segunda-feira, 31 de agosto de 2009

3 notícias e um silêncio para o mesmo fato

Os pelotenses conhecem bem suas universidades, que dão à cidade um claro aspecto juvenil e educacional, com vestibulares, trotes e formaturas o ano todo. Os sotaques que ouvimos em Pelotas são sempre mais de estudantes do norte do país do que de turistas que venham conhecer as praias, a zona colonial, os museus, os teatros, as charqueadas e os casarões do século XIX.

A Universidade Federal está fazendo 40 anos, e a Católica fará 50 em 2010, mas desde bem antes existiam aqui faculdades e escolas importantes, como o Conservatório de Música, a Escola de Direito, a Odonto, a Eliseu Maciel.

Conhecemos os reitores de cada uma: o da UFPel, escolhido por professores (o regulamento oficial ainda não inclui os estudantes), e o da UCPel, indicado por uma comissão e pelo Grande Chanceler.

Sabemos, pelos noticiários, que os dois governam territórios independentes e competitivos entre si. Como políticos, eles se cruzam em reuniões oficiais, ou aparecem tratando temas em conflito, como a quem toca administrar o pronto-socorro ou uma seção do hospital. Também os estudantes separam territórios, quando se identificam como da Leiga ou da Católica, diferenças que se acentuarão quando a Federal abrir novos cursos.

Não é comum, portanto, ver os dois reitores amistosamente conversando ou pensando projetos conjuntos. Por isso vale o registro para a reunião que eles tiveram na manhã de hoje (31). Quando empresários ou caudilhos de domínios separados se aproximam, interpreta-se uma conveniência mútua - nada novo nisso. Mas quero notar que hoje se encontraram duas linhas paralelas e as duas instituições deram a mesma notícia.

  • Reitores da UFPel e UCPel fortalecem relações institucionais - foi o festivo título dado pelo site da Federal, enfatizando a amizade e a união (leia a notícia). No conteúdo [reitor da UFPel recebeu a visita do reitor da UCPel], o redator marcou que o dono de casa era o reitor da Federal (sujeito da frase) e o visitante era o outro (reduzido a adjunto do objeto direto). Apesar dessa diferenciação, o texto ainda anunciou que um espetáculo musical festejaria conjuntamente as duas entidades.

  • Reitores da UCPel e da UFPel reúnem-se - foi a fria manchete no site da Universidade Católica. Aqui, os dois reitores são sujeitos gramaticais, com o detalhe de que o da UCPel é citado primeiro (leia a notícia). O texto é tão breve e a foto tão pequena, que parece feito somente para fazer constar um fato menor.
  • Reitores da UFPel e UCPel participam de reunião - foi o título dado pelo Diário Popular em seu portal, também com texto breve (leia a notícia) e sem foto. Nota-se que o jornal se baseou no texto da UFPel, mas retira o caráter de encontro exclusivo, somente entre os dois personagens. Erro de leitura, ou menosprezo?
  • O Amigos de Pelotas não mencionou o fato, o que equivale a considerá-lo irrelevante, mas já evidenciou suas críticas a ambos reitores, por oportunismo ou atos ilícitos.
Os dois personagens parecem tão bem-humorados que pedem uma leitura mais leve do que a solene imprensa pelotense está fazendo. As duas fotos que ilustram a notícia da UFPel admitem legendas jocosas e satíricas, como se nos convidassem a participar do show:

Olha como a minha casa cresce rápido!
Trabalho tanto que não preciso usar gravata.
Tudo isto é meu: tenho até vista para o mar. Meu próximo passo é reformar o Porto.
Se quiseres, podes te mudar para cá, e abro a Faculdade Católica da UFPel.
Fotos UFPel

Nesta esquina, pedestre não tem vez

O cruzamento das ruas Félix da Cunha e Lobo da Costa tinha uma sinaleira, até que foi feita uma reforma urbanística na quadra do Teatro Guarani, terminada em maio (veja o post).

Os carros chegavam à esquina provenientes do sul, leste e oeste, mas não era comum haver ali acidentes. A Prefeitura retirou, então, a sinaleira, mas apareceram problemas pelo excesso de veículos.

Dois meses depois, a medida oficial foi inverter o trânsito naquele trecho da Lobo da Costa, deixando-o centro-bairro (esq.), ao leste.

Agora os carros entram no cruzamento somente pelo sul e pelo oeste.

Os que vêm do sul, pela Félix da Cunha (dir.), sabem que a preferência é sua e não param, enquanto os que vêm saindo do circuito da Praça Osório percebem vários sinais de detenção.

Este sábado (29), um ciclista e um motoqueiro cruzaram-se rapidamente (dir.); se os dois tivessem a mesma velocidade, o choque teria sido feio.

Para não prejudicar totalmente os pedestres, foi colocada uma faixa branca tipo zebra. Os regulamentos definem que, em ausência de semáforo, a faixa do pedestre é parada obrigatória para todo veículo, mas na prática, ela fica como enfeite, ignorada pela visão e pela consciência dos motoristas.

Na primeira foto desta sequência (esq.), uma senhora espera pacientemente que os carros passem pela faixa preferencial, pintada ali expressamente para que ela não precise esperar. Aproximam-se quatro carros e, ainda a uma quadra de distância, uma moto, perceptível na imagem seguinte (dir.; clique para aumentar).

