.

A exposição foi prorrogada até 24 de abril (inicialmente ficaria até dia 2) na sede da Sociedade Sigmund Freud (Rua Princesa Isabel, 280 conj. 302), em horário comercial. Algumas obras se encontram à venda (informações 3225 2489). A seguinte reflexão em versos faz parte da exposição preparada pela artista, com curadoria do Coordenador Cultural da Sociedade, Dr. Eduardo Devens.


Camila Hein
o que é paisagem...
paisagem como passagem...
paisagens são recortes de lugares por onde passamos...
a passagem das coisas e de nós pelas coisas...
junções... fusões...

passagem dos barcos... paisagens...
passagem das janelas... paisagens...
passagem... abertura...
passagem pra outros lugares/mundos

paisagens internas... passagens...
paisagens que se conectam em nós... passagens...

paisagem é uma percepção, uma leitura de mundo
a percepção é uma passagem pra outra forma de ver
há mesclas de paisagens
compramos passagens em busca de outras paisagens
a passagem é possibilidade de conexão
de encontro

"Sapatos", fotografia digital em papel, 30x40cm
Imagens: Facebook

POST DATA
13-04-13
Manoel Magalhães publicou hoje um poema sobre esta questão: Esboço para uma teoria do tempo.