O veículo é uma arma, além de meio de transporte, e quem anda a pé fica intimidado e impotente; ao volante, o cidadão mais respeitoso esquece sua ética de respeito e age por instinto e automatismo. Cada um destes motoristas agiu de boa fé, fazendo o que sempre faz, o que todos fazem.

Somente após a passagem de Sua Majestade o motorista (esq.), pode o ser humano sentir-se à vontade no espaço urbano; afinal, ele sabe cuidar de sua segurança.
Fotos de F. A. Vidal

Escola de "Design" em "redesenho"

O prédio antigo da Escola de Belas Artes de Pelotas, batizado com o nome de sua benfeitora Carmen Trápaga Simões, mostrava esta sexta-feira (28) uma cara nova, já quase totalmente disposta a uma nova fase de funcionamento como sede universitária. Há dois meses, as obras estavam em andamento (veja o post).

A EBA foi fundada em 1949 e esteve anos em busca de uma sede permanente. Em 1960 a mudança estava pronta, para a antiga Escola de Agronomia, com apoio do Prefeito João Carlos Gastal, mas o Ministério da Agricultura impediu a ocupação, por ser um prédio federal (sendo que a Escola era particular). Paradoxalmente, a Escola passou a ser federal em 1969 (tomando o nome de Instituto de Artes) mas aquela sede, atrás da Prefeitura, já havia sido usada para outros fins.

Finalmente, em 1963 dona Carmen doa sua própria casa para este fim (herança da família Trápaga) e em 1967 a nova sede adota seu nome, passando anos depois a ser parte do patrimônio universitário (federal). A recuperação desta casa coincide com os 40 anos da Universidade e os 60 anos da Escola (veja um post no Amigos de Pelotas).

A placa na fachada (dir.) confirma o anunciado pelo reitor, no sentido de retomar o nome da Escola, ainda que as estruturas universitárias tenham mudado.

O barbarismo linguístico

Hoje a unidade da UFPel tem a denominação ultramoderna de Instituto de Artes e Design. Esta expressão híbrida é sintoma de como o inglês penetra nas culturas nacionais, especialmente onde o povo desconhece seu próprio idioma. O espanhol conserva diseño para referir-se aos dois conceitos, sem necessidade do estrangeirismo.

Para distinguir-se do simplório e antiquado "desenho", instaurou-se o "design". Até em Portugal se nota o fenômeno, incorporado pelo moderno IADE (Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing).

Ao mesmo tempo, o site do I.A.D. de Pelotas não se encontra em reformulação ou em redesenho, mas em redesign.

A pronúncia híbrida

Em inglês a pronúncia é di-záin, mas a fala gaúcha tem sua particularidade, resultando esta fantasia fonética: dê-záin.

E como fica o redesign? Em Pelotas e arredores: rê-dê-záin, mas o certo seria ri-di-záin (veja).

A língua inglesa também copia do latim, como nós do inglês, mas em nosso autodesconhecimento engolimos tudo o que vem do estrangeiro: palavra, significado e pronúncia.

Teste, copiado do inglês test, por sua vez foi tomado do latim teste, que significa "prova".
Mídia, copiado do inglês media, é puro latim (plural de medium, "meio").
Site, sinônimo de nosso "sítio", que se apoia no latim situ.
Premium, apelido comercial que nos chega com pronúncia inglesa (prí-miam), mais elegante que "Prêmio".
Em cada caso, a nova palavra já ganhou seu espaço e passou a ter novo significado.

O premium de nossa macaquice fica com o programa computacional Windows XP, que rejeita toda tradução, e não pode ser assimilado por quem não sabe inglês, mesmo com boa vontade. O produto comercial foi batizado com duas letras misteriosas para nós (XP, écs-pí) para relacioná-lo com uma nova experience (écs-pírians), a Experiência Windows, ou Sensação das Janelas.

Mas o brasileiro somente pode dizer xis-pê. Até porque confundimos experiência (sentimento) com experimento (ensaio). Esses produtos comerciais são de curta vida, mas o fenômeno da imitação sem razão seguirá vigente, enquanto não fizermos o redesign de nossa self experience.
Imagens: F. A. Vidal (1-2)

sábado, 29 de agosto de 2009

Mercadores e Prefeitura em prontidão

Nesta quarta-feira (26), o Mercado Público não abriu pela manhã. Comportando-se como proprietários, os locatários fecharam o negócio para atender de um assunto crucial: uma reunião na Câmara de Vereadores para pedir apoio do Legislativo ante as medidas anunciadas pelo Executivo.

Na terça, o Prefeito Fetter usou de sua autoridade e anunciou os procedimentos para reformar o prédio o mais rapidamente possível, sob pena de perder os 2 milhões obtidos pelo Programa Monumenta. O método seria deslocar todos os ocupantes das galerias internas para outros locais, durante 14 meses.
Na quinta (27) à noite, reuniram-se comerciantes, vereadores e prefeito. Todos concordavam com a restauração do velho Mercado, mas sem querer perder os direitos ganhos durante a ocupação (legal), mesmo alguns sem pagar os aluguéis (ilegal).
Desde terça-feira, o Amigos de Pelotas vem informando detalhes do caso, com muitos comentários de seus leitores (pesquise aqui). O blogue do Rubens não tinha abordado o tema com tanto entusiasmo; agora que explodiu, pode ver-se que favorece uma reforma do Mercado.
Já o Diário Popular não tem dado até agora maior importância ao assunto, talvez concentrado mais em seu aniversário (27), mas deverá ter uma atitude, neste assunto que lhe serve para marcar diferenças intrafamiliares.
Naquele dia em que o conflito deixou de ser latente e ganhou as ruas, as motos da Guarda Municipal ficaram toda a tarde diante do Mercado, como a testemunhar que a ordem estava sendo alterada (dia 26, acima). As guardas, como o nome diz, não são parte interessada mas resguardam a situação geral. Finalmente, não houve desordem e o Mercado reabriu pela tarde, mas ficou claro que há aqui um grupo em pé de guerra (no sentido mais amplo).
O prédio da Prefeitura (dia 27; dir.) parecia impor-se sobre o mais vetusto Mercado, como um administrador poderoso que deve fazer uma faxina sem tempo a perder.
Fotos de F. A. Vidal

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Segundo doutorado da UCPel também é em Letras

A Faculdade de Letras da Universidade Católica de Pelotas formou uma nova doutora na área, na segunda banca de doutorado formada em toda a história da UCPel. A notícia apareceu no site da Universidade dia 27 de julho (leia).

A nova pós-graduada, Dulce Cassol Tagliani (esq.), é professora de português (veja currículo) e trabalha na FURG. Ela estudou a importância do livro didático na sala de aula, especialmente o de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental: como ele é escolhido, como ele favorece as habilidades de leitura e escrita dos alunos, como o professor se apropria deste instrumento pedagógico.
A pesquisadora observou resistência e temores ante o uso pleno do livro, entre professores de português, e sugere encontros e discussões entre eles e a universidade, tendo em vista um uso mais amplo deste material de ensino.

Em termos linguísticos, o livro didático é considerado um Gênero Discursivo (multimidiático, até), o que pode explicar em parte por que algumas pessoas, mesmo com formação na área, não usam todas suas potencialidades - assim como muitas pessoas não usam o recurso SMS (Short Message Service, serviço de mensagens breves), o popular "torpedo de celular". O tema é tão polêmico como o uso dos meios audiovisuais na educação, resistido pela maioria dos antigos professores desde a aparição dos radiogravadores, da TV, do cinema.

O trabalho de Dulce denuncia que o problema é realmente mais antigo e as dificuldades ainda mais profundas, mas não explora soluções concretas. Também não problematiza os conteúdos dos livros, que a revista Época (dir.) questionou em outubro de 2007.

Um resumo da mesma pesquisa foi levado pela professora ao V SIGET (Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais), realizado há uns dias em Caxias do Sul (veja nota no site da UCS).

A primeira tese de doutorado na UCPel foi defendida em junho; também em Letras, tratou sobre o uso da internet na comunicação professor-aluno (veja o post).
Imagens da web

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Luísa Kurtz, como um doce para os ouvidos

Luísa Kurtz vem apresentando-se numa série de recitais líricos, em Buenos Aires, Porto Alegre e Curitiba, principalmente. Para quem não pode viajar com ela, seu blogue mostra fotos e algum vídeo, permitindo acompanhar a movimentada agenda de Luísa e Carlos.

Em 20 de abril passado, ela e mais quatro solistas gaúchos participaram na segunda edição do Concerto "Uma Noite na Ópera: Mozart e Rossini", com a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro (acrescida de sopros e timbalistas), dirigida pelo Maestro Antônio Carlos Borges-Cunha (veja a notícia). A primeira apresentação deste programa foi em junho de 2008, com quatro cantores e os mesmos dois compositores, também no São Pedro, em Porto Alegre.

Nas duas ocasiões, Luísa interpretou Come dolce all'alma mia, da ópera "Tancredi", de Rossini. O vídeo abaixo dá uma boa ideia do excelente desempenho. O trecho é uma adaptação para solista de uma parte do início da ópera em que Amenaide dialoga com o coro.

Luísa Kurtz nasceu em Porto Alegre, mas está radicada em Pelotas há uma década e toda sua formação lírica foi desenvolvida com a prática no Coro da Sociedade Pelotense Música pela Música (esq., em 1999) e com o Bacharelado em Canto no Conservatório da UFPel.

Come dolce all'alma mia scende il suon de' vostri accenti!
Quão doce a minh'alma chega o som de vossas vozes!
Come a' vostri, a' suoi contenti va esultando questo cor!
Como com as vossas, com sua alegria vai exultando meu coração!
(E tu quando tornerai al tuo ben, mio dolce amor)!
(para si) E tu, quando voltarás a teu bem, meu doce amor?
Voglia il ciel che brilli omai per me pur felicità!
Queira o céu que tudo brilhe pela minha felicidade!
(Se il mio bene a me non viene pace il cor sperar non sa).
(para si) Se o meu bem a mim não vier, meu coração não poderá esperar a paz.


Loja para navegantes

Diante do antigo Cine Capitólio, uma loja que se apresenta como lan house tem como anúncio um caiaque em tamanho real e seu remo pronto para usar. O passante distraído associa o grande objeto com "navegar na internet" e até se motiva a entrar.

Como alguém ainda não tinha pensado nisso? As pelotas que deram nome ao nosso principal arroio também servem para convidar a este tipo de navegação.

Mas tudo isto não passa de imaginação de turista. A verdade é que a loja Caxangá (aquele típico chapéu de marinheiro) vendia produtos náuticos e mudou de ramo. O nome perdeu o sentido comercial e foi retirado do cartaz. Ficaram ali caniços e redes de pescar (não virtuais), que agora enfeitam a loja, e elevam as redes a um nível metafórico.

No Brasil de hoje, estes centros são conhecidos como lan houses (LAN=Local Area Network, rede de área local). Assim como os marinheiros saíram de moda, o absurdo nome em inglês se impôs pela sonoridade e deslocou o tradicional cibercafé... no país do café.
Foto de F. A. Vidal

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Tempo de vírus, tempo de amar

O Corredor Arte do Hospital da FAU/UFPel está expondo, até 2 de setembro, quadros de duas pintoras: Eneida Martí e Rita Westendorff.

A duplicidade do espaço, inevitavelmente contido entre duas paredes, se presta para as contraposições, e sua forma labiríntica também permite o encontro de opostos e a reestruturação de caminhos.

O que pode chamar a atenção é que os visitantes usem máscaras brancas (dir.), mais comuns neste tempo de vírus perigosos. Mas, junto às barreiras que freiam os micróbios, a arte funciona como uma prevenção psíquica, que faz bem ao espírito e contribui à cura. Este é um espaço de saúde que faz parte de um projeto permanente do Hospital-Escola, integrando o físico e o mental.

As duas artistas abordam o mesmo tema: o amor de casal.
Eneida tem uma visão mais cotidiana e natural do romantismo, mostrando características reais e bem diferenciadas de homem e mulher, destinados a um compromisso e a uma complementação.
Ela fala da carência de amor hoje em dia, entre os seres humanos, e pretende "ajudar a distribuir a semente do amor". Suas telas são amostras de paixão e suavidade, sedução e ingenuidade.
A fé no amor está contida, implicitamente, nas imagens de casais ou de pessoas sós. Geralmente são gordinhas em vestidos e gordinhos em bombachas (dir.); elas em contemplação, eles em ação. O observador do quadro pode até identificar-se, mas ante a falta total de expressão facial a percepção se baseia mais nos comportamentos ou em signos superficiais.
A tal confiança no amor romântico fica bem mais explícita na multidão de indivíduos aparentemente sós (esq.). Dois são exceção: homem e mulher, lado a lado. Suas emoções, representadas por cores, já estão dispostas ao encontro, faltando somente eles se darem conta e assumirem a relação.
Rita traz um colorido mais exagerado e ideal, com personagens fictícios, longe do realismo do amor de casal. Esta visão parece superficial, mas aponta aos simbolismos ocultos na mente de homens e mulheres. Branca de Neve e um arlequim (esq.) poderão encontrar-se e amar-se? De olhos fechados? Costuma haver casais assim.
A pintora reedita o estilo do artista plástico Romero Britto, aplicando-o neste caso à temática do amor.
Diz Rita ao Corredor Arte que o traço quase infantil e as cores vibrantes do criativo pernambucano, em combinação, a motivaram a fazer as releituras. “As obras de Romero retratam amor, vida e muita alegria. É o que precisamos neste mundo conturbado”, destaca.
Fotos de F. A. Vidal (1-3)

domingo, 23 de agosto de 2009

Cultive Ler, locadora de livros

Por uns 15 anos, Manoel Soares Magalhães teve em sua casa um sebo para vender e alugar livros novos e usados.

A ideia tinha uma aparência comercial, mas sua inspiração essencial foi poética: se nossa sociedade cultiva as imagens passageiras dos vídeos, por que não cultivar as imagens do espírito de um modo mais culto?

E como cultivar a leitura? Como compartilhar as folhas escritas, que tendem a ficar arquivadas nas estantes ou até são jogadas fora?

Como não lembrar de Buenos Aires, onde há uma livraria em cada esquina, onde se acham livros de todos os tipos, de todas as épocas, de todas as origens? Afinal, uma grande cidade, comercial e culta ao mesmo tempo, onde se veem todos os filmes, se fala de todos os assuntos e onde se criam palavras novas e teorias mirabolantes, meio europeias, meio cosmopolitas, meio selenitas.

Pergunto-me se na Argentina existem muitas lojas arrendando libros - como a locadora de Manoel - ou se essa é função exclusiva das bibliotecas. Serão os porteños solidários com a cultura, sabem passá-la de mão e mão... ou preferirão possuir seus próprios livros, riscá-los, desenhá-los, olhá-los, exibi-los, adorá-los?

Em 2008, Manoel levou sua livraria para a Rua Lobo da Costa, separando-a da residência. Outro ato poético, pois ele mesmo escrevera um livro sobre a marginalidade do escritor pelotense ("O abismo na gaveta", 1999).

O projeto do escritor-pintor era expor no novo local a produção plástica, mas o sebo-locadora só durou ali um ano. Ele vendeu o acervo e se mudou para a cidade de Pedro Osório, onde também ficou mais um tempo. Voltou, há uns dois meses, à casa da Rua Uruguai, quase esquina Alberto Rosa. (Afinal, quem não vai à Argentina, pelo menos fica no país mais próximo).

Então, hoje a locadora Cultive Ler está de volta, no mesmo lugar esteve desde 1993. O acervo se concentra agora em arte e filosofia, áreas de interesse de Manoel, de seus leitores e das sedes universitárias próximas (veja a notícia no Amigos de Pelotas).

A casa foi readaptada, de modo a ficar mais como um lugar acolhedor para a criação artística, a cultura em geral e a amizade: os livros numa sala de estar ( de um lado a locadora; de outro, a livraria), com exposição de quadros, e acima o ateliê de Carmem, esposa de Manoel. Ambos pintam, mas essa história conto depois.
Fotos: F. A. Vidal (1), M. S. Magalhães (2-3)

sábado, 22 de agosto de 2009

Formatura do pianista Ederson Duarte

Éderson Oliveira Duarte apresentou o recital de graduação no sábado 8 de agosto, concluindo o Bacharelado em Piano da Universidade Federal de Pelotas.

Ele começou seus estudos aos 18 anos, em sua cidade-natal, Rio Grande; nos últimos onze anos, ele já se desempenhou como pianista do Coral da UFPel e da Orquestra Filarmônica de Pelotas. Também compõe e faz arranjos para coral e piano a quatro mãos.
O programa musical incluiu autores de diversas épocas, desde clássicos a contemporâneos, em oito obras de variada complexidade.
Começando com Mozart (Sonata nº 16 em dó maior, KV 545) e Bach (Prelúdio e Fuga nº 21 do Cravo Bem-Temperado I), o intérprete trouxe uma novidade para todos os ouvidos, sem anunciar que se tratava de uma estreia da obra em Pelotas: Rumania, quatro melodias folclóricas, do austríaco Cesar Bresgen (1913-1988). A partitura foi trazida da Europa pelo prof. Marcelo Cazarré e ainda não havia sido tocada em público - pelo que se sabe, em todo o Brasil.
Na sequência, a Meditáció, do húngaro Zoltan Kodaly, deixou entrever o temperamento de Éderson, emotivo e enérgico. A peça é breve e medita sobre um tema do Quarteto para cordas, de Débussy, após a viagem que o compositor fizera a Paris em 1907 (leia um comentário).
Neste ponto do programa, Éderson incluiu sua peça "Palavras do Coração", que comento abaixo.
O recital seguiu com cinco Prelúdios de Cláudio Santoro, a Valsa da Dor, de Villa-Lobos e o exigente Estudo de Concerto nº 3, de Liszt, popularmente conhecido como "Un Sospiro". No vídeo abaixo, uma antiga interpretação deste trecho gravada pelo pianista norte-americano Earl Wild.

Palavras do Coração
Éderson vem elaborando esta criação desde 2004, quando a mostrou por primeira vez no Teatro Municipal de Rio Grande. Em Pelotas, veio apresentá-la em julho de 2005, quando escrevi num artigo:
Éderson Campos é intimista e romântico, sua energia é intensa, capaz de expressar emoções profundas; seu estilo é mais elaborado, abstrato e universal. “Palavras do Coração” é [...] uma canção sem palavras, mas com uma boa expressividade dramática (Diário da Manhã, 12-07-05).
Em maio de 2007, ele a tocou na 2ª edição das Tertúlias Musicais. Em crônica para o site do Conservatório (veja o texto), Francisco Dias da Costa Vidal escreveu:
“Palavras do Coração” [é] trecho repleto de arpejos, perante uma melodia algo diluída, apesar dos contrastes, tudo a liberar uma “sonoridade temperamental”.
Nesta nova ocasião, o intérprete a dedicou a sua mãe, presente na plateia. Este emotivo detalhe sugeriu que o coração do compositor se valeu dos recursos do instrumento para expressar- sem palavras - o que sentia desde a infância e como esses impulsos e curiosidades foram sendo elaborados, ao longo do crescimento pessoal.


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Homens e damas, na Praça


O fotógrafo profissional Vilmar Tavares postou esta e outras 160 imagens no Flickr. Ele é daqueles fotógrafos que faz um momento cotidiano brilhar em cores e formas, gerando uma novidade gráfica e simbólica.
Vemos cada dia na Praça Osório os jogadores de xadrez e damas, mas nunca os vemos de cima. Ele chamou esta imagem Dama da Praça. A alusão é às damas de todas as classes que circulam neste lugar. Seu comentário é psicanalítico: as damas ocupam a mente dos homens.

Ciência Bacana, o blog da profe de Biologia

Muitos professores usam os instrumentos mais modernos para se comunicar com seus alunos, estendendo a sala de aula com mais conhecimentos ou com tarefas digitalizadas.

Longe de parecer o blogue da profe, Ciência Bacana é um lugar de brincar com os conhecimentos e de aprender a usar a internet como meio de informação, entendimento e diversão.

Alline Oliveira Bettin ensina Ciências Naturais, Biologia e Química em vários níveis do Fundamental, na Escola Mário Quintana, e há somente três semanas, quando as aulas do segundo semestre iam começar, ela abriu um blogue para, como costuma fazer, estabelecer relações transversais, de tudo com tudo: zoologia, literatura, música, brinquedos, botânica, avanços tecnológicos, história e muita coisa mais. Como o semestre iniciou com atraso de duas semanas, as crianças só tomaram conhecimento nesta segunda (17).

No primeiro dia (31 de julho), Alline postou algo engraçado:
Com este frio, durma abraçado com seu coração... de pelúcia.

Além dos posts, há dois joguinhos para brincar com bichos e um mural de recados, que os alunos usam dia e noite para dar ideias e dizer que estão adorando o blogue.

A sora Alline faz que a leitura seja muito mais interessante, parte da vida real e não uma simples tarefa de colégio. Aliás, ela pertence ao quarteto criativo do Projeto de Leitura, grupo de mestras que estimulam a imaginação e a inteligência, relacionando a escrita e os livros com todas as áreas humanistas, científicas e artísticas.

A data do dia aparece em inglês, mas de uma forma original: os números são apresentados por pessoas com expressões emocionais (esq.).

Outra coisa que o Ciência Bacana consegue é mostrar às crianças ( e a seus pais) que a internet pode ser usada de boa forma, com a condução de um adulto.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Melhorar a leitura, em três níveis

Transformar o Brasil em uma sociedade leitora é condição fundamental para a qualificação da democracia e da relação com as artes, com o patrimônio histórico e cultural ("leitura" não somente de mensagens escritas, mas de todas as formas de comunicação).
Esta ideia - ambicioso objetivo - se encontra no Projeto Nacional de Cultura (PNC, 2ª ed.), do Ministério da Cultura (veja o texto, p. 45-46).
Diz o PNC que saber ler palavras é exercer a capacidade mental de compreensão do mundo.
  • Do ponto de vista social, quem aprende a interpretar o mundo se faz cidadão efetivo, vê soluções para os problemas da sociedade, ajuda na criação de uma cultura de paz e criatividade.

  • Do ponto de vista mental, quem decifra os signos escritos - e interpreta seus múltiplos significados - está pensando sobre a realidade, sobre si mesmo, sobre a vida e o ambiente. Quem pensa: ordena ideias, analisa e resume informações, relaciona dados de várias fontes, aplica o que sabe a diversas áreas, critica vantagens e desvantagens sob diferentes pontos de vista.
Analfabetismo absoluto (não soletrar)
Em 2006, calculou-se em 10,4% o analfabetismo absoluto dos brasileiros, equivalente à Europa do século XIX. Em 2005, o IBGE havia informado 11,1% entre os maiores de 15 anos. A diminuição num ano foi de 0,7%.

A queda do analfabetismo de 1996 a 2006 significa 29% de melhoria, mas isso ainda mantém o Brasil no incômodo penúltimo lugar no ranking de alfabetização na América do Sul: somente a Bolívia tem um índice maior de analfabetismo (absoluto): 11,7% (veja a notícia).
Analfabetismo funcional ( não compreender)
Não se trata simplesmente de erradicar o analfabetismo absoluto, o conhecimento mais básico das letras. Igualmente nefasto para a sociedade é o analfabetismo funcional, o de quem domina o alfabeto de modo precário: lê mas não compreende, junta letras mas não conhece palavras, decifra signos mas não capta significados.
Analfabetismo secundário (não ter o hábito)
O analfabetismo secundário é o daqueles que, tendo sido alfabetizados, não leem por uma desvalorização social da leitura e pelo pobre acesso a livros, revistas, jornais e internet.
O índice citado acima (10,4) sobe para 45% quando se avalia quantos brasileiros não são leitores.
O índice nacional de leitura é de 4,7 livros por pessoa ao ano - incluindo-se os livros indicados pela escola (sem eles, a média cai para 1,3). Um francês lê em média 7 livros ao ano; um colombiano, 2,4 (segundo pesquisas com métodos diferentes).

Alfabetizar em três níveis
Dessa visão triplamente negativa percebida pelos sociólogos e políticos, extraímos os três aspectos positivos da alfabetização, que são nossos recursos e nossos desafios:
  • 1. Alfabetização absoluta.
    Se 89,6% sabiam soletrar no Brasil em 2006 e a cada ano o índice pode subir 0,7 - então em 2010 (mais um semestre) 92,4% terão o alfabetismo mais básico.

  • 2. Alfabetização funcional.
    Boa parte dos já alfabetizados no sentido absoluto - talvez um terço - requer ajuda para superar este nível mais primário e poder compreender o que eventualmente lê.

  • 3. Alfabetização secundária.
    A porcentagem de 55% de brasileiros que costumam ler - apesar de nossa cultura não valorizar o estudo - precisa de apoio para não passar ao outro lado, e para sobrepor-se ao resto, com seus hábitos mentais positivos.

Saiba mais sobre o Movimento por um Brasil Literário, que busca difundir a leitura literária.
Imagens da web

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Psicanálise de uma fábrica de chocolate

O livro “Charlie and the Chocolate Factory”, do escritor britânico Roald Dahl (1916-1990), foi publicado primeiramente nos Estados Unidos, em 1964 (no Reino Unido em 1967), e deu origem a dois filmes: “Willy Wonka & the Chocolate Factory” (1971) e "Charlie and the Chocolate Factory" (2005). Ambos ficaram com o mesmo título em português: “A Fantástica Fábrica de Chocolate”.

À esquerda, a primeira capa, desenhada por Joseph Schindelman (clique para aumentar). À direita, uma capa pós 1998, quando os desenhos passaram a ser feitos por Quentin Blake.

Em 1972, Dahl publicou uma continuação ("Charlie and the Great Glass Elevator") e, decepcionado com o filme, não permitiu que fosse filmada. No entanto, o filme de 2005 inclui detalhes deste segundo texto.

Livro e filmes merecem uma detalhada comparação - literária, cinematográfica e mesmo sociopolítica - assim como uma análise psicológica, que propus no artigo "Psicanálise de uma fábula moderna" (Diário da Manhã, 28-08-05).

Os personagens
Uma primeira discussão é sobre os protagonistas: Charlie Bucket e o fabricante de doces. O menino e o empresário fazem contraponto, como os dois lados da mesma moeda. O filme de 2005 enfatiza os traços de Willy Wonka como personagem excêntrico, infantiloide, insociável, misterioso e sexualmente indefinido - que dialoga com um menino honesto, sincero, humilde, generoso, íntegro. Um busca o outro, como a completar-se mutuamente.

Os outros quatro meninos representam os erros que o autor quer criticar: o caubói violento Mike Teavee (esq., em 2005), a obsessiva Violet Beauregarde, o alemão comilão Augustus Gloop e a manipuladora Veruca Salt - os sotaques de cada país dão mais riqueza à sátira. Todos são levados à morte por esses traços defeituosos, que como doenças mentais ainda afligem a humanidade no século XXI.

O grande sucesso da história entre os leitores infantis, no entanto, não radica na mensagem moralista, mas no lado satírico que descreve a realidade sem enfeites, realiza desejos ocultos e castiga duramente os comportamentos "normais" de crianças e adultos.

Estragando crianças
O livro traz uma forte crítica aos pais que manipulam filhos pela permissividade (falta de limites ao comportamento), por superproteção ou por projetar neles expectativas frustradas. Quando Veruca (esq., em 1971) é avaliada como "ruim" pelos esquilos analistas de nozes (na balança para ovos dourados chamada Educated Eggducator), o inglês brinca com o duplo sentido de nuts (nozes ou loucos) e spoiled.

Spoil significa 1.“estragar, deteriorar algo” e 2.“malcriar, mimar um filho”, de modo parecido a como em português “corromper” pode ter o sentido de “arruinar, decompor, apodrecer” (uma coisa) e o de “viciar, desviar, perverter” (uma pessoa).

A bruxa má: mãe devoradora
A psicanalista Diana Corso vê nesta fábula uma reedição de “João e Maria” (ZH, 10-08-05). Nessa história dos irmãos Grimm, escrita há dois séculos, as crianças são atraídas por uma figura materna malvada, ou seja, por um ventre que as engolirá e destruirá.


A mensagem psicológica oculta é que a ansiedade infantil, manifestada oralmente pelo comer, tem direta relação com a agressividade da mãe. Para escapar do processo destrutivo da imaturidade, devemos controlar a ansiedade oral (parar de comer, equivalente a parar de beber ou de fumar), abandonar a mãe dominadora (casando com alguém da nossa idade) e buscar o nosso próprio caminho, a trilha que nos levará do falso ao verdadeiro lar, do berço da angústia ao amor do bem comum.

O bruxo moralista e abusador
A fábula moderna, a da indústria de chocolate, apresenta o perigo inverso, de caráter paterno (conforme a observação de Diana Corso). Willy Wonka atrai à sua casa de doces os filhos mimados de famílias permissivas (paradoxalmente, a permissividade retém, não liberta). O bruxo sedutor deseja castigar crianças e adultos egoístas.


O pecado que este pai aparentemente irracional aponta é, no filme de 1971, a falta de limites na educação, traço típico da ausência da autoridade (seja esta masculina ou feminina). A lógica moralista do século 19 critica a calidez liberal moderna; o pai durão questiona a mãe branda.

Este anti-Papai Noel com seus gnomos (esq.) também é recalcado e manipulador, e quererá se redimir pela honestidade do menino pobre, visto como filho simbólico (os escravos “umpa-lumpas”, que eram africanos no original, ficaram brancos por razões políticas).

No filme de 2005, com Johnny Depp como Willy Wonka (esq.) pode-se ler uma alusão à pedofilia, transtorno mental em que um adulto quer seduzir uma criança, percebida como amorosamente atraente (“eu te dou meu pirulito e tu me emprestas a tua pureza”). A referência fica mais clara no final, quando o empresário dá de presente ao menino “preferido” a fábrica inteira, sob a condição de vir sem a família.

É fácil associar esta figura com Michael Jackson (dir.), também milionário, assexuado, megalomaníaco, desajustado, perfeccionista e com uma especial atração por crianças.

A infância do doceiro
O diretor Tim Burton ainda enriquece a história original com dados da infância de Willy Wonka. Foi ele um menino mimado, como seus gulosos clientes? Ou sua obsessão pelos chocolates foi uma reação rebelde ante um pai repressivo? Por que ele odeia tanto os adultos permissivos e as crianças mal-educadas?

O filme coloca uma hipótese algo complexa. Como o obsessivo pai de Willy proibiu-lhe comer todo tipo de doces para não ter cáries, gerou no filho simultaneamente um acelerador e um freio: uma urgência por se libertar da tirania do pai e uma raiva que o impede de amadurecer.

Por um lado, está identificado com o pai ambicioso e rígido, motivo pelo qual detesta as pessoas frouxas e busca um herdeiro que prolongue sua missão e resolva suas frustrações. Por outro lado, está ressentido com esse pai, razão pela qual não quer ser adulto, detesta todos os pais do mundo e procura com desespero um menino que lhe devolva a inocência perdida.

Moral da história
Para libertar-se, Willy deverá achar uma criança idealista e livre, sem pais manipuladores. Diana Corso conclui que Willy precisa de um herdeiro tão pobre que não tenha expectativas, para poder aprisioná-lo e usá-lo. E esse será Charlie. O filho e neto de operários desempregados será o novo empresário, mas não tão manipulável como se pensava. E sobretudo será o terapeuta idôneo (limpo de ressentimentos e pleno de afeto) que ajudará a limpar a alma do neurótico Willy.


A imagem ao lado é a moral da história mais libertadora, mostrando o chocolate como fonte de prazer, e não como a clássica muleta neurótica, inútil amenizadora da ansiedade. O melhor e mais maduro prazer ocorre no encontro, com uso livre de todos os sentidos - visão, olfato, gosto, audição, sensações táteis e viscerais, entre outras.
Imagens da web

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Quem é "infantil"

Anuncia-se, no campus I da UCPel, o 5º Encontro Regional de Educação Infantil, a ser realizado de 24 a 26 de agosto.

O cartaz preside a solidão do recinto (esq.; ontem às 19h), pois a universidade se encontra em férias forçadas - com a suspensão de todas as aulas e aglomerações em ambientes fechados, para prevenir a gripe que ainda não se instalou em Pelotas. A medida vale até sábado 22 de agosto inclusive (veja a resolução da reitoria, do dia 14).

Se não há quem veja este anúncio, virá alguém ao encontro? E, se a gripe impedir as duas coisas, a universidade abrirá o auditório?

O problema linguístico
Além desse paradoxo administrativo, percebi um detalhe estranho na denominação do Encontro:



  • o título mais destacado diz esta barbaridade:
    Encontro Regional de Educadores infantil (dir.),

  • enquanto o título menor (quase invisível), na camiseta do menino, diz corretamente:
    Encontro Regional de Educadores Infantis (abaixo).
Ante o deslize, somente nos resta refletir sobre as possíveis motivações para a incongruência. Como a forma "educadores infantis" oferece dúvidas ao ouvido, houve a fuga para "encontro regional...infantil" (pensando bem, não melhora em nada).

A confusão nasce com o termo "Educação Infantil", que ambiguamente pode significar "educação de crianças" (feita por crianças, ou do modo das crianças) ou "educação para crianças" (feita por adultos). Em português, ambas as educações são "infantis". Como o primeiro sentido teoricamente não é admissível, tem-se o segundo como a única possibilidade real.

Na Educação Artística, alguns professores preferem dizer "Arte-Educação" (expressão copiada do inglês) para evitar a ambiguidade do português. Mas na prática não é preciso nem possível fugir dessas duplicidades, pois o nosso idioma está cheio delas.

Para referir-nos aos profissionais da Educação Infantil, o ouvido hesita de novo: está certo "Educadores Infantis" (serão adultos infantilizados?) ou deveríamos dizer "Infanto-Educadores"?

A lógica é a mesma da expressão original: se a educação infantil é para crianças, os educadores infantis são educadores para crianças.

A dúvida que ainda paira no ar - como o cartaz pendurado - é se o Encontro será cancelado pela preocupada reitoria da UCPel, que se reúne novamente amanhã (20), para decidir se o reinício das aulas é adiado de novo ou não. Se houver mais férias, o Encontro não ocorrerá. Se as atividades forem autorizadas, poucos virão, pelo temor já espalhado pelas próprias autoridades.
Fotos de F. A. Vidal

Mandalas artísticas

As mandalas são desenhos com sentido mental e espiritual. A palavra é sânscrita e significa algo como "círculo que contém a essência".

Concentrando-nos em círculos e quadrados, melhoramos o foco mental e nos conectamos com a unidade fundamental da vida, que passa por nós mesmos em direção ao infinito. Numa figura concêntrica podemos espalhar-nos e focalizar-nos.
Desenhar e pintar mandalas serve como meditação, autoconhecimento e busca da divindade unificadora. É uma técnica usada na religião, especialmente hinduísta e budista, e que inspira também os artistas mais místicos.
Luciana Cazaubon Leite expõe até amanhã, no bistrô do Centro Adail Bento Costa, duas dezenas de mandalas, compostas em vários materiais, principalmente elementos brilhantes. São obras artísticas, postas à venda como todas, mas sugerindo uma aproximação maior com a espiritualidade.
A variedade de cores é comum nas mandalas, e aqui observamos mais tons ocres (sugerindo conexão com a terra material) e lilases (relacionados com o misticismo e a imaginação sonhadora) - ambas, tendências essencialmente femininas. Ao mesmo tempo, a artista completa os círculos com muitos raios, que sugerem brilho do sol (o elemento masculino).
Cada uma destas mandalas sugere que o centro é feminino e as bordas, masculinas - exceto a da figura acima, onde homem e mulher se unem com sucesso para sustentar aquele ponto central, comum a ambos, e que além do mais é trinitário (esq.).
No banner de apresentação, Luciana explica que as mandalas têm efeito curativo e tranquilizador, segundo os estudos de Carl Jung. Qualquer pessoa pode fazer sua mandala, bastando desenhar um círculo sobre qualquer material e preenchê-lo com as formas e cores que a imaginação sugerir.

A peça dos fundos do Casarão nº 2 da praça Osório funcionou originalmente como a senzala da residência, que tinha seus escravos e empregados, mesmo não sendo uma fazenda. Na reforma do prédio com fins culturais, esse pequeno salão foi pensado como um bistrô, uma espécie de café com apresentações musicais. O projeto começou em 2006, mas não deu certo e o espaço está sendo usado como outra sala de exposições, ainda com o nome de "bistrô", como à espera de recuperar o sentido original.
Fotos de F. A. Vidal